O Museu Imperial de Petrópolis recebeu 400 mil visitantes no ano passado (mais do que o dobro do Museu Nacional) e é o museu público sob gestão federal que mais arrecada recursos: foram R$ 2,4 milhões com bilheteria e outras fontes no ano passado. Está em ótimo estado de conservação, acaba de ter seu acervo digitalizado e em breve vai ganhar uma nova bilheteria.

O que separa o Museu Imperial do Museu Nacional, que atravessou anos de desleixo e incúria até pegar fogo? Por que um museu ‘deu certo’ e outro acabou? A resposta, como muita coisa pública no Brasil, está no envolvimento da sociedade.

Quase na mesma época em que o Museu Nacional recusava ajuda externa e participação da sociedade civil, o museu de Petrópolis ganhava o respaldo de uma ‘sociedade de amigos’ que até hoje confere agilidade à gestão.

As sociedades de amigos de museus surgiram com mais força no início dos anos 90, depois que o então presidente Fernando Collor extinguiu a Fundação Pró-Memória, deixando os museus à míngua.

A sociedade civil se mobilizou. Entusiastas de diversas instituições trabalharam para criar organizações de interesse público como Oscips (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) ou OSs (Organizações Sociais). Essas entidades não têm fins lucrativos, e são regidas pelo direito privado.

A Sociedade de Amigos do Museu Imperial de Petrópolis (SAMI) foi fundada em 1992 por José Luiz Alquéres, um engenheiro do setor elétrico que presidiu a Eletrobras e a Light e que frequentava o museu desde a infância.

A SAMI atua desde o início em estreita parceria com a direção do museu. Caiu uma árvore? Deu cupim? Chama a SAMI. Em 2017, a SAMI repassou quase R$ 400 mil – arrecadados junto à GE Celma, via lei Rouanet – para digitalizar o acervo. Repassou ainda cerca de R$ 80 mil para adquirir obras de arte e outros equipamentos.

São os amigos que também administram a lojinha do museu e que tiveram, nos anos 90, a ideia de promover os espetáculos de som e luz projetados em uma cortina d’água – e que se transformaram numa das principais atrações turísticas de Petrópolis.

(Além do dinheiro extra, o espetáculo também revolucionou o turismo da cidade, então dependente de excursões sem pernoite. Como acontece à noite, as pousadas voltaram a ter demanda.)

No Museu Histórico Nacional, no centro do Rio, uma outra experiência bem-sucedida de envolvimento da sociedade civil. A associação de amigos do museu (AAMHN) conseguiu, junto ao governo estadual, a doação de um terreno vizinho onde será construído um prédio de escritórios. A ideia é fazer dos alugueis uma fonte permanente de receita.

“Quando a comunidade se apropria de um bem, ela procura sempre melhorar e preservar”, diz Alquéres, que é ex-presidente da AAMHN e da SAMI e atual conselheiro das duas entidades.

Mas para as sociedades atuarem, é preciso o mínimo de apoio institucional. Nos anos 2000, governos e corporações estatistas passaram a olhar esse tipo de parceria com desconfiança.

As sociedades ficaram proibidas de ocupar salas nas dependências do museu. E uma lei de 2009 determinou que os recursos arrecadados por museus geridos pelo governo federal – incluindo o dinheiro repassado pelas sociedades de amigos – fossem remetidos a Brasília para depois serem redistribuídos, num vai e volta burocrático.  

E, como o dinheiro trafega por Brasília, qualquer destinação dada a ele é submetida aos processos de licitação da burocracia federal: da compra de um projetor multimídia ao combustível que abastece os automóveis do museu.

“Conceitualmente é um erro muito grande ter uma estrutura centralizada. Fica todo mundo tendo que ir a Brasília pedir verba para isso ou aquilo”, diz Alquéres. “A experiência mundial mostra que é preciso inserir o museu no dia a dia das comunidades locais. Os museus não podem ser retratos do passado, têm que fazer parte do cotidiano das pessoas. Quem cuida melhor de um patrimônio é a comunidade na qual ele está inserido.”

Nos EUA, o Smithsonian, o maior complexo de museus do mundo, recebe subsídio federal, mas a maior parte dos recursos vem de um ‘trust fund’ privado. Nem mesmo na França existe um modelo 100% financiado pelo poder público. O Museu do Louvre capta junto a empresas privadas, fundações e particulares, e sua Sociedade de Amigos já foi responsável pela aquisição de mais de 740 obras.

Alquéres defende um modelo em que os museus seriam geridos por sociedades civis sem fins lucrativos, mas com auditoria governamental permanente. “O governo deve mandar recursos e fiscalizar sua aplicação. Mas não pode querer fazer da sociedade um órgão de governo. Tem que ser direito privado. Não cabe ao governo ficar providenciando automóvel com motorista para o diretor da instituição. Gasta-se muito com penduricalhos.”

Para garantir um alto nível de governança, Alquéres sugere ainda a adoção das regras de compliance das S/As que possuem ação em bolsa, com balanço auditado e público e executivos responsáveis por seus atos.

O Museu Nacional do Rio também conta com uma Sociedade de Amigos, fundada em 1937 pelo empresário Guilherme Guinle. A entidade passou por alguns momentos de inatividade ao longo de sua história e, desde 2014, rebatizada de Associação dos Amigos do Museu Nacional, integra a estrutura organizacional da UFRJ, como associação civil. Seus diretores (não remunerados) pertencem aos quadros da UFRJ e sua função é arrecadar recursos – via emendas parlamentares, Lei Rouanet, entre outros meios –, “para a viabilização de suas funções regimentais de ensino, pesquisa e extensão, bem como da manutenção de seu patrimônio móvel e imóvel, científico, artístico e cultural, dentre outros”.

A entidade não conta com contribuições mensais de sócios particulares, como é comum nas sociedades de amigos. É portanto um modelo bastante diferente, no espírito e na forma de atuação, das sociedades de amigos que apoiam museus como o Imperial de Petrópolis e o Museu Histórico Nacional.

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