Em 1936, Roberto Marinho comprou um terreno no Cosme Velho – nas encostas do Corcovado – e construiu uma casa para criar a família e ver seus filhos crescerem.
Mas o imóvel – inspirado no antigo Solar do Megaípe, uma construção neocolonial nos arredores de Recife no século XVII – foi muito mais do que isso: era ali que Roberto Marinho recebia presidentes e dignitários estrangeiros, entrevistava futuros ministros e organizava eventos da Rede Globo.
“Quando o Rio era capital, a cidade recebia autoridades de outros países, e os jantares eram quase sempre aqui,” disse o arquiteto e antropólogo Lauro Cavalcanti. “Era uma casa muito ativa.”
Depois da morte de Roberto Marinho em 2003, sua mulher continuou morando ali por mais alguns anos. Mas em 2014, com a casa já vazia, os filhos decidiram abrir ao público as portas do local onde cresceram.
João Roberto, José Roberto e Roberto Irineu transformaram a casa num espaço cultural e num lugar para abrigar o acervo que seu pai construiu ao longo de décadas.
No jardim, com paisagismo de Burle Marx, há instalações de Carlos Vergara, Ascânio MMM, e bronzes de Maria Martins.
Dentro, a coleção pessoal de Roberto Marinho, composta por mais de 1.000 obras e com predominância do modernismo brasileiro e do abstracionismo não geométrico, incluindo Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Cândido Portinari e José Pancetti.
Roberto comprava principalmente artistas da geração dele, e que na época eram emergentes – uma geração que, cada um ao seu modo, queria construir um Brasil moderno.
“Houve uma compreensão muito boa do carioca e do Poder Público de que a Casa é um benefício, um presente para a cidade do Rio, que tem sofrido tanto com momentos não tão gloriosos,” disse Lauro Cavalcanti, que foi convidado pelos filhos de Roberto a dirigir o espaço depois de comandar o Paço Imperial por 20 anos.
Ao conceberem a Casa como espaço cultural, os herdeiros de Roberto pretenderam criar um lugar de excelência com boas exposições a preços acessíveis (muitas até são gratuitas).
“Queríamos criar também um lugar de permanência, que as pessoas quisessem frequentar, para passear ou tomar um café,” disse Lauro. “Não adianta nada ter uma programação ótima e ser um espaço hostil.”
Tem dado certo.
Desde a inauguração, a Casa Roberto Marinho recebe cerca de 200 pessoas por dia e já fez mais de 30 exposições, sempre criando um diálogo entre obras convidadas e as obras do acervo.
“Esta casa é um elogio à memória,” disse o coleccionador Ronaldo Cezar Coelho, que já emprestou uma Djanira, um Calder e um Pancetti para exposições na casa. “Os sucessores tiveram a grandeza e a visão de investir na preservação deste legado, e isso é um exemplo para outras coleções privadas, senão a coleção vira um exercício egoísta de acumulação.”
Até 24 de março, a casa está expondo Conversas entre Coleções, em que seis coleções privadas – incluindo as das famílias Fainziliber e Luis Antonio de Almeida Braga – dialogam com o acervo da casa.
“É uma reafirmação de como a cultura de um País não pode depender única e exclusivamente do Estado. As coleções privadas precisam ser expostas,” disse Cavalcanti.
Dentre as 1.000 obras da Casa, no entanto, há uma que Roberto Marinho disse ser sua favorita: um Pancetti que retrata um boneco estirado no chão (foto acima).
Ao lado do quadro, no segundo andar da casa, há uma explicação do empresário do porquê aquela obra mexia tanto com ele:
“Minha secreta paixão por este quadro talvez se explique pelo fato de eu vê-lo como um símbolo do momento solitário em que o menino desenha, com as cores da pureza, o futuro do homem que ele será, um dia.”
Com seu jornal e rádio já consolidados, Roberto Marinho só criou a TV Globo aos 61 anos. O menino já se tornara homem, e ainda construiria muito futuro.