Fala que você não ficou pensando a mesma coisa.

No discurso de vitória de Joe Biden ontem à noite, os temas que ele abordou deram uma certa inveja — ‘amor pelo País’, ‘união entre as pessoas’, ‘esperança no futuro’, ‘ um Presidente para todos os americanos’.  

Será que dá pra gente importar isso, igual livros da Amazon ou séries da Netflix?

“Quando eu penso na América, eu penso em uma palavra: ‘possibilidades’,” disse o presidente-eleito, um homem que está na política desde 1970.  (Às vezes, os sonhos demoram a se realizar.)

Alguns anos atrás, como acontece de tempos em tempos, a política mundial deu uma guinada em direção ao populismo. Frustrados com a economia, ou com políticos que não estão dando resultado, boa parte dos eleitores se rende a frases de efeito (que também não resolvem problema nenhum), diagnósticos simplistas, ou mesmo a mentiras deslavadas.  

E aí decidimos que o problema é ‘o outro’.  Os adversários viram inimigos, o diálogo perde para a gritaria, e os tons de cinza que caracterizam a condição humana dão lugar a pseudo-verdades absolutas.   

Mas depois de muito veneno destilado, famílias afastadas e amizades desfeitas, quem está ganhando com a histeria?  O País melhorou alguma coisa?

Nossa incapacidade de resolver nossos problemas já chocava Cazuza 30 anos atrás:  “Brasil, mostra a tua cara, quero ver quem paga pra gente ficar assim.” 

Mas assim como a América, o Brasil também é uma terra de possibilidades.

Foi aqui que Ilson Mateus, depois de trabalhar noite e dia no varejo do Maranhão por 34 anos, conseguiu ficar bilionário este ano, levando sua empresa para a Bolsa.

Foi aqui que Tábata Amaral, uma menina humilde da periferia de São Paulo, virou deputada federal e inspiração para tanta gente.

E foi aqui que as centenas de PhDs da Embrapa mudaram para sempre o patamar do nosso agronegócio, e os do CENPES (o centro de pesquisa da Petrobras) descobriram como explorar petróleo 7.000 metros abaixo do nível do mar.

Mas esse Brasil da POSSIBILIDADE continua sendo (muito) imperfeito.

Para cada Ilson Mateus que chega lá, milhares de empreendedores sucumbem à burocracia, à taxa de juros alta (que, se não cuidarmos, pode voltar), e a leis trabalhistas e tributárias de enlouquecer qualquer um.

Para cada Tábata que brilha, milhões de mulheres são tratadas injustamente no mercado de trabalho, assediadas no trem ou vítimas de violência na própria casa.

E por mais que a pujança do agronegócio nos encha de orgulho, continuamos com uma escola básica e uma saúde pública sofríveis, com muito dinheiro e pouca gestão, grandes números e baixa qualidade.

Só que o Brasil, como a América, ainda tem jeito.

Hoje lutamos contra uma pandemia, uma crise fiscal, e temos uma política que mais nos divide do que traz soluções.  Sobram rótulos, chovem xingamentos, faltam ideias.

Assim como Biden está tentando unir os americanos antes mesmo de tomar posse, precisamos de líderes que nos inspirem a reconhecer o melhor um no outro, a buscar causas comuns e trabalhar pelo futuro.  Sem populismo.  Sem histeria.

Esta eleição americana pode nos servir de reflexão — e ser um novo ponto de partida.

Nem a solução dos nossos problemas vair cair do céu, nem a política vai se modificar (sozinha) da água pro vinho.  

Domingo que vem temos uma primeira chance de eleger gente equilibrada, gente que está genuinamente interessada em trabalhar pelas nossas cidades — em vez de darmos aquele voto vagabundo que não pesquisa o candidato, ou aquele voto que elege alguém só por ser famoso ou por ser da mesma igreja.

Temos, também, a oportunidade de começar a pensar em 2022.  Você que está aí indignado… você, empresário que já fez mais grana do que vai precisar na vida… você, líder comunitário que sabe juntar e liderar gente.  Por que você não começa a se organizar?  Por que não vira deputado estadual, federal, senador?

Reclamamos demais do Brasil e de seus problemas, mas poucos de nós levantamos o traseiro opinativo da cadeira para consertar o País.  E o País não vai se consertar sozinho.

Mário Sergio Cortella fez o melhor diagnóstico do fenômeno quando disse:  “O pessimista é antes de tudo um vagabundo.  Dá um trabalho danado ser otimista: você tem que ir atrás, tem que estudar, tem que se juntar….  A frase pedileta do pessimista é assim:  ‘Que horror! ALGUÉM tem que fazer alguma coisa…’”   

Se Joe Biden — que completa 78 anos este mês e teve que superar a morte da mulher e de dois filhos — acha que tem forças para unir um País rachado, quem é você pra não fazer nada pelo Brasil?