O comércio já havia sentido o golpe, com a queda no consumo por causa do gasto frenético com as apostas online.

Agora é a vez de as instituições financeiras soarem o alarme, preocupadas com o superendividamento das famílias.

“Estamos diante de um cenário potencialmente crítico. Pelo tamanho desse mundo de apostas online, temos um quadro de proporções alarmantes,” Isaac Sidney, o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), disse ao Brazil Journal.

A entidade está pressionando para que seja vetado, o quanto antes, o uso do cartão de crédito nas bets. “O Governo já proibiu, mas infelizmente essa proibição ainda não está efetiva,” disse Isaac.

Para ele, há o risco de um encarecimento do crédito em razão dos efeitos na capacidade de pagamento de dívidas pelas famílias. “Pode elevar a inadimplência, além de sobrar menos recursos para o consumo,” disse o presidente da Febraban.

As regulamentações oficiais da jogatina legalizada só entrarão em vigor em janeiro. Por enquanto, as apostas correm sem controle.

Isaac SidneyNa última semana, vieram à tona acusações de que uma dessas casas de apostas está sendo utilizada para a lavagem de dinheiro e associação com o crime organizado.

Para Isaac, já que o País decidiu legalizar as apostas, o setor público precisará investir no controle das atividades e na conscientização da população para os riscos envolvidos nos jogos.

“Estamos em um mundo desconhecido em que o Brasil nunca navegou,” disse Sidney. “Deveríamos ter toda a cautela para conceder autorizações. Já temos mais de uma centena de pedidos de autorização tramitando.”

Abaixo, a entrevista.

Do ponto de vista do setor financeiro, quais as maiores fontes de preocupação ante o avanço explosivo dos jogos online?

Estamos diante de um cenário potencialmente crítico. Pelo tamanho desse mundo de apostas online, temos um quadro de proporções alarmantes.

O Brasil já lidera o ranking global de visitas a sites de apostas.

Quando a gente vai para um outro ranking – o tamanho do mercado que o Brasil já ocupa – nós já somos o segundo ou terceiro maior mercado de apostas online do mundo. O mercado local é estimado em algo entre R$ 100 bilhões e R$ 130 bilhões ao ano.

Vemos com muita preocupação os efeitos das apostas no endividamento das famílias, efeitos esses que podem ser nefastos – e não apenas para os apostadores.

Por quê?

Sem controle, teremos consequências graves na saúde financeira das famílias e das empresas.

Os danos não atingem apenas aqueles que apostam de forma pouco racional. Podemos ter efeitos nocivos impactando o consumo, o comércio, o varejo, ou seja, a economia. Isso prejudicaria inclusive aqueles que não apostam, que nunca vão apostar.

Pode haver até mesmo um encarecimento do crédito, na medida em que, se o orçamento das famílias diminui, isso impacta a capacidade de pagamento, impacta o comprometimento de renda das famílias. Isso eleva a inadimplência, além de sobrar menos recursos para o consumo.

O que poderia ser feito preventivamente, do ponto de vista do risco para a deterioração no crédito?

O Governo deveria usar todos os meios legais para proibir imediatamente o uso do cartão para a realização dos jogos.

Já existe essa proibição na regulamentação que em tese começará a ser observada a partir de janeiro do ano que vem, mas a situação já é suficientemente alarmante e preocupante.

No Brasil, o cartão de crédito tem uma representatividade muito grande no consumo das famílias, responde por mais de 40%. Tendo uma inadimplência maior, a capacidade financeira das famílias será atingida.

É necessário que tenhamos medidas de efeito mais direto, de orientação para os apostadores.

Como isso deveria ser feito?

Posso dar como exemplo campanhas que foram feitas no passado e que tiveram impacto muito relevante em relação ao cigarro – campanhas que até hoje impactam bastante a sociedade – e a proibição de fumar em lugares públicos.

Algo tem que ser pensado nesse sentido sob pena deste quadro se tornar irreversível ou até mesmo impactar a saúde pública no Brasil.

É fundamental termos campanhas maciças de conscientização sobre os riscos do chamado jogo compulsivo, da falta de controle e do risco de superendividamento.

Aqui na Febraban estamos fazendo a nossa parte, promovendo publicamente esse debate, chamando a sociedade para uma reflexão. O fenômeno ganhou contornos preocupantes.

Já tínhamos no passado assistido à proliferação de bingos e caça-níqueis, jogos de azar que atraíam uma população de mais idade. Agora vemos as apostas alcançando um público jovem, crianças e adolescentes.

E as apostas online são mais nocivas, por causa da facilidade de acesso via internet, via celular.

A publicidade deveria ser controlada?

Esse é outro ponto relevante. Há uma propaganda maciça, levando as pessoas cada vez mais a essas apostas.

As bets investiram mais de R$ 2 bilhões em mídia no ano passado. 

Portanto – em vez de termos campanhas educativas, campanhas de conscientização e políticas públicas para que as pessoas possam entender o que estão fazendo – estamos vendo publicidade com influenciadores, com patrocínios de times de futebol, e isso tudo tem potencializado os riscos e os impactos.

Esses sites e aplicativos usam mascotes, personagens infantis e influenciadores mirins. Os pais ou responsáveis precisam estar alerta. É importante que haja um engajamento familiar.

Não estou aqui propondo proibir os jogos, até porque a proibição poderia levar à clandestinidade.

Mas já que o Brasil tomou a decisão de legalizar essas apostas, é fundamental que tenhamos mecanismos efetivos de controle e de conscientização das pessoas.

As pesquisas mostram que um percentual relevante da população já apostou ao menos uma vez. As pessoas já estão gastando um percentual da renda que não pode ser desprezado, um percentual que impacta no orçamento.

Nós vamos agir de forma vigilante na prevenção do superendividamento. Teremos uma atuação orientadora e vigilante.

Mas não vamos parar nisso. Nós nos sentimos com legitimidade para cobrar do Poder Público urgência na regulamentação rigorosa e evitar que tenhamos efeitos incontroláveis mais à frente.

Vamos também demandar do Poder Público uma regulamentação que possa coibir a lavagem de dinheiro. Posso afirmar com convicção que o setor bancário não vai aceitar ser canal de ilícitos financeiros ligados a jogos de apostas. Os bancos não servem para isso. Somos financiadores da economia e fomentadores do crescimento econômico.

E faço aqui outro alerta: aposta não é investimento. É assustador ver que vários apostadores encaram jogo como investimento. Isso é uma ilusão.

Qual será o papel dos bancos na governança do mercado legal de apostas e no combate à atuação de organizações criminosas?

O relacionamento com os clientes será fundamental para que a gente possa prevenir ilícitos financeiros, sobretudo de lavagem de dinheiro.

Os bancos certamente vão ter uma política de integridade mais efetiva, para poder identificar a origem de recursos, identificar os responsáveis por essas empresas, a reputação dessas empresas – ou seja, são cuidados mínimos, elementares para que os bancos não tenham relacionamento com empresas que possam estar associadas a ilícitos.

Já existe toda uma regulamentação contra a lavagem de dinheiro, independentemente de o cliente ser uma bet ou não. Portanto, os bancos terão um rigor maior no relacionamento com essas empresas de apostas.

Não estamos aqui fazendo nenhuma atuação preconcebida ou preconceituosa de relacionamento bancário. Mas pela experiência que tenho, inclusive tendo sido diretor do Banco Central e procurador-geral do BC, tenho muita convicção de que os bancos vão redobrar a atenção no relacionamento com as empresas de apostas.

 

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