É verdade que mar calmo não faz bom marinheiro, mas haja tormenta! Há anos vivemos um período extremamente conturbado globalmente.

Desde o início de 2020, tivemos que aprender a existir em meio a uma pandemia, uma crise humanitária cujo enorme impacto ainda reverbera na economia e na forma como vivemos.

Dois anos depois, teve início o mais novo capítulo do conflito entre Rússia e Ucrânia – mais uma vez, uma tragédia humana com fortes implicações econômicas. E antes desses últimos três anos, já convivíamos com uma intensa polarização de opiniões e uma emergência climática que se faz cada vez mais presente.

Ao que tudo indica, não há previsão de mar calmo para os próximos anos. Em nossas conversas com CEOs, conselhos e líderes empresariais brasileiros, identificamos um padrão: cinco macrotendências que apresentam desafios, mas também oportunidades de crescimento promissoras que as empresas brasileiras estão se preparando para capturar.

Primeira tendência: maior volatilidade global e local
Começaremos 2023 com a possibilidade de uma desaceleração econômica global. Há uma expectativa crescente de recessão econômica nos Estados Unidos e na Europa; a inflação está desacelerando, mas ainda tem níveis relativamente altos em todo o mundo; e as altas taxas de juros pressionam a economia. No Brasil, as projeções de mercado para 2023 são de inflação menor, mas ainda acima da meta, com um baixo crescimento do PIB e taxa de juros elevada – possivelmente por um período mais longo do que o desejável, se persistir a incerteza fiscal.

Este cenário delineou-se há alguns meses, e os executivos mais rápidos começaram a agir. O desafio, especialmente no Brasil, é aumentar a resiliência sem reduzir o crescimento no médio prazo, principalmente para negócios que podem acelerar já em 2023. Isso é possível ao se reduzir custos, acelerar a digitalização, realocar investimentos rapidamente (para oportunidades que se materializem mais rápido ou criem um valor transformacional), criar espaço no balanço (por exemplo, alongando dívidas) e buscar ativamente por oportunidades de M&A que recorrentemente surgem nesses momentos.

Segunda tendência: aceleração dos compromissos climáticos
Os compromissos climáticos acrescentam um fator de peso ao reequilíbrio da economia mundial. No bloco europeu, a legislação passará a impor maiores exigências à importação, o que deve estimular a pesquisa e o desenvolvimento de processos que envolvam menores emissões de carbono, principalmente para produtos cujos processos atuais são grandes poluidores – como cimento, ferro, aço, fertilizantes, plásticos, hidrogênio e amônia, que são alvos do CBAM, a nova taxa de importação de carbono europeia. Outras regiões já deram indicações de que devem acompanhar esse movimento – recentemente foram noticiadas discussões entre Estados Unidos e União Europeia para criar um imposto comum sobre aço e alumínio produzidos com maior intensidade de carbono, por exemplo.

Esses fatores representam uma oportunidade para as empresas brasileiras se reposicionarem nas cadeias de suprimentos globais e estimularem o crescimento industrial de forma significativa, com protagonismo na produção mais sustentável. São várias as oportunidades para setores de base que, de uma forma ou de outra, podem beneficiar uma parcela significativa das empresas e da população brasileira: eletricidade de origem eólica e solar, hidrogênio verde, combustíveis sustentáveis, biometano, metálicos verdes e mercados de carbono – o Brasil possui cerca de 15% do potencial para abater ou sequestrar carbono da atmosfera usando soluções climáticas naturais, sendo o país com o maior potencial do mundo nesta área.

Juntas, essas oportunidades representam um mercado de mais de US$ 125 bilhões e também podem gerar diversos outros benefícios diretos e indiretos, como desenvolvimento socioeconômico, melhor segurança hídrica e proteção da biodiversidade. A transição energética e de materiais terá um custo, e também deve pressionar a inflação e as taxas de juros globais, mas o Brasil está posicionado para reduzir esse custo em relação à maioria dos outros países.

Para capturar essa oportunidade, a ideia é deixar para trás uma postura defensiva, em que cuidamos apenas da sustentabilidade do negócio atual, e partir para o ataque buscando os novos mercados e o crescimento que competidores mais sustentáveis e novos produtos e serviços alcançarão. Na maioria das empresas com as quais temos trabalhado, a construção de negócios sustentáveis está muito perto do topo da agenda.

Terceira tendência: demanda resiliente por commodities
Em novembro de 2022, segundo estimativa da ONU, atingimos o marco inédito de 8 bilhões de seres humanos vivos no planeta. Para suprir tantas pessoas com um padrão de vida cada vez mais elevado, tanto em alimentação quanto em bens materiais, será preciso crescer, mas o planeta só resistirá a um crescimento que seja sustentável e inclusivo. A demanda crescente tem sido afetada pelas consequências da pandemia e da guerra entre Rússia e Ucrânia, que resultaram em uma apreciação repentina de até 70% nos preços do alumínio e cobre, por exemplo.

