BOSTON — O CEO do JP Morgan Chase repetiu essa semana sua velha opinião sobre a moeda mais quente do planeta.
Para Jamie Dimon, o bitcoin é ‘uma fraude’.
“É pior que a mania das tulipas. Isso não vai acabar bem. Alguém vai perder muito dinheiro,” disse ele, numa tradução livre.
Dimon fez os comentários durante uma conferência com investidores organizada pelo Barclays.
“Uma moeda tem que ter suporte legal. [O bitcoin] vai explodir.”
Mais: Dimon disse que demitiria qualquer operador de mercado que negociasse bitcoins “por ser estúpido.”
Apesar dos comentários terem atraído atenção, Dimon é veterano em sua crítica à moeda digital. Em janeiro do ano passado, ele já dizia que “o bitcoin não vai a lugar nenhum” por não ser uma moeda com lastro num Estado.
“Não há nada apoiando [o bitcoin] e, se isso se tornar grande, os governos botariam um freio.”
Em novembro de 2015, ele foi ainda mais incisivo.
“Quando o Departamento de Justiça te ligar e disser, ‘Esta é uma moeda ilegal. É contra as leis dos Estados Unidos da América. Se você fizer isso de novo, vamos te colocar na cadeia,’ acabou! Essa é minha opinião pessoal: não haverá uma moeda de verdade que não seja controlada por algum governo no mundo. É bonitinho agora… os senadores e deputados podem ir pra TV e dizer, ‘Eu apoio a inovação e o Vale do Silício.’”
Dimon sempre faz a distinção entre o bitcoin e o blockchain, a tecnologia sobre a qual o bitcoin foi criado. “Blockchain é uma tecnologia e é algo real. Se ela se provar barata e segura, vai ser adotada para um monte de coisas.”
Os defensores do bitcoin rebatem as colocações de Dimon invocando princípios da economia clássica: para eles, qualquer ativo fungível que seja aceito como forma de pagamento e como reserva de valor por um grupo de pessoas é uma moeda, não importando se for um metal (ouro), um pedaço de papel impresso pelo governo ou uma moeda virtual.
Em qualquer dessas circunstâncias, é a confiança depositada no ativo, e não a aprovação do tirano, que define seu status de moeda.
A despeito disso, as últimas semanas trouxeram indícios de que o argumento de Dimon de falta de respaldo estatal tem, sim, grande impacto no mercado de bitcoin. Afinal, em grande medida, o que tem governado o mercado de bitcoins nos últimos meses tem sido a China, país que vive uma relação de amor e ódio com as moedas digitais.
Beijing diz que está aumentando a vigilância sobre as moedas digitais como parte do combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. Ao que os defensores do bitcoin respondem, ‘Conta outra, vai.’
Para eles, o bitcoin incomoda Beijing porque pode ser usado por investidores para — burlando os estritos controles de capital do país — servir de hedge contra a desvalorização do renmimbi (tese levantada pelo Financial Times), ou mesmo contra a queda da bolsa de Shanghai.
Desde 2014, a China tornou-se o mercado mais quente no setor de moedas digitais. No ano passado, as transações de bitcoin denominadas em renminbi chegaram a ser 98% de todo o volume global negociado, até que, no início deste ano, o governo lançou uma investigação sobre as bolsas de moedas digitais no país, o que derrubou aquele número para menos de 10%.
Na última quinta-feira, o bitcoin despencou após uma das maiores bolsas da China anunciar que fechará suas portas em virtude das investigações; com isso, a moeda já caiu quase 33% desde sua máxima histórica no início do mês.
Voltando a Jamie Dimon, para além da validade de seu argumento ‘legal’, há outro ângulo de ordem prática que deveria estar tirando o sono do CEO do JP Morgan e seus pares.
O fato é que, sob um ponto de vista técnico, moedas digitais são escolhas estruturalmente melhores que papel-moeda como reserva de valor e meio de pagamento.
Se fosse possível começar tudo de novo no sistema financeiro, o sistema provavelmente seria construído em cima de algoritmos em vez de papel e tinta, por razões de segurança e praticidade que já explicamos aqui.
Hoje, aliás, é plenamente possível que governos criem suas próprias moedas digitais e as controlem — no lugar de usar papel-moeda. Na lista de países que proíbem indivíduos de transacionar usando bitcoin estão Bolívia, Quirguistão, Macedônia e Bangladesh. O Equador também proibiu… porque deseja criar sua própria moeda digital.
A mesma China que persegue hoje as bolsas de moedas digitais também está montando um time para desenvolver a sua própria moeda digital controlada pelo estado, e várias grandes economias — Reino Unido, Canadá, Austrália e Rússia entre elas — tem estudado meios de tornar isso realidade.
Esse é o argumento fundamental que parece escapar a Dimon. O bitcoin pode implodir ou explodir, deixando muita gente rica e ainda mais gente chorando, mas as moedas digitais vieram para ficar — sejam elas independentes ou respaldadas pelo Estado. E isso deve afetar negativamente o setor financeiro tradicional ao reduzir custos de transação.
Por fim, apesar de prever que um dia o DOJ colocará fim à festa, as colocações de Dimon têm ido na contramão do que aconteceu até agora: diversos órgãos da burocracia estatal americana já tratam as moedas digitais como atividades legais — e tributáveis.
Em 2013, a unidade de combate a crimes financeiros do Departamento do Tesouro americano disse que as moedas digitais não vão contra suas regras; no ano seguinte, o temido IRS (a Receita Federal americana) publicou um guia sobre como usuários de bitcoin devem pagar os impostos sobre transações com a moeda.
Em 2015, o estado de Nova Iorque — de onde vem grande parte das regulações financeiras do país — criou a BitLicense, primeira licença para negociação de bitcoins e moedas digitais. Já no Japão, o bitcoin é aceito como uma forma legal de pagamentos desde junho, quando uma nova regulação entrou em vigor definindo moedas digitais como uma transação pré-paga.