Será que os seus olhos valem 10 vezes mais que seus ouvidos?

Essa é a pergunta que o CEO do Spotify, Daniel Ek, diz fazer todos os dias quando compara a indústria de vídeo – um mercado de US$ 1 trilhão – com a de áudio (música e rádio), que movimenta algo como US$ 100 bilhões.

Em uma aposta na valorização dos ‘ouvidos’, Ek reservou pelo menos US$ 500 milhões para adquirir produtores de podcasts só este ano, transformando o Spotify numa espécie de Netflix do áudio.

As primeiras grandes aquisições foram feitas no mês passado: a Anchor, uma ferramenta para a criação de podcasts, e a Gimlet, uma das maiores produtoras de podcasts de ficção e não ficção e que já teve um de seus programas, ‘Homecoming’, adaptado para uma série da Amazon, com Julia Roberts no papel principal. Pelas duas, o Spotify pagou US$ 340 milhões.

O Spotify já é a segunda plataforma de distribuição de podcasts do mundo, atrás do iTunes. A empresa estima que, no futuro, os podcasts serão 20% de tudo o que as pessoas ouvirão na plataforma.

O termo podcast foi usado pela primeira vez há 15 anos em uma reportagem do Guardian sobre a então nova onda de programas de rádio on demand, que poderiam ser escutados no iPod ou outros aparelhos de mp3. Mas foi preciso esperar uma década – e a popularização dos smartphones – para o formato efetivamente pegar.

Atualmente, um em cada quatro americanos acima de 12 anos ouve podcasts regularmente, principalmente no celular. Há uma década, os ouvintes não passavam de 10% dos americanos.

O primeiro grande hit – e que deu grande visibilidade ao formato – surgiu em 2014: ‘Serial’, uma investigação jornalística de um homicídio, narrada em 12 episódios, foi baixado mais de 175 milhões de vezes.

Mais recentemente, o formato foi descoberto pelos grandes veículos de comunicação – que vêm nos programas de áudio uma fonte de receita publicitária com baixo custo de produção. Todos os grandes jornais mundiais estão investindo em podcasts, sobre os mais variados temas.

Mas nem só de notícias e política vive o formato. Celebridades como Snoop Dogg, Macaulay Culkin e Gwyneth Paltrow estão entre as vozes que já aderiram à nova forma de comunicação.

Dentre as marcas, a Land Rover também encontrou sua voz: o branded podcast ‘Discovery Adventures’ é uma super produção ficcional, com sons gravados em locações reais no Reino Unido, e vem colecionando prêmios pela qualidade do conteúdo.

Aqui no Brasil, o formato ganhou mais visibilidade no ano passado, com o sucesso do ‘Presidente da Semana’, criado pela Folha e veiculado durante as últimas eleições. (O programa foi abertamente inspirado numa série do The Washington Post que foi ao ar na eleição americana de 2016.) Os áudios de ‘Presidente’ somam mais de 2,1 milhões de downloads – e a série, apesar de já ter acabado, tem uma audiência média de 6 mil ouvintes por dia.

Depois veio o ‘Café da Manhã’, um podcast diário da Folha que surgiu do interesse do Spotify em buscar conteúdos exclusivos. O programa está entre as maiores audiências do Spotify no Brasil; a plataforma detém os direitos de comercialização (embora o programa ainda não veicule publicidade).

Agora, o jornal prepara novos podcasts para lançar ao longo do ano.

Um dos raros casos de sucesso de podcast independente no Brasil é o Nerdcast, fundado em 2006 e voltado para a cultura geek. É o podcast de maior audiência do país – mais de 1 milhão de downloads por episódio – e um dos poucos a sobreviver de publicidade.

‘Mamilos – Jornalismo de Peito Aberto’, um podcast com um olhar feminino sobre temas controversos, tem 130 mil ouvintes por semana e também vive de publicidade e crowdfunding. Embora o conteúdo seja aberto, 2 mil ouvintes pagam uma assinatura de R$ 9 como uma forma de apoio.

Mas estas são exceções: o número de podcasts com programação regular e mais de 5 mil downloads por episódio não passa de 80 no País, segundo levantamento da Associação Brasileira de Podcasters em parceria com a rádio CBN.

“O mercado ainda é pequeno e 5 mil é considerado uma audiência de sucesso”, diz Leo Lopes, radialista e criador da RadioFobia, uma produtora que nasceu fazendo podcasts autorais, e hoje presta serviços para terceiros.

Dentre seus clientes estão Banco do Brasil, SAP, Bradesco e Itaú Cultural. Alguns usam o podcast como forma de treinamento e comunicação interna.

Mesmo nos EUA, o faturamento dos podcasts com publicidade ainda equivale a poucos decibéis, mas é crescente: em 2017, a alta foi de quase 90%, chegando a US$ 314 milhões. Até 2020, o número deve chegar a US$ 659 milhões, segundo estimativas da PWC e do Interactive Advertising Bureau (IAB).

Para efeito de comparação, nos EUA as televisões faturam com publicidade US$ 69 bilhões/ano e o rádio, US$ 18 bilhões.

Mas o interesse de plataformas como o Spotify e de grandes veículos de mídia deve profissionalizar e impulsionar o mercado – valorizando os nossos ouvidos.