Entre os investidores internacionais, a eleição de 2022 não gera o medo e a preocupação que outros ciclos eleitorais já provocaram.
Tampouco existe hoje a empolgação que presenciei entre eles quando da vitória de Jair Bolsonaro – certos de que o País veria muitas reformas e privatizações.
Quatro anos, uma pandemia e uma guerra depois, a sensação é de mixed feelings sobre o atual governo e muitas dúvidas sobre a volta do PT à Presidência.
Estive em Nova York e Washington na última semana, conversando com alguns dos nossos clientes da Arko Advice. Desde 1982 estamos semestralmente em Wall Street, explicando o processo político brasileiro. Foram dezenas de encontros com bancos e fundos, além de um encontro organizado pelo Bank of America com instituições interessadas no Brasil.
O atual governo gera sensações e percepções distintas – muitas vezes no mesmo interlocutor. A maioria reconhece e elogia questões estruturais que foram endereçadas, como a Reforma da Previdência e a autonomia formal do Banco Central. Há muitos elogios ao programa de concessões liderado pelo então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Julgam que não só o portfólio é bom, mas que a interação com o ministério é rápida, fluida e com bom acesso à informação.
Os investidores tomam nota também de marcos regulatórios setoriais, principalmente no saneamento. Os marcos da cabotagem e das ferrovias são bem vistos, mas ainda percebidos como embrionários. A privatização da Eletrobras é vista como uma boa surpresa.
Por aqui ninguém acha que, no caso de uma vitória do PT em outubro, teremos a revogação da Reforma Trabalhista (o Congresso não toparia), a reestatização da Eletrobras ou o fim da autonomia do Banco Central. Este é um outro campo que recebe elogios. A permanência de Roberto Campos Neto no BC até 31 de dezembro de 2024 traz alívio.
A situação fiscal gera algumas preocupações, mas há, claramente, uma sensação de que o nível do debate fiscal no Brasil melhorou. A preocupação fiscal parece ser mais uma ansiedade do futuro. A maioria afirma que o Ministro Paulo Guedes e sua equipe fizeram um bom trabalho no campo fiscal, sobretudo quanto à redução da dívida bruta. Hoje em 78%, muitos acreditavam em 2020, inclusive o próprio Tesouro, que ela chegaria a 100% em 2025.
No campo fiscal, a preocupação com Jair Bolsonaro é a velocidade com que as coisas podem mudar. A recém-aprovada PEC dos Benefícios foi citada como exemplo de proposta que não muda a trajetória fiscal, mas altera uma das certezas que tinham sobre o Brasil: a de que novos benefícios não seriam criados em ano eleitoral por conta da rígida Lei Eleitoral.
“Aparentemente, tudo no Brasil pode ser resolvido com uma PEC”, me disse um gestor. Há certo exagero na frase, mas ele não está errado.
No campo institucional, não encontrei um fundo sequer que acredite em um golpe no Brasil. Eles acreditam na nossa democracia. Dito isso, perguntas nesse sentido foram feitas, o que, por si só, é ruim. A sensação geral é de que podemos passar por um período eleitoral turbulento, com protestos e até episódios violentos.
O consenso nesse campo é de que o pior cenário desenhado por aqui seria algo parecido com o que houve nos Estados Unidos no infame 6 de janeiro de 2021, quando apoiadores de Donald Trump invadiram o Congresso.
A maior crítica ao governo Bolsonaro reside no barulho político que o governo gera, forçando gestores a se preocupar com o País, o que, consequentemente, encarece o investimento.
“O Brasil concentra um barulho político desproporcional ao que representa em tamanho e oportunidades. Compõe 5% do meu portfólio e 80% do ruído. É cansativo acompanhar o País”, afirmou um dos clientes. “A impressão é de um líder que compra brigas erradas.”
Em relação a um eventual retorno do ex-presidente Lula, as principais preocupações referem-se, direta ou indiretamente, às políticas econômica e fiscal adotadas por ele.
