O isolamento social é fundamental para o combate imediato à Covid-19. Mas a medida representa apenas metade da solução. A outra metade é a saída organizada e racional do isolamento, de maneira que se evite a destruição desnecessária da economia, cuja conta é paga por todos, sobretudo pela população socialmente mais vulnerável.

Ao longo do tempo, a urbanização, a industrialização e a educação colaboraram para o declínio da mortalidade por doenças infecciosas. Mas seus benefícios não foram distribuídos por igual entre os países e as camadas da sociedade.
As nações mais pobres sofrem mais, por exemplo, com as dificuldades de financiar um sistema inclusivo de saúde pública e seguridade social. Com isso ficam mais expostas às consequências nefastas de recessões. Com mais flancos abertos, assistem com frequência ao ressurgimento de doenças infecciosas já controladas.
Entre 2012 e 2017, um levantamento mostrou que, nas crises econômicas, países com baixa renda per capita apresentam maiores taxas de mortalidade entre os mais pobres. Na crise de 2008, países com alta renda per capita tiveram até diminuição do número de mortes, exceção feitas aos casos de suicídio. A proteção social, portanto, é fundamental nos indicadores de saúde. Os pobres sem proteção social pagam o preço nas demandas de saúde.
Moral da história: economia e saúde andam juntas há muito tempo. É por isso que, na saída do isolamento, teremos que conciliar aspectos de proteção da vida com a necessidade de reabertura da atividade econômica. Na medida em que possamos nos orientar por alguns indicadores, isso será feito de forma mais segura.
O primeiro passo é termos certeza de que o achatamento da curva epidemiológica está de fato ocorrendo, com surgimento de pouquíssimos casos novos e recuperação daqueles que contraíram a doença. Houvesse remédios e vacinas, a situação seria outra. Na sua ausência, porém, a opção fica reduzida a isolar ou não isolar a população. E nesse quesito temos uma curva nacional composta de várias curvas regionais e no sentido mais amplo com realidades diferentes.
É por isso que não pode haver precipitação. Se a transição falhar, teremos que dar um passo atrás e voltar ao isolamento. Não pode também haver adiamento sem justificativa científica, sob pena de se pressionar ainda mais, e desnecessariamente, a economia, cujo custo também pode ser medido em vidas precocemente ceifadas. Uma coisa é sair do isolamento, outra é relaxar o monitoramento.
Faz-se necessário, em primeiro lugar, avaliar a capacidade da infraestrutura hospitalar. O passo seguinte é a identificação das atividades economicamente mais vulneráveis, que devem ser priorizadas na hora de sairmos do isolamento. Testes seriam de grande valia, claro, mas a alternativa não é simples, devido à carência, à baixa qualidade e à dificuldade de serem aplicados em massa.
Do cruzamento dessas variáveis é que se pode estabelecer um plano de liberação, pelo menos em relação às pessoas de menor risco e utilizando-se de inteligência artificial. Trabalhando de forma escalonada, evitando mobilidade conjunta em massa, introduzindo mudanças comportamentais (como o uso de máscaras e álcool em gel e até mudanças nos cumprimentos) não há razão para não se iniciar um projeto operacional de saída do isolamento – desde que tenha havido o achatamento da curva de infectados e que haja infraestrutura suficiente de medicina intensiva para aquele grupo regionalizado que possa suportar eventual rebote.
No plano legal, o artigo 198 da Constituição Federal, que disciplina as ações e serviços públicos de saúde, estabelece como uma das diretrizes a participação da comunidade, o que significa que todos nós somos também responsáveis por nossa saúde. Já a lei 8.080, de 1990, assegura que as bases de dados dos ministérios da Saúde e do Trabalho possam ser usadas pelas secretarias estaduais e municipais de saúde.
 
O monitoramento dessas informações consolidadas possibilitará – em menos tempo, por um custo relativamente mais baixo e de maneira mais eficiente – a atuação cooperada entre União, Estados, Distrito Federal e municípios. A análise permitirá o monitoramento referencial das pessoas pertencentes aos chamados grupos de risco.
Todos queremos a mesma coisa: salvar vidas, não prejudicar a economia – e para alcançar esse fim valem as ferramentas pautadas por consistência e qualidade. E vale a máxima: os momentos de crise não podem impor iniciativas que não sigam o rigor do melhor conhecimento. E isso é política: a orientação ou a atitude de um governo em relação a certos assuntos e problemas de interesse público. Em outras palavras: trabalhemos pela sociedade e pelos seus interesses com mais políticas de saúde e menos política na saúde.
 
Claudio Lottenberg é presidente do Conselho da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde.