Os últimos dois anos de bear market praticamente acabaram com os papéis com múltiplos premiados na Bolsa brasileira. 

A lista de empresas que num passado recente eram negociadas com altos prêmios em relação a seus setores –  fosse pela perspectiva de crescimento ou uma governança superior – está cada vez mais curta. 

Há dois anos, a Renner negociava a um P/L 12 meses à frente próximo de 25x – hoje negocia a 10x. Já o P/L da  Localiza saiu de cerca de 28x para 15x.  Na Rede D’Or, o tombo foi de 40x para cerca de 17x. E a Hapvida, que chegou a negociar acima de 60x no início de 2021, quando anunciou sua fusão com a Intermédica, agora sai por 22x. 

“Esse bear market sepultou muito papel que antes era considerado um porto seguro,” disse um gestor. 

Na Faria Lima, analistas dizem que antes o mercado tinha mais paciência com as empresas premium e tolerava uma sequência maior de desapontamentos na esperança de aquilo ser passageiro. 

Mas depois de dois anos de Bolsa para baixo e saques sem fim, a paciência acabou. 

“Hoje em dia, deixou de entregar um ou dois trimestres, já começa a correção.”  

A ação da WEG despencou 10% ontem depois da divulgação de resultados. “Não me lembro de ter visto Weg caindo 9%, quase 10% num dia,” diz um gestor.

Dois anos atrás, a empresa era negociada a 40x o lucro esperado para o ano seguinte; agora, está perto de 24x. 

Para outro gestor, o grande pano de fundo dessa discussão é o aumento do custo de capital, que interfere no valuation de todas as empresas. 

A Selic saiu de 6,25% em outubro de 2021 para 12,75% hoje; no mesmo intervalo, o juro real subiu de 2,25% ao ano para 5,50%. “Tem um monte de ‘filhos do juro zero’ que não entenderam essa mudança,” disse o gestor. 

Também é verdade que algumas dessas empresas tiveram sua parcela de culpa nessa reprecificação.  “Sem dúvida! Mas as pessoas só veem os erros quando a maré muda. Antes, são todos gênios,” disse um gestor.

No varejo de moda, a chegada das empresas chinesas mudou a dinâmica de competição, “e a Renner demorou a entender isso.”  

A Hapvida sofreu ao longo do ano com (inúmeras) surpresas negativas em sua integração com a Intermédica e problemas de comunicação com o mercado — questões que a companhia agora está endereçando agressivamente.

Poucas ações ainda se seguram na lista de intocáveis. 

A Equatorial, por exemplo, saiu de 9x o lucro forward há dois anos para 13x hoje – o setor de utilities têm atraído comprador na Bolsa desde que o BC começou a cortar a Selic. 

O Itaú continua com destaque positivo operacional, apesar do P/L 12 meses à frente ter caído de 9x para cerca de 7x nos últimos dois anos – em linha com a queda no valuation dos bancos no mundo inteiro este ano. 

O múltiplo da Raia Drogasil também oscilou pouco, de 35x para 30x – mas a rede de drogarias vem desacelerando crescimento, o que pode ameaçar seu múltiplo.

Outras empresas com grande exposição ao Brasil não sofreram de-rating.  É o caso do Nubank, que negocia a 24x (comparado aos 7x do Itaú); e o Mercado Livre, que está a 43x (comparado aos 30x da Amazon). 

“Nunca vi essa Bolsa tão barata. Estou falando sério, não é papinho de youtuber de Bolsa”, disse outro gestor que, com parcimônia, começou a comprar ações há alguns dias. “Estava todo mundo no barco do ‘agora vai’ quando o BC começou a cortar a Selic; agora estão todos arrebentados.”

Segundo ele, a Bolsa não avançou conforme muitos esperavam porque o juro real no mundo inteiro não para de subir. 

“A raiz de toda essa discussão é o custo de capital. Quando ele fica mais alto, as pessoas se tornam mais seletivas. Nesse mundo de 5%-plus de juro americano, pouca coisa faz sentido.”

Para ele, quem está espantado com o “de-rating” da Bolsa não entendeu o que vem acontecendo nos últimos anos. A dinâmica do Treasury de 10 anos mudou na década de 2020, e as taxas passaram a subir. 

“Nos EUA, a bolsa está muito cara, e o juro vai dar o ‘wake up call’ em todo mundo. Na minha opinião, a bolsa americana vai continuar caindo até abrir prêmio de valuation que faça sentido para um juro de 5%”, disse.  O Equity Risk Premium (quanto o equity paga acima da taxa livre de risco) do S&P 500 está a 0,78%, na mínima dos últimos 20 anos.