Há uma certeza de que tanto Lula quanto Bolsonaro vão gastar, fora do teto, pelo menos R$ 70 bilhões em 2023 para prolongar o Auxílio Brasil com o valor de R$ 600. Com Lula, a percepção é de gastos ainda mais elevados, por isso a ansiedade em ver rapidamente um desenho para se conter o endividamento.
A dúvida mais recorrente no caso de vitória de Lula é justamente com relação ao teto de gastos. Ele será mantido? Para a maioria, não. Mas a pergunta não termina aí. Caso o teto seja removido, teremos uma nova âncora fiscal? Qual seria? E como?
O andamento político dessa questão também gera dúvidas. A remoção do teto seria a prioridade número 1 de um governo Lula? Ou teríamos uma tentativa de gasto único apoiado por uma nova âncora? A maioria dos gestores não duvida da criação de uma âncora fiscal nova, mas afirma que “a confirmação de uma âncora fiscal razoável pelo PT seria uma grata surpresa”. A maioria também questiona se seria possível buscar novamente metas de superávit primário.
Circula pelos corredores da campanha petista a sugestão de se trocar a âncora fiscal de IPCA para o PIB real. A sugestão repercute bem entre os gringos, mas gera dúvidas adicionais, talvez técnicas demais para eu explorar neste artigo. Resumindo: vão esperar para ver e, vendo, esperarão por mais detalhes.
Muitos dos medos fiscais dos gringos com relação a Lula estão ancorados na péssima memória que eles carregam do governo Dilma. Para a maioria, Lula não é Dilma. Mas o PT é o PT.
Por isso esperam o que ainda não veio: uma clareza maior no plano Lula quanto à manutenção da trajetória da dívida em uma direção aceitável.
Um ponto de grande desconfiança com o retorno de Lula refere-se às estatais. Esse pareceu ser, nas muitas conversas que tive, o ponto que mais diferencia Lula de Bolsonaro.
A percepção geral é de que o preço de paridade internacional (PPI) da Petrobras deve ser mudado em um governo Lula, ainda que tal mudança esbarre na Lei das Estatais, que precisaria ser alterada pelo Congresso. Alguns acreditam que, caso o barril de petróleo fique em um preço aceitável, será difícil ignorar o fato de que uma Petrobras sem intervenções no preço gera dividendos bilionários ao governo. Dividendos que poderiam ser usados para financiar programas sociais. Em geral, as estatais geram desconforto, e há mais preocupações sobre elas em um governo Lula do que em um governo Bolsonaro.
Há muitas perguntas também sobre o Banco do Brasil e o BNDES. Poucas sobre a Caixa. Há receios de que a volta do PT poderia resultar em uma grande intervenção no BB, com redução de juros na marra e oferta de crédito a preços abaixo do mercado. Quanto ao BNDES, acreditam em mais crédito para pequenos e médios empresários. Não acreditam na volta da tese dos “campeões nacionais”.
Questionam também se Lula manteria, ainda que em formato diferente, o programa de concessões liderado pelo Ministério da Infraestrutura. A percepção é variada. Alguns acham que o programa gera recursos volumosos demais para serem ignorados. Outros pensam que o formato poderia dificultar o processo, já que imaginam que o PT buscaria receber os recursos de forma mais rápida, à vista, e não ao longo de anos em investimentos.
Volto da rodada em NY com uma certeza: é consenso entre os muitos fundos com os quais conversei que o Brasil está barato, fiscalmente decente e hoje tem uma boa história macro para contar. Ao mesmo tempo, embute muitos tail risks, é confuso e politicamente barulhento.
“O mercado está barato. Mas está barato por uma razão. Em outros momentos esteve barato também, e mesmo assim saímos por baixo,” disse o gestor de um dos maiores fundos do mundo.
Em resumo, há um otimismo moderado, ancorado no famoso ditado de que cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça.
Lucas de Aragão é mestre em ciência política e sócio da Arko Advice.