“O que o homem pode ser, ele deve ser” — Abraham Maslow

Essa frase de Maslow resume uma das ideias mais poderosas que já encontrei sobre o sentido da vida.

Maslow acreditava que todo ser humano carrega uma força natural de crescimento — uma tendência inata a florescer, a se tornar aquilo que pode ser.  Foi essa convicção que o levou a desenvolver o conceito de autorrealização, o ponto mais alto da famosa pirâmide das necessidades humanas.

Desde que conheci essa visão, passei a perseguir esse ideal de maximizar minhas próprias possibilidades, mesmo diante das inevitáveis limitações.  Nessa linha, quando tenho as condições de criar, de construir algo, sinto quase uma obrigação interior de fazê-lo, como uma forma de honrar e expandir meu próprio potencial. Foi assim com vários projetos em que me aventurei ao longo da vida.

No fundo, seguindo Maslow, acredito que o sentido mais gratificante de uma vida que vale a pena ser vivida está justamente em poder olhar para trás e saber que se fez tudo o que era possível; que se foi, de fato, tudo aquilo que se podia ser.

Além da pirâmide

Deixe-me explicar melhor.  A maioria das pessoas conhece Maslow pela famosa pirâmide das necessidades.  Na base estão as carências fundamentais — necessidades fisiológicas, segurança, afeto, pertencimento, autoestima. 

O meu guia para entender Maslow foi um discípulo seu, Frank Goble, autor do livro The Third Force. Segundo Goble, no topo dessa pirâmide estão o prazer e o reconhecimento social — aquilo que poderíamos chamar de uma vida hedonística, no sentido mais comum da palavra.

E vemos muito disso ao nosso redor: pessoas que sobem degrau por degrau da pirâmide com o objetivo de, finalmente, “aproveitarem a vida”, buscando experiências prazerosas como se nelas estivesse a felicidade duradoura.

Essas experiências, porém — como mostram inúmeras pesquisas geram apenas um prazer efêmero e passageiro, que logo se esvai e não basta para preencher a vida.

Mas Maslow via o topo não como o fim da jornada, e sim como o início de uma nova etapa: a autorrealização.

Ele observou que a maioria de nós é guiado por aquilo que falta — medo, escassez, necessidade de aprovação. Já as pessoas autorrealizadas são movidas pela motivação do ser.  Não agem para suprir ausências, mas para expressar o que existe dentro delas.  Trabalham porque amam o que fazem. Vivem menos preocupadas em ter e mais interessadas em ser.

E quem são as pessoas autorrealizadas?

Ao contrário de Freud que concentrou seus estudos nas patologias e conflitos da mente humana, Abraham Maslow voltou seu olhar para o outro extremo: as pessoas que “deram certo”.

Como precursor da psicologia positiva, interessava-se em entender o que tornava algumas vidas plenas, criativas e inspiradoras.  Maslow analisou pessoas que considerava excepcionais — como Jefferson, Lincoln, Gandhi, Einstein e Eleanor Roosevelt — e identificou entre elas um conjunto de traços comuns.

Desse estudo, Maslow extraiu alguns padrões recorrentes que formam quase um guia prático de uma vida plena:

  • Enxergar o mundo com clareza, sem distorções emocionais nem filtros de conveniência.
    Aceitar a si mesmo e aos outros com naturalidade, reconhecendo virtudes e limitações.
    Ser autônomo, espontâneo e criativo, guiado por valores internos e não pela aprovação alheia.
    Dedicar-se a causas maiores do que si mesmo, movido por propósito e desejo de contribuir.
    • Vivenciar experiências de pico — momentos de profunda inspiração, conexão e unidade, como o fluxo criativo de um artista ou o insight de um cientista.
    Seguir uma ética interna sólida, pautada por verdade, justiça e integridade, mais do que por convenções sociais.

