Salim Farah Maluf deixou o vilarejo de Hadath Baalbek em 1910. No Brasil, começou como mascate e tornou-se sócio de uma serraria. Criou um pequeno império que daria origem à Eucatex. Entre seus filhos, o mais famoso sem dúvidas é Paulo.

Formado em engenharia na Politécnica da USP, Paulo Maluf trabalhou inicialmente nos negócios da família. Tinha 35 anos quando foi convidado pelo então ministro Delfim Netto para presidir a Caixa Econômica Federal. Foi seu primeiro passo na política.

Nakhul Temer deixou para trás a sua casa de pedra no povoado de Btaaboura em 1925. Era agricultor numa região onde tradicionalmente se cultivava o tabaco. No Brasil, fixou-se com a família em Tietê, no interior de São Paulo. Seu filho Michel fez direito no São Francisco. Foi procurador e secretário de Segurança. Chegou ao Jaburu e à Presidência.

Habib al-Haddad saiu de Ain Ata em 1947. Padre da igreja Ortodoxa Grega — e por isso podia casar e ter filhos — é famoso até hoje em sua terra natal por ter liderado uma resistência contra a ocupação de tropas francesas. Veio para o Brasil a contragosto. Mas a família prosperou no comércio, e seu neto Fernando Haddad foi prefeito de São Paulo.

Iskandar Boulos abandonou Tiro em 1924. Órfão e pobre, buscou refúgio com tios que moravam na região de Presidente Prudente. Guilherme, seu neto, nasceu dois anos depois da morte do avô.

Em todas essas histórias, há uma origem em comum: uma faixa de terra às margens do Mediterrâneo que na Antiguidade foi ocupada pelos fenícios e onde hoje fica o Líbano.

Em Brimos: Imigração Sírio-Libanesa no Brasil e seu Caminho até a Política (Fósforo Editora, 272 páginas, R$ 59,40), o jornalista Diogo Bercito combina pesquisa acadêmica e reportagem para reconstruir a história de alguns dos principais políticos de origem libanesa do Brasil.

O autor, que foi correspondente da Folha no Oriente Médio e esteve nos lugarejos de onde partiram esses imigrantes, procurou investigar por que existem tantos “brimos” na política nacional. Praticamente um décimo das cadeiras do Congresso são ocupadas por representantes da comunidade árabe e descendentes de sírio-libaneses.

As lideranças políticas de origem libanesa são ecléticas, com representantes mais à esquerda, como Haddad (PT), Boulos (PSOL) e Jandira Feghali (PC do B); centristas, como Temer (PMDB) e Kassab (PSD); e outros mais à direita, como Maluf e Ricardo Izar (PP).

Uma pesquisa do historiador Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão identificou que, entre 1945 e 1999, o Brasil teve 163 deputados federais e senadores com sobrenomes sírio-libaneses. Foram o segundo maior grupo com representantes no Congresso, atrás apenas dos italianos.

Mas por que tantos se lançaram na política? Bercito arrisca uma resposta: “A política foi uma maneira de os imigrantes e seus descendentes ascenderem socialmente, dando continuidade ao processo iniciado décadas antes na atividade de caixeiros e comerciantes. Foi a estratégia utilizada por ambiciosos jovens advogados que foram capazes de traduzir seus diplomas em influência política”.

Mas o livro não se restringe aos políticos, ainda que esse seja o seu principal interesse. Bercito narra também brevemente as histórias de empreendedores da comunidade sírio-libanesa, como os irmãos Zacharias e o banqueiro Joseph Safra. Fala sobre a criação do Hospital Sírio Libanês e faz um perfil de um de seus médicos mais famosos, Roberto Kalil Filho. E traça as origens de dois dos maiores escritores brasileiros contemporâneos, Raduan Nassar e Milton Hatoum.

