Pela primeira vez, a Americanas reconheceu hoje que as “inconsistências contábeis” encontradas em seus balanços foram causadas por fraude.
A culpa, segundo um fato relevante divulgado hoje cedo, é da “diretoria anterior”. A companhia citou nominalmente o ex-CEO Miguel Gutierrez, os ex-diretores Anna Christina Ramos Saicali, José Timótheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, e os ex-executivos Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes.
A conclusão é dos assessores jurídicos da empresa e se baseou no relatório do comitê independente criado pela própria Americanas para investigar o assunto e em “documentos complementares identificados pela administração e seus assessores após as reuniões com o comitê”.
Ainda segundo o fato relevante, o conselho de administração orientou a companhia e os assessores a “avaliar as medidas visando ao ressarcimento dos danos causados pela fraude em suas demonstrações financeiras”.
“É uma admissão de culpa e vamos avaliar quais medidas podem ser tomadas a partir de agora, especialmente quando saírem os resultados de outras investigações, como as da CVM, que podem trazer outros culpados”, disse um credor da Americanas. “Fraudes precisam ser punidas”.
A empresa informou o tamanho da fraude: R$ 21,7 bilhões em contratos de verba de propaganda cooperada e instrumentos similares (conhecidos como VPC). Essas verbas são pagas pelos fornecedores aos varejistas para expor seus produtos em lugares nobres nas gôndolas das lojas físicas ou em seus sites.
A Americanas contabilizou o recebimento dessas verbas no balanço sem nunca ter recebido esses recursos dos fornecedores, tudo com o objetivo de inflar “artificialmente os resultados operacionais,” diz o fato relevante.
Considerando juros, o rombo chega a R$ 25,3 bilhões, o que torna o patrimônio líquido da Americanas negativo em R$ 10,6 bilhões, sem contar eventuais prejuízos no fim de 2022 e neste ano, calcula Charles Putz, especialista em governança e sócio-fundador da Verena Ventures.
O fato relevante diz ainda que a “diretoria anterior” contratou financiamentos bancários “sem as devidas aprovações societárias” e contabilizou as operações de forma inadequada na conta fornecedores. Ou seja, é um passivo que estava no balanço, mas no lugar errado, englobando um total de R$ 18,4 bilhões em risco sacado e R$ 2,2 bilhões em capital de giro.
Nas contas de Putz, quando esses valores são contabilizados da forma correta, o total de empréstimos e financiamentos de curto prazo sobe de R$ 3,3 bilhões para R$ 23,9 bilhões – além dos R$ 15,65 bilhões de empréstimos e financiamentos de longo prazo.
“Não é concebível que os auditores externos tenham deixado passar tudo isso, especialmente um erro de VPC de R$ 21,7 bi, que é uma conta que chama a atenção,” disse Putz.
“Também é difícil entender como os bancos não viram uma dívida desse tamanho ao comparar o que estava no balanço da Americanas com seus próprios números.”
A empresa informou que “os ajustes contábeis derivados dos fenômenos acima são preliminares, não auditados e ainda estão sujeitos a alterações”.
“Da mesma forma, o efeito desses ajustes nos resultados da companhia ao longo do tempo ainda está sendo apurado, mas a expectativa da administração é de que o impacto nos resultados mais recentes seja significativo.”