O ‘debate’ sobre política no Programa Pânico seguia agitado quando o entrevistado perdeu a cabeça.
Mais conhecido por ter chorado num vídeo em homenagem ao então juiz Sérgio Moro — ao som de “Como é grande o meu amor por você” — o ativista bolsonarista Tomé Abduch não aguentou quando André Marinho o chamou de “chorão”.
Abduch se levantou da cadeira, estufou o peito e partiu para cima de Marinho — no processo, causando uma distensão no ombro do dono do programa, Emílio Surita, que precisou recorrer a uma tipóia por vários dias.
Na briga que se seguiu, um segurança de Abduch deu um mata-leão em Marinho, que naquele momento viu que o segurança estava armado. “Arma! Arma!” gritou. O programa já tinha saído do ar, mas o Pânico finalmente fez justiça ao nome.
Nos últimos dois anos, a vida de André Marinho tem sido assim: com emoção.
Primeiro, ele viu sua casa no Rio se transformar no QG da campanha presidencial de Jair Bolsonaro. Depois, viu seu pai e Gustavo Bebianno — a quem André chamava de ‘tio’ — romperem com o recém-empossado Presidente, uma inflexão que atraiu a ira dos bolsonaristas e foi seguida pela morte de Bebianno.
Finalmente, Marinho se mudou para São Paulo para trabalhar na Jovem Pan, onde Tutinha sacou que o talento do garoto como imitador de políticos faria bem à audiência.
A coisa parece estar funcionando bem para os dois lados, mas de uns tempos para cá, o Marinho imitador tem coexistido com o Marinho interessado em falar (a sério) sobre política, e o comunicador se tornou um raro contraponto ao bolsonarismo numa rádio que ganhou audiência com a decisão mercadológica de fidelizar um nicho conservador.
Se Marcelo Adnet reinou sozinho com suas imitações impagáveis na eleição de 2018, o páreo vai ser duro em 2022.
O Marinho imitador não deixa nada a dever ao colega: o tom e os trejeitos do seu Marco Aurelio Mello são tão caricatos quanto o próprio, e seu João Dória sempre solta um “BOO-TAN-TAN” que revela o Governador de São Paulo em toda a sua mauricice anglófila engomada.
Seu Sérgio Moro, certa vez imitado na frente do próprio, fez o ex-magistrado protestar — “Eu não falo assim…” — antes de entregar o jogo e cair no riso.
Como na imitação o conteúdo pode ser tão importante quanto a forma, o Ciro Gomes de André Marinho é capaz de definir Caio Coppolla — outro comentarista bolsonarista — como “uma mescla tóxica entre a mitologia neoliberal fascistóide, que é calcada nos impulsos mais primitivos do mercado, essa entidade abstrata, fantasmagórica, que é essa elite rentista, traíra, apátrida — é uma intoxicação ideológica, é baboseira de barão de bucho cheio!” (Veja aqui.)
Mas, claro, o pièce de résistance de Marinho é sua versão de Bolsonaro: tão intelectualmente cavernosa quanto o original, afeita às mesmas piadas de quinta série que o Presidente da República, mas com um carisma que, curiosamente, torna o personagem mais leve que o original. (Ah, Marinho também chama o Meirelles.)
Desde os 12 anos, enquanto os amigos saíam para andar de skate de madrugada, Marinho ficava em casa assistindo gravações de debates presidenciais e aperfeiçoando sua técnica. Coisa de nerd.
O garoto não se interessou só pela política brasileira. Memorizou também os debates americanos, de Kennedy vs Nixon em 1960 em diante. O duelo entre Mitt Romney e Obama foi a primeira eleição que Marinho acompanhou de perto — e naturalmente, aprendeu a imitar os dois. (Com certa estranheza, a família notou que o moleque começou até a usar gel no cabelo quando passou a acompanhar Romney.)
Marinho recentemente reativou seu canal de Youtube e tem dedicado várias horas por semana a produzir vídeos, que publica num Instagram hoje com 252 mil seguidores.
Willem van Weerelt, o lendário diretor que acompanhou Jô Soares por 28 anos em seus programas no SBT e na Globo, acha que Marinho pertence ao streaming, e está se associando ao humorista para criar projetos em outras plataformas.
“O talk show é o formato que mais me encanta,” diz Marinho, que está tentando tropicalizar o formato usado por hosts como Jimmy Fallon, Bill Maher e John Oliver: editoriais que comentam os fatos da semana, juntando política e humor.
Mas nada parece interessar tanto Marinho quanto falar de política — e é isso que o torna perigoso aos olhos do bolsonarismo.
“Essa polarização entre Lula e Bolsonaro persiste, e é péssima para o país,” ele disse ao Brazil Journal. “O melhor candidato não será nem um nem outro, e rejeitar um não implica aceitar o outro. O Brasil tem que voltar a conversar, fazer política e buscar a convergência. Não dá pra aceitar o ‘menos pior’. O país merece o ‘muito melhor’.”
Falou como um humorista, ou, quem sabe, um político em gestação.