O comando da economia brasileira está agora na mão de dois descendentes de libaneses: Fernando Haddad na Fazenda e Simone Tebet no Planejamento.

A nomeação da dupla é mais um indício da projeção que os árabes e sua prole ganharam na política brasileira nas últimas décadas – um fenômeno social que analisei a fundo no meu livro “Brimos”, da editora Fósforo.

Outros nomes levantinos que marcam nossa política são Temer, Maluf, Boulos e Feghali – todos descendentes de sírio-libaneses.

O denominador comum não passou batido. Quando foi indicada, Tebet disse ter três coisas em comum com Haddad: ambos são professores universitários, têm família no Mato Grosso do Sul – e são de origem árabe. “Não tem como dar errado.”

Da família de Fernando Haddad se sabe bastante. Visitei diversas vezes o montanhoso vilarejo de Ain Ata, de onde veio sua família. É um povoado no sul do Líbano, na fronteira tríplice com a Síria e com Israel. Morava ali seu avô Habib al-Haddad, um influente padre greco-ortodoxo que chegou a brigar com o exército invasor francês. Ain Ata é também berço de seu pai, Khalil, que ao imigrar para o Brasil em 1947 – aos 24 anos – passou a se chamar Felipe.

A origem libanesa marcou muito a trajetória de Haddad. Quando conversamos sobre isso em 2015, ele me disse que carregava um retrato do avô Habib na carteira e que pensava nele sempre que estava diante de um dilema moral.

Em um discurso após perder a eleição para Jair Bolsonaro em 2018, Haddad voltou a falar de sua família. “Eu aprendi com meus antepassados o valor da coragem para defender a justiça a qualquer preço,” afirmou o ministro.

Já da família de Simone se sabe um pouco menos, em parte porque é mais recente a popularização de seu nome entre os eleitores.

A história começa com a imigração de dois libaneses ao Brasil. Seu avô paterno, Taufic Tebet, chegou em 1929. Fixou-se em Três Lagoas, onde trabalhou como comerciante – uma das profissões prediletas dos imigrantes árabes, apesar de nem de longe a única.

Sua avó paterna, Angelina Jaime Tebet, veio do Líbano para o Brasil também pequena, acompanhada dos pais. Dona de casa, ficou conhecida pela generosidade. Angelina Jaime hoje dá nome a uma avenida na cidade de Três Lagoas, bastião dessa família libanesa.

De Taufic e Angelina nasceu Ramez, pai de Simone. Ramez formou-se em Direito e casou-se com Fairte Nassar Tebet, também de origem árabe. Como tantos outros libaneses e descendentes, chegou à política. Foi prefeito de Três Lagoas, secretário de Justiça de Mato Grosso do Sul, senador e ministro da Integração Nacional.

Assim como Haddad, Simone costuma se lembrar em público de suas origens levantinas. Há dois anos, quando uma explosão devastou o centro de Beirute, ela tuitou: “O Líbano, terra dos meus avós, chora hoje a dor por mais uma tragédia humana de enormes proporções.”

Árabes começaram a imigrar ao Brasil na virada do século 19 para o 20. Vinham do Império Otomano – principalmente do que viriam a ser os Estados da Síria e do Líbano – em busca de uma vida melhor, depois do colapso do mercado da seda que tecia a economia local. Havia também, em alguma medida, a impressão de que árabes e cristãos eram escanteados dentro do império de maioria muçulmana, daí sua decisão de ir embora.

Sua trajetória coletiva foi marcada por uma excepcional ascensão social em comparação com outros grupos. Entre as explicações para esse fenômeno estão o investimento feito na educação dos filhos e a mobilidade proporcionada pelo comércio ambulante.

Isso não quer dizer, porém, que todos os sírios e libaneses prosperaram no Brasil. Diversas famílias não tiveram o mesmo sucesso dos Haddad e dos Tebet, e acabaram sufocadas pelas narrativas de êxito que marcaram a produção acadêmica sobre a comunidade.

A chegada à política é resultado da ascensão social e também da cooptação que o governo de Getúlio Vargas fez de minorias nos anos 1930 e 1940 como contrapartida às famílias tradicionais, tidas como hostis ao Catete. Esses são só alguns dos muitos fatores que explicam a forte presença de nomes como Haddad, Tebet, Temer, Maluf, Boulos e Feghali na política nacional.

Quando falei sobre esse tema anteriormente, alguns críticos me disseram que a origem desses políticos pouco importava; que eu os estava discriminando. Mas, do ponto de vista social, é curioso que os próprios políticos resgatam sua origem levantina em público, construindo identidades híbridas como brasileiros-árabes.

É um fenômeno latino-americano, analisado no caso mexicano por Theresa Alfaro-Velcamp no livro “So Far from Allah”.

A própria sugestão de Tebet de que vai trabalhar bem com Haddad porque os dois são descendentes de libaneses, aliás, não é estapafúrdia. Basta lembrar que uma das chaves do sucesso de Maluf no governo de São Paulo, pelo menos na leitura do sociólogo pioneiro Oswaldo Truzzi, foi sua habilidade em cooptar outros descendentes de árabes no que foi àquela época apelidado de “califado”.

Diogo Bercito é jornalista, historiador e romancista, e está cursando o doutorado em história na Georgetown University.  Publicou “Brimos” (editora Fósforo) e o romance “Vou Sumir Quando a Vela se Apagar” (Intrínseca), ambos sobre imigrantes árabes no Brasil.