Eles são mais da metade da população e movimentam quase R$ 2 trilhões por ano na economia brasileira – mas ainda se sentem invisíveis aos olhos das empresas.
Uma pesquisa dos institutos DataRaça e Akatu mostra que quase 35% dos consumidores negros sofreram discriminação ao tentar comprar ou acessar serviços ao longo deste ano. Em 72% dos casos, esses episódios foram sutis ou camuflados – mesmo porque o racismo quando descarado acaba na delegacia.
“Quando o negro passa a consumir em lojas para a alta renda, ele se depara frenquentemente com a situação de pedir um produto e o atendente já oferecer uma opção mais barata, sem ele sequer ter perguntado o preço. Isso é ofensivo,” Maurício Pestana, o presidente do Instituto Data Raça, disse ao Brazil Journal. A pesquisa está sendo apresentada no Fórum Brasil Diverso 2025, que acontece hoje em São Paulo.

É justamente no varejo que as situações de racismo são mais frequentes. Lojas de vestuário e calçado, shopping centers e supermercados lideram os locais em que o consumidor negro sofre mais constrangimentos, como ser permanentemente vigiado.
“Muitas empresas e marcas não conseguem ainda conversar com a maioria da população, que se sente oprimida e discriminada na hora de gastar seu dinheiro,” diz Pestana, que já viveu pessoalmente várias dessas situações. “Já aconteceu de eu entrar num restaurante e outro cliente me dar a chave do seu carro, presumindo que eu era o manobrista.”
Os dados da pesquisa mostram um Brasil em desconexão com a mobilidade social conquistada pelos negros através da educação.
Em 1999, as pessoas que se autodeclaram pretas ou pardas eram apenas 15% dos estudantes universitários.
Passadas mais de duas décadas, esse percentual saltou para cerca de 40%, em razão de políticas afirmativas nas universidades públicas e programas de incentivos como o Prouni, que reserva 30% das bolsas para pretos, pardos e indígenas. Nas universidades federais, mais de 50% dos estudantes são beneficiários dos programas de cotas raciais.
Em termos gerais da população, essa ascensão ainda não se traduziu em ganho de renda. Dados do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais, o Cedra, mostram que a renda do trabalho das pessoas negras correspondeu, em média, a 58,3% da renda de pessoas brancas no período de 2012 a 2023 – um dado que variou muito pouco no período.
Algumas empresas, porém, estão mais atentas a essa população ávida por consumir.
No ano passado, a L’Oréal fez uma pesquisa sobre racismo no varejo de beleza de luxo, que revelou 91% dos consumidores negros de classe A/B já sofreram algum tipo de situação racista em estabelecimento de alto padrão.
Na pesquisa da L’Oréal, 52% dos consumidores negros desistem de comprar, 54% não voltam à loja e 29% optam por fazer a compra online. Os dados levaram a companhia francesa a criar um programa chamado Afroluxo, que incluiu ações como a criação do primeiro protocolo de atendimento de luxo antirracista do mercado.
“O Afroluxo foi criado para transformar o mercado de luxo no Brasil, onde consumidores negros — que representam 37% da classe AB — ainda são marginalizados pelo racismo,” Bianca Ferreira, a head de comunicação, sustentabilidade e diversidade da L’Oréal Luxo, disse ao Brazil Journal. “Uma das iniciativas foi a criação do ‘Código de Defesa e Inclusão do Consumidor Negro’, que nasce da necessidade de ampliar o debate sobre os direitos do consumidor negro nos pontos de venda e estabelecimentos comerciais do País.”
Mais de um terço dos consumidores negros recompensa marcas que respeitam a população negra, segundo a pesquisa dos institutos DataRaça e Akatu. Empresas dos setores de higiene e beleza, moda e e-commerce são as mais bem avaliadas pelos consumidores na pesquisa – ainda que o segmento da moda também seja líder também em experiências negativas.
Na percepção do consumidor negro, ações concretas e representatividade na comunicação são os principais motores de avaliação positiva, como a presença de pretos e pardos na publicidade da empresa e se a representação deles foge do esteriótipo.
Outro dado curioso da pesquisa é que, na visão do consumidor negro, as empresas são mais confiáveis que o governo nas ações raciais: 85,3% da população negra confia nas marcas quando o tema é inclusão racial, contra 68,7% de confiança no governo.
Também segundo a pesquisa, violência e criminalidade estão no topo das preocupações da população negra – questões que envolvem majoritariamente o Estado.
“O consumidor negro sabe diferenciar os papéis de empresas e governo na promoção da equidade racial. Reconhece que as marcas têm responsabilidade em temas de consumo e inclusão, mas não delega a elas a missão de corrigir desigualdades estruturais, uma atribuição que permanece na esfera pública,” disse Pestana.











