Uma viagem de uma hora e meia de ônibus e metrô liga a Vila Missionária – um bairro de ocupação na periferia de São Paulo – até o colégio Etapa, uma tradicional escola privada da capital.
Fazendo o percurso diário, Tabata Amaral logo entendeu que transitava entre dois mundos diferentes.
“No Etapa era comum falar de outros países, de cursos extracurriculares. No meu bairro, as pessoas sequer falavam de faculdade, parecia que tinha um limite até onde eu podia ir. Isso me fez perceber o tamanho da desigualdade em que a gente vive”, diz.
Aos 24 anos, Tabata é candidata a deputada federal pelo PDT de São Paulo e um dos principais rostos do movimento de renovação do Congresso. Sua missão de vida: apostar todas as fichas na educação para fechar o abismo entre os dois mundos que agora ela conhece bem.
Filha de um cobrador de ônibus e uma diarista, Tabata foi parar no Etapa aos 13 anos, quando uma medalha de prata na Olimpíada Brasileira de Matemática da rede pública chamou atenção da escola privada, que ligou oferecendo uma bolsa.
Seu sonho era ser cientista: participou de cinco competições mundiais de ciências (sempre a única mulher na delegação). Aplicou para estudar astrofísica em dez universidades americanas – apenas um ano depois de começar a estudar inglês. Passou em seis. Escolheu Harvard, onde conseguiu uma bolsa integral.
Foram quatro dias de comemoração. No quinto, o pai, dependente químico, faleceu – um episódio que fez com que os mistérios do universo parecessem menos prementes do que o fosso da desigualdade no País. Quase desistiu de Harvard, mas acabou indo, encorajada pelos amigos e família. No segundo ano, trocou a astrofísica pela ciência política e, desde então, vem se debruçando sobre a educação brasileira.
Ainda durante a faculdade, Tabata fundou o Mapa Educação, uma rede que forma jovens lideranças para lutar pela melhora da educação em seus Estados e municípios.
No ano passado, Tabata deu o primeiro passo em direção à política, com a fundação do Movimento Acredito, uma organização suprapartidária pró-renovação. Progressista, o Acredito tem uma cartilha programática independente – baseada em valores como responsabilidade fiscal, diversidade e redução das desigualdades – e se uniu a partidos que toparam dar carta branca aos candidatos.
Numa eleição com muita bravata e poucas propostas, o programa de Tabata chama atenção pelo diagnóstico cuidadoso dos principais problemas e por propor políticas públicas que podem solucioná-los. Ao seu lado está gente parruda: Claudia Costin, ex-diretora global de educação do Banco Mundial, e Ricardo Paes de Barros, um dos maiores estudiosos da desigualdade brasileira, são seus conselheiros mais próximos.
De acordo com o TSE, doaram para sua campanha — que arrecadou até agora R$ 1 milhão — empresários como Patrice Etlin, da Advent; o publicitário Nizan Guanaes; Maurício Bittencourt, da gestora de recursos Velt (antiga M. Square); e Daniel Castanho e Marcelo Battistella, da Anima Educação.
Tabata detalhou ao Brazil Journal suas propostas e falou sobre os desafios das candidaturas de renovação.
Ninguém discorda que educação é dos principais problemas do Brasil, e também o mais complexo. Mas por onde começar?
Tem uma questão muito forte pra mim, e que o Brasil discute pouco, que é o Fundeb [o Fundo Nacional da Educação Básica]. Ele vai vencer em 2020. Precisamos de um Fundeb que seja mais distributivo e que dê metas para municípios e Estados, com cobrança de resultados. É a única oportunidade que o governo federal tem de melhorar a educação no Brasil inteiro.
Uma bandeira minha, por exemplo, é acabar com a indicação política para o cargo de diretor das escolas. É uma coisa que Sobral [município cearense referência em educação] fez e que estudei na minha tese: é muito documentado como isso afeta a educação. Hoje, isso ainda acontece em 75% dos municípios brasileiros, que tem 45% das escolas municipais do país. Pela relação dos três níveis de poder, eu, como deputada federal, não conseguiria passar uma lei que acabe com isso. Mas eu consigo atrelar uma parte do Fundeb a quem implementar algumas boas práticas, como, por exemplo a despolitização do cargo de diretor, implementação de metas no nível escolar, avaliações sérias, feitas no nível local.