Maslow observou que talvez a marca mais forte dessas pessoas fosse o foco no coletivo e no universal.  Com suas próprias necessidades já atendidas, transcendiam o ego e buscavam contribuir para o bem comum.  Einstein, por exemplo, dedicou-se à descoberta de leis universais; Eleanor Roosevelt, à defesa da justiça social.

Segundo Maslow, as pessoas autorrealizadas encontram prazer em ajudar os outros. Para elas, a ausência de egoísmo (unselfishness) é um tipo de egoísmo (selfishness). “Elas obtêm prazeres egoístas a partir da felicidade de outras pessoas — o que é apenas outra maneira de dizer que não são egoístas (unselfish)”.

Ou seja, a pessoa saudável é egoísta de um modo saudável — de uma forma que é benéfica para ela e também para a sociedade. 

Felicidade não é autorrealização

É fundamental distinguir felicidade de autorrealização.

A felicidade, no senso comum, está ligada ao prazer, ao bem-estar e ao conforto emocional. Mas a autorrealização vai além: é viver plenamente o próprio potencial, mesmo quando isso exige esforço, solidão ou dor. É o compromisso de ser coerente consigo mesmo — e não com as expectativas dos outros.

Viver assim não significa estar sempre satisfeito, mas sentir que cada passo, mesmo difícil, tem sentido.

Maslow resumiu isso de forma simples e poderosa: “As pessoas autorrealizadas são motivadas não pela carência, mas pelo desejo de crescer, de se expressar, de realizar a própria natureza.”

Não buscam agradar, competir ou provar nada a ninguém. Agem por coerência, por sentido, por integridade.

Transcendência

Nos últimos anos de sua vida, Maslow deu um passo além: propôs a transcendência como um estágio ainda superior à autorrealização.

Enquanto a autorrealização consiste em expressar o máximo do próprio potencial, a transcendência ocorre quando este potencial se orienta para algo maior — o coletivo, o universal, o bem comum.

A pessoa amadurece a tal ponto que já não precisa ser o centro da vida: passa a servir a algo que a ultrapassa.

Percebi também como esses ideais de autorrealização e transcendência se aproximam do conceito judaico de mensch — alguém que busca viver com integridade, sabedoria, propósito e compaixão. 

Mensch é uma palavra do iídiche difícil de traduzir, mas profundamente bela. Mais do que uma definição, é uma filosofia de vida.  Ser um mensch não tem a ver com sucesso, status ou reconhecimento, e sim com caráter, presença e responsabilidade moral.

Embora mensch e autorrealização pertençam a tradições diferentes — uma ética e cultural, a outra psicológica — ambas expressam uma mesma verdade: viver de forma autêntica, íntegra e voltada ao bem comum.

Tanto a autorrealização quanto a transcendência são resultados raros de alcançar. Poucos chegam lá. A grande maioria permanece presa às necessidades de segurança, pertencimento, status e prazeres. Mesmo quem já viveu momentos de autorrealização pode se ver, de tempos em tempos, ancorado novamente na base da pirâmide por circunstâncias da vida.

Ainda assim, todos podemos — e talvez devamos — perseguir este caminho de crescimento e sentido.  E buscar replicar, em nossas próprias vidas, as atitudes e virtudes das pessoas mais autorrealizadas: cultivar a autenticidade, a clareza, a autonomia, o propósito, e a capacidade de se conectar a algo maior.

Cada passo nessa direção nos torna mais inteiros, mais conscientes, mais próximos do nosso verdadeiro potencial. E o resultado, mesmo que parcial, é profundamente gratificante.

Eu, pessoalmente, ainda tenho um caminho a percorrer.  Mas para quem busca uma vida que realmente valha a pena ser vivida, certamente vale o esforço.

Jair Ribeiro é empresário, fundador e presidente da Casa do Saber e da Associação Parceiros da Educação. Passou o último ano em Harvard no programa Advanced Leadership Initiative, que apoia empresários a transformarem sua trajetória em projetos de impacto social.