CHICAGO – Um superapp vai agregar todas as informações financeiras, dispensando o uso dos aplicativos dos bancos.
Além disso, os clientes poderão ganhar dinheiro vendendo suas informações e usarão a inteligência artificial para administrar suas finanças. Com os contratos inteligentes da moeda tokenizada, os cartórios serão dispensáveis.
Este é o cenário do novo sistema financeiro nacional que está sendo construído pelo Banco Central, disse Roberto Campos Neto na abertura da conferência MBA Brasil, na noite de sexta-feira. “Com inovação e ampla difusão, vamos ter mais competição,” afirmou.
A disrupção das fintechs fez os bancos tradicionais se mexerem e ampliarem a oferta de serviços e opções de investimentos.
Mas para tirar proveito da concorrência entre as instituições financeiras, os clientes ainda precisam abrir contas em diversos bancos e entupir os celulares com diversos aplicativos. Além disso, ainda não é fácil comparar as opções.
Mas este cenário pode estar com os dias contatos, RCN disse à plateia de estudantes brasileiros de MBA nos EUA.
“Daqui a um ano e meio, dois anos, você não vai ter mais um app do Itaú, do Bradesco ou do Santander,” disse o presidente do BC, numa frase interpretada erroneamente em seu sentido literal. “Você vai ter um app que a gente chama de agregador, e esse app, através do open finance, vai integrar todas as suas contas.”
RCN disse que o BC já vem trabalhando com pelo menos duas empresas que estão desenvolvendo esse agregador.
De acordo com RCN, o novo aplicativo terá uma segurança superior à dos sistemas atuais. “Estamos trabalhando na parte de biometria, para termos algo muito mais seguro.”
“O PIX foi apenas o primeiro passo, vêm aí muitas aplicabilidades,” disse Campos Neto.
O sistema de transferência de recursos em tempo real foi o trilho inicial sobre o qual o BC está construindo a nova infraestrutura do sistema financeiro.
Como explicou RCN, a rápida adesão ao PIX, que bateu as expectativas e já chega a processar 175 milhões de operações num único dia, permitiu acelerar as próximas etapas da estratégia desenhada pela instituição.
“Para esse trilho ser realmente inovador, ele precisa gerar competição e inclusão,” disse o presidente do BC.
É aí que entra o segundo bloco desta nova infraestrutura financeira, o open finance.
Os bancos tradicionais torcem o nariz, mas, no modelo imaginado pelo BC, o compartilhamento das informações é primordial para que haja comparabilidade das opções de serviços e aplicações das diversas instituições financeiras, e para que se ofereça a portabilidade.
Parte do desenvolvimento desse novo sistema financeiro envolve a moeda digital desenvolvida pelo BC, o Drex – apelidado de “Pix do sistema financeiro.” Será uma moeda tokenizada, como o Bitcoin, mas com garantia da autoridade monetária brasileira.
Segundo RCN, alguns bancos centrais ao redor do mundo procuram evitar aderir a moedas digitais, mas, em sua opinião, as finanças descentralizadas são um caminho sem volta.
“Queremos trazer o mundo da defi (decentralized finance) para perto da gente,” disse RCN. “Esse sistema veio para ficar. Não acho que seja reversível este processo.”
Com o Drex será possível transferir ativos e contratos simultaneamente, com registro em blockchain, sem a intermediação de instituições financeiras – o que diminuirá o custo das transações. Os registros digitais dispensam o cartório, porque permitem a transmissão do registro de posse automaticamente após o pagamento.
“Uma vez que a moeda digital for estabelecida, por lei aquele contrato terá validade legal,” disse RCN. “Diminuirá muito esse custo de registros em contratos.”
Ainda segundo RCN, está em estudo como as pessoas poderão ganhar dinheiro com as suas próprias informações, no lugar das empresas.
Pelos apps agregadores, informações como investimentos, localização, hábitos de compra e (quem sabe) até mesmo dados de saúde colhidos em tempo real poderão ser comercializados pelos próprios usuários.
“Gostaria que as pessoas, e não as empresas, ganhassem dinheiro com esses dados. Gostaria que as pessoas pudessem monetizar essas informações e usá-las de maneira mais eficiente,” disse RCN. “Temos algumas empresas trabalhando nesse sentido.”
Para que todas essas interações sejam realizáveis de maneira mais ampla e segura, disse o presidente do BC, é preciso ter o sistema tokenizado da moeda digital – por isso a decisão de desenvolver o Drex, que deverá começar a funcionar comercialmente no próximo ano.
O sistema financeiro também começará a ser impactado pelos novos sistemas de inteligência artificial, disse RCN. A AI vai auxiliar as pessoas a encontrar os melhores investimentos disponíveis para seus objetivos, escolher as opções de financiamento mais vantajosas ou contribuir na tomada de decisão se vale a pena poupar um recurso ou quitar uma dívida.
“Temos hoje uma capacidade de organizar dados melhor, uma capacidade computacional melhor,” disse RCN. “Como o mundo financeiro vai ter dados homogeneizados, inserir a inteligência artificial nisso pode transformar a vida das pessoas.”
O MBA Brasil foi criado no ano passado com o objetivo de criar um network entre os mais de 300 estudantes brasileiros de MBA nos EUA e estreitar a relação deles com empresas e futuros possíveis empregadores.
A primeira edição da conferência aconteceu na Harvard Business School. Este ano, o evento está sendo realizado na Booth School of Business, da Universidade de Chicago.
O repórter viajou a convite do MBA Brasil.