Tentando levantar capital, o Banco BMG está mostrando ao mercado que sua mais nova invenção — o cartão de crédito consignado — está começando a dar seus primeiros frutos, mas parte dos investidores nutrem dúvidas sobre o risco regulatório.
O roadshow do banco começou ontem e, no final do dia, a oferta já havia recebido ordens de R$ 400 milhões. O banco quer levantar cerca de R$ 1,8 bilhão no IPO.
A faixa de preço pretendida daria ao BMG um valor de mercado entre R$ 7 bilhões e R$ 9 bilhões ‘post money’, isto é, incluindo os recursos que entrarão no caixa com a oferta. Caro ou barato? Há dois jeitos de ver a coisa.
Assumindo um patrimônio líquido de R$ 4,7 bilhões no final de 2019, no piso da faixa o BMG sairia a 1,5x book value, um múltiplo que beira uma barganha; mas considerando-se o PL do final de 2018, e excluindo-se da conta os créditos fiscais e os recursos que entrarão com a oferta, o múltiplo sobe para 4x, um prêmio robusto em relação a todos os grandes bancos.
Depois de três anos de resultados inexpressivos, o BMG deve fazer um lucro líquido de quase R$ 300 milhões este ano — e quase R$ 800 milhões em 2019, ajudado pelo crescimento das carteiras de crédito, a melhora do custo de funding e o investimento dos recursos do IPO. Segundo investidores que estão estudando a oferta, o custo de funding deve cair de 150% do CDI este ano para 120% ano que vem.
Depois de muito vai-e-vem em seu foco estratégico, o BMG hoje opera três linhas de negócio. As mais rentáveis são o cartão de crédito consignado e o empréstimo pessoal. (Há ainda uma carteira antiga de empréstimos consignados — abandonada para privilegiar os produtos mais rentáveis — e uma carteira de crédito corporativo que sofreu com a recessão, continua decaindo e representa 10% dos ativos.)
Mas a estrela é o cartão consignado, uma inovação que nasceu dentro de casa.
Cerca de R$ 7 bilhões da carteira de crédito de R$ 9 bi do BMG provem da carteira de cartões consignados, uma linha rotativa com um ‘duration’ médio de 2,5 anos. [Dicionário: o ‘duration’ é o prazo que o banco leva para reaver o capital emprestado.]
No cartão consignado — que a regulação atual permite comprometer no máximo 5% do salário do cliente — o pagamento mínimo mensal da fatura já vem descontado do salário ou da aposentadoria do cliente. O pagamento mínimo é calculado de forma a cobrir os juros e amortizar uma fatia do principal, de forma que toda a dívida é amortizada em 72 meses — o cliente pagando além do mínimo ou não. A ‘tecnologia’ permite que varejistas como o Ricardo Eletro anunciem o crédito com o chamariz “compre em 72 pagamentos”.
Mas como quase toda a rentabilidade do banco depende de um só produto, alguns investidores temem que uma mudança regulatória — por exemplo, se o BC aumentar o limite do consignado de 30% para 35% do salário — possa esvaziar o negócio de uma dia para o outro. (O juro no cartão é tipicamente maior que o juro no empréstimo consignado.)
“Os grandes bancos não fazem este produto, e o BMG está protegido por travas que não existem, por exemplo, no empréstimo consignado,” diz um gestor cético quanto à oferta.
Outro gestor, mais construtivo, acha que o risco regulatório existe mas é mitigável. “Ainda que o BC esteja de fato trabalhando para baratear o crédito, o custo do cartão consignado é substancialmente inferior ao rotativo dos cartões dos bancos, e acabar com essa alternativa deve ser a prioridade de número 5.000 do BC,” diz. “Não tem por que priorizar isso.”
Em vez de uma rede de agências, O BMG distribui seus produtos por meio de 400 lojas Help — a vasta maioria, franquias — e mais de 2 mil correspondentes bancários em todo o País. Hoje, três quartos do funding do banco vem de CBDs vendidos por mais de 50 bancos e corretoras, além da plataforma própria do banco. O outro quarto vem de dívida no mercado internacional (bonds com vencimento em 2019 e 2020) e uma securitização de ativos.
Os investidores também divergem sobre o potencial de crescimento do cartão consignado. Para os mais bullish, o fato do banco estar indicando a abertura de um número significativo de novas lojas significa que o produto está só começando; para outros, o BMG vai acabar usando os recursos da oferta para crescer em outros produtos como empréstimo pessoal, o que aumentaria os retornos (e o risco) do banco.
O retorno sobre o patrimônio do banco ainda está na casa de 13-14% — significativamente abaixo do nível dos grandes bancos — graças a um legado de ativos e passivos que inclui créditos tributários gerados por aquisições de bancos com prejuízo.
O BMG tem hoje um patrimonio liquido de R$ 2,7 bilhões, mas, ao excluir da base os créditos tributários, o Banco Central só permite ao banco se alavancar em cima de R$ 1,3 bi.
Os recursos a serem captados no IPO permitirão ao banco contornar essa limitação e crescer mais rápido. (Se o crescimento projetado se materializar, o crédito tributário também deve ser consumido em até três anos, segundo investidores que olharam os números.)
Fundado por Antônio Mourão Guimarães em 1930 — como um hedge aos investimentos da família na indústria têxtil, imóveis, agroindústria e serviços — ao longo de seus 88 anos o BMG mudou de foco diversas vezes.
Em 2012, com a liquidez apertada, o BMG fez uma joint venture com o Itaú, que comprou toda a carteira de consignado do banco e bancou 100% do funding da JV. (Os 40% do BMG foram vendidos há dois anos.)
Agora, o BMG trabalha para ser um banco completo de varejo, usando mais tecnologia para captar clientes e reduzir ainda mais seu custo de aquisição. Recentemente, lançou o “Meu BMG”, um app por meio do qual o cliente pode comprar toda a linha de produtos.
Os coordenadores da oferta são JP Morgan, Itaú, Brasil Plural, XP Investimentos, Citi e Banco do Brasil. O ‘pricing’ está marcado para 17 de dezembro — apagando as luzes do que, se espera, tenha sido o último de tantos anos de vacas magras no mercado de capitais brasileiro.