Para o especialista em criptomoedas da XP Investimentos, Fernando Ulrich, a queda no preço do bitcoin já era esperada após a valorização de 1.400% da moeda ano passado, mas trata-se de uma correção e não do estouro de uma bolha.

Nos últimos 30 dias, a criptomoeda já perdeu 50% desde o pico em 16 de dezembro, quando era negociado a US$ 19.890.  Hoje, sai a US$ 9.900.

Apesar disso, ele alerta que a esticada no fim do ano teve um componente de euforia – e que os investidores devem ficar atentos aos fundamentos de longo prazo e não aos barulhos do curto prazo.

Na avaliação de Ulrich, o bitcoin não deve substituir as moedas tradicionais como instrumento de troca, mas pode ter usos específicos valiosos, como remessas internacionais. “Quando se trata de criptomoedas a pergunta é: que inovação ela traz e que tipo de economia, setor, indústria ou uso ela pode mudar?”, resume.

Formado em administração e mestre em economia, Ulrich começou a estudar bitcoins em 2013 meio de brincadeira, para um blog que mantinha com alguns colegas, enquanto trabalhava com fusões e aquisições.

Foi tomando gosto pelo assunto, começou a estudá-lo a fundo e, em 2014, lançou um ebook chamado “Bitcoin: a moeda na era digital”, que virou referência num mercado que ainda nem sabia direito como pronunciar o nome da moeda. Desde então, dedicou-se ao assunto: tem um blog na Infomoney, um canal no YouTube e há três meses foi contratado pela XP – onde, além de reuniões com clientes interessados no tema, ajuda a própria XP a entender se vale a pena atuar como corretora de criptomoedas.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Estamos numa mera correção ou a bolha estourou?

Acho que é uma correção natural, que era esperada. Toda análise que venho fazendo desde o ano passado e, especialmente após o salto no último trimestre, levava a crer que uma correção iria ocorrer, porque foi uma alta muito expressiva. Você não vê notícias de ativos que crescem 15 vezes num ano e se estabelecem nesse patamar. No próprio histórico do bitcoin houve outros anos assim. Em 2013 houve uma alta maior do que em 2017 – está certo que era outro patamar e outro tamanho de mercado, mas foi muito forte. Em seguida, 2014 foi um ano de correção.
Acho que é a mesma lógica agora. Não vejo como uma bolha que estoura. Por mais que haja a correção, não prevejo que o mercado vai desaparecer ou que criptomoedas sejam algo irrelevante. É um processo natural: depois de uma euforia, e de um ‘overshooting’ deste tamanho, vem uma correção.

Mas dá para dizer que 2018 vai ser um ano de queda ou até onde vai esse declínio?

É muito difícil dizer. O mercado está aprendendo a precificar e conhecer melhor a tecnologia, difícil dizer até onde vai.

Em ativos tradicionais, opera-se com base no fluxo ou no fundamento (e todas as variações possíveis destes dois elementos). O bitcoin parece ser guiado apenas por fluxo. Qual o fundamento? O que o investidor deve observar para comprar ou vender a moeda que não seja só o fato dela estar subindo ou caindo?

Esse sentimento [de que só o fluxo importa] é o que aconteceu no finalzinho de 2017, um recorde absoluto, com o bitcoin chegando a quase US$ 20 mil dólares. Isso aconteceu. O investimento em criptomoedas tem que ser encarado como algo de risco e de longo prazo, é o que sempre digo. Não se pode aplicar um capital que você pode precisar e nem mirando o curto prazo. Vai haver volatilidade. Ponto. Surgem incertezas no curto prazo:  dessa vez, por exemplo, são regulatórias. Houve notícias ambíguas na Coreia – que disse que ia proibir as negociações de bitcoins e depois disse que não era bem assim – e o mercado no recorde. Vai precificar isso na correção que estamos vendo agora. Os fundamentos são entender como a tecnologia funciona, qual a utilidade, que papel pode desempenhar no sistema financeiro como um todo. E olhar esse potencial de disrupção no longo prazo.

É possível dizer com algum grau de certeza quanto vale um bitcoin?

O valuation das criptomoedas é uma ciência que ainda está nascendo. Não há consenso sobre como avaliar o valor justo de uma criptomoeda, estamos aprendendo a fazer isso. Há alguns analistas que usam o critério de qual a economia que o Ethereum, por exemplo, pode impactar: uma indústria, um uso específico que possa causar disrupção. Qual o valor de mercado dessa economia? Em remessas internacionais, por exemplo: qual o valor, qual a movimentação desse setor. Se o Ethereum ou outras plataformas tiverem uma fatia relevante desse mercado, essa é uma forma de tentar precificar. Mas é uma ciência ainda em formação.

A queda mais recente veio depois que países relevantes, como Coreia do Sul e China, sinalizaram que podem regulamentar ou até impedir a negociação. A regulamentação pode matar o bitcoin, ou as criptomoedas podem sobreviver a ela?

O que os governos vão fazer, e alguns já fizeram, é regular o uso das moedas. Regular a tecnologia não é possível, não existe isso porque ela parte do princípio de ser descentralizada. Por exemplo, se for uso para transferências internacionais como forma de câmbio, pode-se estabelecer essa legislação, ela vale e cada agente deve atender a legislação vigente.

