No cada vez mais concorrido mercado da panificação paulistana, três padarias artesanais abertas há no máximo um ano parecem ter saído de um filme. São salões lindos e aconchegantes, com equipes majoritariamente femininas e histórias de gente que transformou paixões antigas em negócios prósperos.
Marta, Isabela e Olivia, as mulheres por trás desses empreendimentos, abandonaram rotas profissionais consolidadas ou repensaram suas carreiras para dar espaço a um sonho.
Do cuidado meticuloso na escolha dos ingredientes à criação de espaços que convidam os clientes a desfrutar de momentos de confraternização, cada padaria reflete a jornada pessoal de sua fundadora, marcada por desafios, descobertas e a constante busca por qualidade.
Marta Carvalho, 45, passou 20 anos defendendo bancos em tribunais cariocas antes de trocar processos por pães. O estalo veio em 2017, após ler Cooked, do americano Michael Pollan, e estudar no San Francisco Baking Institute durante um breve sabático.
“Voltei ao escritório em que era sócia e chorei no banheiro. Sabia que não queria mais aquela vida. Queria fazer meu levain,” conta.
Foi cursar o Le Cordon Bleu carioca, passou de dois para 100 pães assados por semana, e abriu um perfil no Instagram chamado Martoca Padeira. Em 2023, mudou-se para São Paulo e, depois de muito procurar por um imóvel, abriu no ano seguinte a Martoca Padaria, em Pinheiros, com uma equipe 99% feminina, e onde antes funcionava um bar também tocado apenas por mulheres.
A casa, que produz até 300 pães de fermentação natural por dia, uma linha de viennoiserie e doces especiais, virou ponto de encontro de arquitetos e de quem trabalha e mora nas redondezas. “Aos sábados, é loucura. Por isso, já quero abrir aos domingos,” diz Marta, que prioriza ingredientes como o cumaru (semente amazônica) em doces e mantém parcerias com o Café Por Elas, que só compram grãos exclusivos de produtoras brasileiras, e vinícolas nacionais selecionadas em parceria com a Família Kogan Wines, que incluem rótulos naturais e biodinâmicos, três deles exclusivos para a Martoca. “Aqui é a extensão da minha casa,” Marta diz sobre o espaço que mescla café, vinhos e pães rústicos.
Num bairro vizinho, a Vila Madalena, a Joya Boulangerie chama atenção pela exuberância: são 590 m² que incluem um salão iluminado para simular uma “manhã ensolarada permanente” com 95 lugares, um pequeno empório, e as salas de produção onde a chef Isabela Honda e sua equipe preparam receitas de confeitaria e panificação francesa (com amplas janelas internas que servem como vitrine, as salas podem ser visitadas, basta pedir a um atendente).
O espaço apresenta equipamentos como a Nitron, que injeta nitrogênio em bebidas, e a máquina de café Gaggia Milano La Reale. Reverenciada no mundo dos baristas e único exemplar do Brasil, o aparelho custa R$ 180 mil e serve de versões clássicas do cafezinho até as mais originais, como o gelado espresso tônica peach, que leva água tônica e koso (o xarope milenar japonês) de pêssego.
“Faltava um lugar no bairro que unisse café, pães, confeitaria e lanches num só espaço, mas sem ostentação,” diz a chef de 31 anos, que deixou o restaurante Tuju (2 estrelas Michelin) para abrir o negócio ao lado da sócia e sogra, Marisol Piccoli. “Queremos que todos sintam que podem comer algo especial sem gastar fortunas.”
A joia da casa está nos entremets, como o Coco & Manga – esfera branca decorada com flores comestíveis, recheada com mousse de coco, purê de manga, gengibre e limão, e cobertura de chocolate branco. “Trouxemos a experiência do Tuju: fazemos tudo aqui, desde o iogurte até o mascarpone, folhados e xaropes,” explica Isabela, que mantém um cardápio versátil com sanduíches no pão ciabatta e almoços executivos em breve.
Em outra parte da cidade, entre os bairros do Itaim, Vila Nova Conceição e Vila Olímpia, Olivia Maita, 39, comanda a Oli Pane, inaugurada em setembro de 2024. A chef, que começou vendendo pizzas na pandemia, projetou o espaço com o marido e sócio, o arquiteto Kiko Sobrino.
O ambiente, com paredes em tons terrosos, mistura elementos vintage (lustres garimpados em feiras de antiguidades) e linhas modernas, evocando a rusticidade das padarias europeias.
No cardápio, além dos pães artesanais, o destaque vai para o panini de pastrami artesanal – servido no pão ciabatta de longa fermentação com maionese de limão siciliano, queijo pecorino e picles de pepino – e para o Pain Perdu, uma rabanada de brioche caramelizada regada a calda de frutas vermelhas.
“O público aqui entende o conceito artesanal,” diz Olivia, que ainda se dedica à produção de geleias caseiras, reforçando a proposta de oferecer uma experiência que combina a tradição de uma padaria de bairro à diversidade de um empório.
“Na pandemia, aprendi que flexibilidade salva negócios. Hoje não tenho medo de testar: se não der certo, mudamos rápido,” diz a chef, que já planeja expandir o menu para incluir opções veganas e lançar um brunch aos domingos, promessa de nova atração para os frequentadores. “Quero que a Oli Pane seja um lugar onde as pessoas se sintam em casa, mesmo estando fora dela.”
O que une essas três histórias vai além da fermentação lenta ou dos interiores instagramáveis. É a busca por autenticidade. “Não se trata só de vender pão, mas de criar memórias,” diz Marta Carvalho.
Em uma cidade conhecida pela pressa, essas empreendedoras provam que vale a pena esperar – pelo menos até o próximo croissant sair do forno.
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