Na verdade, quando a maior parte dos antepassados desses “brimos” chegaram ao Brasil, o Líbano sequer existia como país. Os emigrantes e refugiados originários daquele pedaço do Oriente Médio viajavam com passaportes emitidos pelas autoridades do Império Otomano — e por isso acabaram sendo chamados, imprecisamente, de “turcos”.

Na Primeira Guerra Mundial, os otomanos lutaram ao lado da Alemanha. Perderem, e o império ruiu. As regiões onde atualmente estão Síria e Líbano ficaram sob o controle da França. Em 1920, os franceses forjaram o Estado do Grande Líbano, que incluía o Monte Líbano, Trípoli, Sídon, Tiro e Beirute. A independência veio apenas durante a Segunda Guerra, em 1943. Aí então surgiu de fato o Líbano.

O país chegou a ter um período de prosperidade, mas desde os anos 1970 sofre com guerras civis, conflitos recorrentes entre grupos religiosos, a invasão de vizinhos e o terrorismo.

Hoje, afirma Bercito, os libaneses, particularmente os cristãos da diáspora, reivindicam a origem fenícia como uma maneira de se desvincular da cultura árabe e islâmica que se tornaram dominantes no Oriente Médio. “Com isso, buscam um pedigree, uma identidade própria, distinguindo-se dos vizinhos dos quais não sentem muito orgulho”, diz o jornalista. “Apesar dessa escolha, a contribuição do islã para a história do Líbano é inegável.”

A primeira grande fase da diáspora de libaneses ocorreu entre 1870 e 1930, e o Brasil foi o principal destino. Como ocorreu com outros migrantes naquele período, a fuga em busca de uma melhor sorte teve motivações econômicas. Havia fome, e as perspectivas de ascensão social eram baixas. Foi nesse período que os Haddad e os Temer desembarcaram no Brasil. Os números não são plenamente confiáveis, mas as estimativas indicam que, entre 1880 e 1969, o Brasil recebeu ao menos 140 mil árabes, a maioria deles sírios e libaneses.

Não se sabe ao certo o que motivou tantos libaneses a terem escolhido o Brasil como destino, mas muito provavelmente teve importância a propaganda feita por D. Pedro II. O imperador quis conhecer o Oriente Médio e fez duas viagens à região, uma em 1871 e outra em 1876. Não existem informações precisas sobre a viagem, mas há notícias de que D. Pedro teria convidado sírios e libaneses para ir trabalhar no Brasil, onde a escravidão já estava com seus dias contados.

Mas, ao contrário dos europeus, os sírio-libaneses que desembarcavam aqui não contaram com nenhum tipo de ajuda oficial. Nem mesmo foram recebidos na Hospedaria dos Imigrantes. Segundo Bercito, isso os livrou de cumprir contratos e lhes deu liberdade para empreender, como caixeiros-viajantes ou comerciantes.

Em 1890, 9 de cada 10 mascates catalogados em São Paulo eram sírios-libaneses. As primeiras lojas se concentraram na região da Rua 25 de Março. Khalil Haddad, pai de Fernando, teve uma loja de tecidos ali, onde o filho trabalhou por algum tempo.

Uma nova onda de imigrantes chegou por aqui fugindo da Guerra Civil Libanesa, entre 1975 e 1990. Quase 1 milhão de pessoas, um terço da população, abandonou o país. Dessa vez, os migrantes eram em sua maioria muçulmanos.

Agora, mais uma vez, o país enfrenta grandes dificuldades. Os conflitos internos levaram à crise política, que levou à uma crise econômica profunda. Desde outubro de 2019, a moeda perdeu 90% do valor. O PIB libanês acumula queda de quase 30% em dois anos, e pela primeira vez o país deixou de pagar a sua dívida externa e agora negocia um acordo com o FMI.

Depois da explosão no porto de Beirute em 2020, matando mais de 70 pessoas, o país ficou mais de um ano sem governo. O Brasil já não é o primeiro destino dos libaneses expatriados, como nos tempos de D. Pedro II, mas continuará acolhendo novos “brimos” — no comércio, nas artes e, claro, na política.