Temos que melhorar a formação e dar salários mais dignos para os professores, isso é consenso. Temos que entrar com um modelo de desenvolvimento de carreira, como nas empresas, em que ele receba um feedback, tenha acompanhamento e possa melhorar como professor, para poder ser avaliado também. A avaliação já está prevista em lei, mas nunca foi implementada. E eu entendo que avaliar os professores quando eles nunca receberam nenhum suporte, é cruel. Mas se a gente muda a carreira e dá desenvolvimento, a gente muda essa realidade. Tanto o Fundeb quanto a questão da carreira do professor, ou você acata tudo de uma vez para fazer uma virada, ou pode esquecer. Se eu não renovar o Fundeb, nunca vou conseguir condicionar o repasse. Temos que aproveitar esse momento-chave.
Falta dinheiro para a educação no Brasil ou ele é mal aplicado?
As duas coisas. Dado o país que eu vou enfrentar no próximo ano, eu tenho um trabalho muito maior para fazer na parte de gestão. Quando eu falo dessas condições para o repasse, quando eu falo sobre a despolitização de cargos da educação, das avaliações, acho que a gente tem um trabalho gigantesco para fazer aí.
Mas, não acho que a gente está no limite de investimentos da educação. A gente é um país com desigualdades profundas, é caro, sim, recuperar alunos que vêm de famílias tão desestruturadas. Mas enquanto a gente resolve a nossa crise fiscal, tem um longo trabalho a fazer. Com o dinheiro que a gente tem, a gente está longe de alcançar os resultados que a gente acha que pode alcançar. Quando a gente chegar no teto desse dinheiro, aí eu vou brigar para ter mais dinheiro.
E qual sua postura em relação às cotas em universidades públicas?
Sou a favor de cotas raciais e sociais, por duas razões. Eu só fui aceita em Harvard, porque eu participei de um processo que não era burro, não era quadrado. Que olhou de onde eu saí e onde eu cheguei. Eu não passei no ITA no Brasil, que foi uma prova feita para memorizar. Quando eu tive a oportunidade de passar num vestibular que foi holístico, que foi completo, eu dizer que sou contra cotas e acreditar que só a prova,que não pergunta como você está se sentido, quais projetos você faz e quais dificuldades você enfrentou, é no mínimo incongruente Por isso eu sou a favor. Além disso, quando a gente olha para os estudos que a Unicamp, a UFRJ e todas as outras fizeram, vemos como os cotistas têm um desempenho igual ou superior aos não cotistas. Como você vai ser contra?
Você se filiou ao PDT, mas tem os princípios da carta-compromisso do Acredito. Como vai funcionar? É um tipo de independência? Você tem liberdade para votar contra o partido?
A carta-compromisso é a nossa agenda. A gente vai votar de acordo com isso. Conversamos com vários partidos, perguntando se eles estavam de acordo. Cinco toparam. Sei que é uma experiência que não vivemos ainda. Já vimos carta de independência, mas nunca de movimentos que tem sua agenda e são formados por voluntários. Então, vamos ver como vai ser. Os candidatos do Acredito assinaram compromissos não só de agenda, mas do tipo de campanha que a gente faz e do tipo de mandato que a gente tem. Temos propostas de um mandato muito mais aberto e transparente. A campanha não pode ter uma doação que seja maior que um quinto do orçamento, para não ter dono.
Como você está financiando sua campanha?
O teto constitucional, pela primeira vez, é de R$ 2,5 milhões para deputado federal, mas é super importante dizer que ninguém está respeitando. Você vai para as ruas e vê caixa 2 com se não houvesse Lava-Jato.Nós continuamos acreditando que esse teto é muito caro – mesmo que as campanhas em São Paulo custem de R$ 10 milhões a R$ 11 milhões, na média. Então, trabalhamos com metade do teto no Acredito. O meu teto é de R$ 1,25 milhão. Eu brinco que é o custo do carteiro: o custo de entregar sua mensagem, dizer que você existe e é candidata. Ainda não alcancei a meta, mas continuo tentando [até o fechamento da reportagem, a candidata tinha arrecadado R$ 921 mil, de acordo com dados informados ao TSE] . Tenho algumas estratégias: a vaquinha online, que hoje está com mais de 160 doadores, e uma conta que eu faço normalmente, que participo de jantares, dou palestras e peço para que as pessoas doem direto na conta.
O que é mais difícil: política ou astrofísica?
Política, sem sombra de dúvida. A astrofísica tem respostas que às vezes levam uma geração inteira para aparecerem. Na política, às vezes as respostas aparecem em uma hora de conversa. Mas você leva décadas ou centenas de anos para implementar. Não é só encontrar a resposta, não é só o diagnóstico, não é só pegar o bom exemplo. É convencer milhões de pessoas a entenderem a urgência, a necessidade daquilo e trabalharem com você. Na astrofísica, cada ano você avança um pouco no conhecimento. Em política, tem muitas questões em que a gente está regredindo.