Para commodities agrícolas, minerais e outras, o mundo busca sustentabilidade, e as empresas do nosso país têm a oportunidade e a capacidade de se apresentarem como fornecedoras confiáveis, mais sustentáveis e com um custo competitivo. O agro, por exemplo, é um dos setores que mais investe em inovação atualmente, tanto pelo uso de tecnologia digital no campo quanto pelo desenvolvimento de técnicas sustentáveis – que permitem maior rendimento por hectare e custos mais baixos de produção, além de uma série de outros benefícios. Várias empresas brasileiras já começam a capturar essas oportunidades mostrando um menor impacto ambiental de sua produção e estão crescendo com produtos inovadores – químicos de origem vegetal, combustíveis produzidos com resíduos animais e vegetais, proteína neutra em emissões de carbono e outros. Isso está apenas começando – a oportunidade de criação de novos negócios continuará se materializando em 2023 e nos próximos anos.

Quarta tendência: reconfiguração das cadeias de suprimentos
Após décadas de globalização das cadeias de suprimentos, que mudou o perfil econômico das regiões pelo mundo, estamos vivendo um movimento de regionalização ou até localização. Se antes as prioridades eram os baixos custos e a produção just-in-time, após uma série de rupturas, hoje os líderes têm buscado soluções que priorizem resiliência – por exemplo, buscar fornecimento de mais de um agente, aumentar os estoques e encurtar a cadeia com near shoring.

Para empresas com cadeias complexas que operam no país, os fatores de custo, disponibilidade e cobrança social contribuem para se considerar uma decisão estratégica de mudar a base de fornecimento ou o local de produção de componentes para o Brasil, em um movimento de localização da cadeia de suprimentos. A nacionalização e a proximidade geográfica entre oferta e demanda brasileiras podem gerar ganhos em diferentes partes da cadeia de valor: redução do custo econômico, ganho de produtividade, limitação do risco cambial com menor exposição a moedas internacionais, redução dos custos de proteção e de importação, racionalização logística, aumento de produtividade com melhor ajuste da demanda, além de menos emissões e ganhos em sustentabilidade.

As relativas estabilidade e proximidade da Europa e dos EUA fortalecem o país como candidato ao friend shoring – quando cadeias de suprimentos longas são encurtadas priorizando-se os países que estabeleceram as melhores relações com aqueles grandes mercados consumidores. Os líderes empresariais mais proativos já mapearam as principais oportunidades para suas empresas, estão buscando clientes e posicionando-se como fornecedores preferenciais.

Quinta tendência: evolução do mercado de trabalho
Novas formas de organização no mundo do trabalho, como a metodologia ágil, já vinham ganhando força antes de 2020, mas a pandemia acelerou de forma vertiginosa as mudanças nas relações profissionais. Hoje as pessoas têm expectativas diferentes de evolução na carreira, oportunidades de desenvolvimento, flexibilidade, segurança psicológica e propósito. Na esteira dessas expectativas, dois grandes movimentos no mundo indicam que o modelo de organização corporativa altamente hierarquizado está em crise. O primeiro é a grande evasão – um número crescente de pessoas que pede demissão mesmo sem ter um segundo emprego em vista; e o segundo é a desistência silenciosa – que repercute principalmente entre os jovens, motivados a fazer apenas o mínimo necessário para manter sua função. No Brasil, 57% dos brasileiros que trabalham em grandes empresas estão dispostos a sair do trabalho atual sem necessariamente ter outro emprego – em linha com os percentuais observados no mundo.

Entendendo esses movimentos, as empresas mais rápidas estão ajustando sua organização para atender a essas novas expectativas, de forma a reter talentos e atrair essa nova mão de obra. Dessa forma, ao concluírem esse processo, essas empresas terão uma força de trabalho mais motivada e qualificada.

Os bons marinheiros, ou líderes empresariais mais astutos, reconhecem que os desafios aumentaram nos últimos anos, mas também enxergam essas cinco macrotendências como um caminho para suas organizações se posicionarem, ganharem competitividade frente a seus competidores e buscarem crescimento mesmo em um contexto adverso. Que nos preparemos, então, para um 2023 de muito trabalho para abraçar todas essas oportunidades.

Para saber mais sobre o tema, assista ao McKinsey Talks sobre as principais macrotendências para os negócios em 2023. O bate-papo é com João Guillaumon, sócio da McKinsey em São Paulo, e um dos autores deste artigo.

Reinaldo Fiorini é o Managing Partner da McKinsey & Company no Brasil; João Guillaumon é sócio da McKinsey & Company em São Paulo.

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