Mas e as regulamentações em torno da negociação de bitcoins?

Alguns países já regularam o uso para compra e venda por mercado local, que são as exchanges. Em alguns países elas já são bem reguladas, como é o caso de Suíça, Japão, Austrália. Nos Estados Unidos, o Estado de Nova York implementou uma regulação restritiva, que teve efeito contrário, e afugentou empresas lá. No próprio Brasil, isso é uma questão de tempo.

Em dezembro, foi lançado o contrato futuro de bitcoin nos Estados Unidos – e esperava-se que isso pudesse fomentar ainda mais esse mercado. Mas ocorreu exatamente o contrário e o bitcoin só caiu desde que eles começaram a ser negociados. Que papel os contratos futuros tiveram nessa queda?

Eu acho que ainda é cedo para avaliar a influência que os contratos tiveram, tem um mês só desde que eles foram lançados Não diria que teve alguma influência ou ajudou a impulsionar essa última queda. No longo prazo, que é mais importante, um dos fundamentos que eu olho é como o mercado regulado, o mercado financeiro tradicional está tratando as criptomoedas. E nesse sentido foi um marco importante, por fazer que investidores qualificados e institucionais possam ter alguma exposição.
E até para que a SEC possa aprovar ETFs [fundos negociados em bolsa] de bitcoin, tendo contrato futuro é mais fácil caminhar para isso.

A SEC vem impedindo o lançamento e a negociação de ETFs de bitcoins, não?

O regulador, via de regra, tem uma postura mais reativa, mais conservadora, procurando entender o que está acontecendo, quais os impactos da inovação, quais os pontos de risco. A SEC ainda está avaliando e não está completamente segura para dar aval a um instrumento popular e de varejo, como é o ETF.
A CVM está adotando postura semelhante, como pudemos ver nessa circular divulgada na semana passada, que proibiu os fundos de carregar bitcoins. Na prática o que eles disseram é que ainda estão estudando. O que estava nessa circular já estava numa instrução normativa de fundos de 2014. Mas como havia muita dúvida, ela decidiu deixar claro.

Os céticos dizem que não há expectativa de que o bitcoin seja aceito de fato como moeda, para trocas comerciais em larga escala. Os otimistas, por outro lado, dizem que é questão de tempo até que grandes players como a Amazon passem a aceitá-la. Qual a perspectiva de uso do bitcoin como moeda? 
 
Eu acredito que esse seja o uso que vai se intensificar ao longo do tempo. Mas essa não é a única utilidade da tecnologia. Quando a gente pensa que é um sistema de pagamento que funciona na Internet, que tem um ativo por atrás, que é sua própria unidade monetária, você pode transferir para qualquer lugar do planeta, com segurança. Em nove anos, o sistema nunca foi atacado.
 
Apesar da volatilidade, é a forma mais segura, rápida e barata para fazer remessas internacionais. Dependendo da região, um uso é mais valorado do que o outro. Em países como Venezuela, a tecnologia é quase uma arma para sobrevivência. Num país estabelecido, onde não há caos monetário isso não fica tão claro, mas há muitas utilidades e o meio de troca.
 
Pouca gente sabe, mas o governo dos Estados Unidos usa o blockchain para pagar marines que estão em regiões muito remotas.  Dependendo do caso, a solução é utilizar o bitcoin.
 
Eles pagam em bitcoin ou usam apenas a tecnologia do blockchain?
 
Alguns marines são pagos em bitcoin.
 
Então você acha que essa queda é uma oportunidade de compra?

Pra quem tem a ótica de longo prazo e faz uma estratégia de preço médio, sem dúvida que essa é uma janela de compra que se abre.
 
Temos visto o surgimento de diversas criptomoedas, além do bitcoin. Você acha que há espaço para todas elas?

No longo prazo, não. A maior parte delas não tem nenhuma superioriedade tecnológica. É mais do mesmo, não tem nenhuma função nova. Em 2017, o mercado em alta ajudou na proliferação das criptomoedas porque o custo de criação é baixo e o upside é alto. Os investidores mais afeitos aos risco viram uma oportunidade de ter um ganho fácil.
Mas, no longo prazo, aquela que trouxer algo mais inovador vai sobreviver. É por isso que eu gosto do Ethereum, tem uma proposta diferente, busca inovar em contratos inteligentes e há empresas inovando com isso. Para quem está olhando apenas como investimento, tem que se perguntar: “Essa criptomoeda tem alguma coisa inovadora, alguma funcionalidade que as outras não tem para se diferenciar?”.

Qual o diferencial do Ethereum?

A plataforma começou em 2014 e é quase uma linguagem de programação para aplicações descentralizadas, então é mais amigável para criação de aplicações que o bitcoin. O bitcoin tem um objetivo claro e é bom no que faz, mas não tem tantas formas de criar novas aplicações. Por isso surgiu o Ethereum. Tem um joguinho, de gatos criptografados, uma espécie de tamagochi em blockchain, construído a partir da plataforma. Muito mais relevante: a Telefonica Deutschland emitiu uma nota promissória no blockchain do Ethereum. Não é um uso monetário, mas é um uso financeiro, criado em blockchain.