Antes da pandemia da covid-19, o setor bancário já estava sob intensa transformação. Se de um lado os bancos tradicionais passaram a ter seus negócios pressionados, por outro os players digitais surgiram trazendo uma nova maneira de servir o cliente. Porém, a crise sanitária trouxe um desafio adicional com o deterioramento dos fundamentos econômicos, impactando inclusive esse setor que historicamente sempre foi muito resiliente a períodos adversos. Como resultado, o valor de mercado do segmento bancário foi um dos mais afetados em 2020, acompanhado pela maior redução de rentabilidade já vista nessa indústria, como ROE médio – o Retorno sobre Patrimônio Líquido – caindo de 20% em 2019 para 14% em 2020.

Diversos motivos explicam este desempenho, como as margens comprimidas pelas baixas taxas de juros, portfólio de crédito direcionado a produtos de menor risco e um amplo programa de repactuação de crédito com aproximadamente R$1 trilhão em empréstimos diferidos. Somado a isso, como um dos principais fatores, o aumento generalizado de risco levou os bancos a elevarem consideravelmente suas provisões.

Apesar da inadimplência ter alcançado em 2020 seu nível mais baixo – sustentada pela postergação de pagamentos demais de 2 milhões de contratos de empréstimo e do programa de auxílio emergencial que atingiu mais de 67 milhões de brasileiros, o cenário macroeconômico com o desemprego em níveis elevados, num momento em que as famílias já se encontravam altamente endividadas, levanta uma bandeira de alerta sobre o comportamento futuro e risco que essas carteiras ainda carregam.

Adicionalmente, o ambiente regulatório mais vibrante, inclusivo e transformador tem fomentado a competição e favorecido o surgimento de novos tipos de players, além de incentivar maior inovação em produtos e serviços. Algumas dessas iniciativas já se provaram um sucesso. Um exemplo é o PIX (pagamento instantâneo), que já representa um número maior de transações em quantidade do que as feitas via TED/DOC. Além disso, outras iniciativas como o Open Banking, as Centrais de Recebíveis e a maior flexibilização de regras para o cooperativismo de crédito devem continuar trazendo novas provocações, desafios e oportunidades à indústria.

Como reflexo disso, vemos o aumento da competitividade como maior protagonismo dos players digitais, que estão expandindo seu alcance e capturando rapidamente uma parte mais relevante do negócio bancário tradicional  –eles já conquistaram 28% do total de contas no país. 

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Em investimentos, eles representavam em 2020 19%, sendo que em 2018 suas participações eram de somente 6%. A estratégia destas instituições vai além de serviços financeiros tradicionais, almejando tornar-se um ecossistema na vida do usuário. Como exemplo, vemos a expansão desses players que frequentemente nascem monoproduto e ampliam suas atuações com uma oferta cada vez mais ampla de crédito e serviços (como a rápida popularidade de seus marketplaces de produtos e serviços, que se apoiam em mecanismos de engajamento combinando cashback e crédito).

Até aqui, esses players digitais têm avançado principalmente sobre as linhas de receitas de serviços e tarifas das instituições financeiras, transferindo grande parte desses ganhos para o consumidor final. No entanto, esse novo modelo digital ainda busca formas de se tornar consistentemente rentável. Mesmo que consigam servir seus usuários com um custo mais baixo, as receitas por clientes ainda são em média seis a sete vezes menores do quedos grandes bancos.

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Porém, assim como esses novos entrantes, os bancos tradicionais também possuem diversas fortalezas que os colocam em posição privilegiada para enfrentar essa conjuntura. São eles que ainda controlam a concessão de crédito, que é a principal linha de relacionamento com clientes e responsável por 60% das receitas bancárias, com sua ampla oferta de produtos e experiência na precificação de risco. Além disso, têm elevada escala, são multicanais, diversificados e estão altamente capitalizados, com estruturas bastante sólidas. A combinação destes fatores os permitem acelerar suas carteiras de crédito e aumentar a  exposição a segmentos de maiores margens como as pequenas e médias empresas.

O próprio movimento de inclusão financeira que foi acelerado com a pandemia, crescendo em aproximadamente 20% os novos bancarizados e que já chegaram digitalizados ao sistema (o maior crescimento dos últimos 20 anos) tende a trazer diversas oportunidades. O contínuo fortalecimento dos canais digitais traz uma nova dinâmica de relacionamento, abrindo espaço para os bancos repensarem sua abordagem, revisitando seus modelos de atendimento e de trabalho.

E sobretudo, a tecnologia torna-se cada vez mais a peça-chave dentro dos serviços financeiros, seja para um banco tradicional ou um novo entrante digital. Os efeitos da centralidade no cliente dependerão da tecnologia na centralidade dos negócios bancários.

A necessidade de uma rápida e profunda transformação

Diante deste cenário, o futuro do sistema bancário contém desafios e incertezas, mas pode ser superado com um esforço de transformação ambicioso. Isso é válido não somente para os bancos tradicionais que estão sob ameaça, mas também para os bancos médios que buscam se diferenciar no mercado, as cooperativas de crédito que crescem aceleradamente e os próprios players digitais que ainda buscam formas de se rentabilizar na maturidade.

Diversos caminhos e alternativas existem nesse sentido, mas que combinados podem trazer um impacto muito mais profundo, entre eles:

—          Foco em crescimento: seja ele inorgânico ou orgânico, como, por exemplo, aumentar a produtividade da força de vendas ou a maior conversão de seus canais digitais, assim como entrar em novos mercados, explorar novos produtos ou estruturar um novo modelo de negócio inovador.

—          Fortalecimento da experiência do cliente: desenvolver, aperfeiçoar e inovar os modelos de atendimento, produtos e serviços criando um ecossistema amplo e integrado que ofereça experiências únicas e mais personalizadas, engajando e retendo cada vez mais clientes.

—          Gestão de risco: as incertezas na qualidade das carteiras como reflexo da pandemia, combinadas com a expectativa de maior força do motor de crédito ou até mesmo uma ainda pouca experiência em concessão, podem exigir maior robustez nos modelos de risco e otimização das iniciativas de cobrança.

—          Maior eficiência: busca pela simplificação do negócio com rígido controle de custos, reavaliação da estrutura e capilaridade, além do desenvolvimento de um modelo ágil e mais aperfeiçoado para operar.

Observamos que programas de transformação bem executados podem resultar em impactos significativos para as instituições financeiras. Por exemplo, uma instituição conseguiu elevar sua base de receitas entre 10 e 15%, além de aumentar as vendas digitais em mais de 40% em um período de até três anos. Por fim, este programa de transformação também melhorou seu índice de eficiência entre 15 e 20%. Uma das lições aprendidas nesses programas de transformação é definir, sim, uma aspiração bastante ousada.

Por fim, inevitavelmente as instituições, sendo elas digitais ou tradicionais, precisam embarcar em profundas jornadas transformacionais e holísticas que as ajudem a responder aos crescentes desafios e oportunidades, alavancando suas fortalezas e diferenciais competitivos.

Alexandre Sawaya é um sócio sênior e líder da prática de serviços financeiros na América Latina

Elias Goraieb é um sócio sênior da prática de serviços financeiros e líder da prática de Risco na América Latina

Christopher Craddock é um expert da prática de serviços financeiros na América Latina.

Os autores gostariam de agradecer a Pedro Barreto e Francisco Ramos por suas contribuições a este artigo.

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