Quando o navio abalroou a Francis Scott Key Bridge em Baltimore, uma equipe da Response — subsidiária da Ambipar — apareceu no local do desastre no mesmo dia. Volta e meia, quando um navio tem problemas operacionais e bloqueia o Canal de Suez, é a Ambipar que recebe o chamado para desobstruir a passagem.
Em sua outra grande vertical de negócios, a companhia acaba de inaugurar a maior planta de reciclagem da América Latina em Santiago, no Chile. E, no mês que vem, vai abrir no Recife uma planta que fabrica garrafas PET a partir de plástico reciclado – a segunda da companhia.
Apesar dessas missões críticas para grandes clientes – e de um negócio que a coloca no coração da economia circular – a Ambipar está vendo sua ação negociar nas mínimas históricas, em meio a um endividamento pesado depois de uma agenda agressiva de M&As e queixas de investidores sobre sua comunicação.
Agora, o fundador e controlador da empresa, Tércio Borlenghi Júnior, resolveu lidar com os problemas de frente, assumindo um protagonismo maior. Em sua primeira entrevista desde o IPO da empresa, Tércio disse ao Brazil Journal que vai desalavancar a companhia mais rápido do que havia prometido – em boa parte com a venda de ativos – e melhorar a comunicação com o mercado.
A Ambipar tem hoje uma dívida líquida de R$ 5 bilhões, uma alavancagem de 3,1x o EBITDA dos últimos 12 meses.
Na sexta-feira, a companhia fechou o pregão valendo R$ 1,35 bilhão. A ação negocia hoje ao redor de R$ 8, comparado a R$ 24,75 no IPO e um pico de R$ 68,40 em agosto de 2021.
Por que a ação da Ambipar está negociando na mínima histórica?
Do nosso lado, acho que tivemos muita dificuldade de explicar o potencial da companhia, as alavancas de geração de valor das diferentes linhas de negócio. É o que começamos a fazer agora, e vamos fazer com cada vez mais ênfase.
Vamos estar mais próximos das casas de investimento, dos fundos, e mostrar o que estamos fazendo, todo o planejamento, para todo mundo entender o caminho da companhia. E eu vou passar a fazer isso pessoalmente.
Olhando o valor de mercado da empresa desde o IPO, por que você acha que a ação caiu tanto? É só um desconhecimento do mercado do que vocês estão fazendo?
Teve o fator dos juros também, que atrapalha bastante, e acho que alguns investidores ficaram chateados de terem sido diluídos no follow-on. Temos percebido também que tem muito short na ação, e temos olhado isso de perto.
A gente também alavancou a companhia, mas entendemos que isso foi uma estratégia assertiva. Porque estávamos e estamos navegando num oceano azul. Então fizemos muito rápido para crescer e tomar mercado. E os M&As que fizemos aumentaram muito nosso mercado endereçável e criaram uma barreira de entrada enorme. Nesse setor, só a gente tem capilaridade, multi-produtos, multi-serviços, e é globalizado.
Que medidas você pretende tomar no curtíssimo prazo?
A ação está ridiculamente barata, então na segunda-feira [hoje] vamos anunciar um programa de recompra, sem comprometer nossa meta de desalavancagem. Queremos ter esta opcionalidade. Veja, a Ambipar cresce sua receita 6,7x mais que a mediana dos nossos peers globais, nossa margem EBITDA é 10 pontos percentuais acima da deles, e o nosso ROIC é de 28% contra 13% da mediana do setor. Apesar disto tudo, nosso múltiplo está amassado por causa do endividamento, e vamos lidar com isso já. Vamos desalavancar esta empresa em até 12 meses.
Duas semanas atrás, vocês deram um guidance de desalavancagem para o final de 2026. Agora você está dizendo 12 meses. É uma mudança?
Sim. Nós fomos conservadores naquele guidance, e temos um alto grau de convicção de que conseguimos fazer isso em até 12 meses. Então, sim, estamos mudando o guidance. Estamos confiantes.
Neste domingo, saiu uma nota num jornal dizendo que a companhia quer comprar um jato corporativo de US$ 54 milhões. Não é incongruente?
Mais do que incongruente, isto é uma loucura e uma aberração – se fosse verdade! Você imagina que alguém seria tão irresponsável em fazer uma coisa dessas? Ter uma empresa que está alavancada e querer fazer um gasto desse? Seria uma excrescência! Eu lamento que o jornalista não tenha nos ouvido antes, mas estamos publicando ainda hoje um comunicado explicando que não tem nada disso. Ninguém aqui é louco nem irresponsável.
Agora, essa nota que saiu tem pai e mãe. Tem muita gente short no nosso papel, então uma notícia plantada assim não sai à toa.
Alguns investidores acham que vocês perderam um pouco a mão nos M&As e no capex. Vocês acham que poderiam ter sido menos agressivos nessa frente?
O caminho que fizemos foi o certo, porque tínhamos que consolidar o mercado. Mas dito isso, o que estamos fazendo agora é olhar para dentro da companhia e voltar ao que éramos nos primórdios, quando tínhamos uma alavancagem de 2x-2,5x EBITDA.
Não erramos na estratégia. Podemos ter errado sim em alguma aquisição ou outra, de não dar o resultado que a gente esperava. Mas na esmagadora maioria das cerca de 70 aquisições que fizemos, a gente acertou.
E das pouquíssimas que não deram certo, o modelo com que fazemos as aquisições nos garante um retorno, porque fazemos aquisições parceladas, com earnout. Esse modelo que criamos nos dá uma garantia de um retorno. Tanto que, no quarto trimestre, teve uma das aquisições que não atingiu a meta e tivemos um desconto na parcela.
Esse é o modelo de consolidação global. Todas as empresas globais do setor têm seguido esse mesmo caminho. E se você olhar a nossa alavancagem, ela está em linha com essas empresas. É verdade que o custo lá fora é mais barato que o nosso, mas esse é o playbook do setor. E fazendo todas essas comparações, a gente não acha que errou. Fizemos nossa lição de casa que foi consolidar mercado e abrir espaço para crescer organicamente.
E agora você diria que vocês já consolidaram o mercado? As aquisições vão parar?
Sim. Agora vai ser aquisição zero até a gente atingir os 2,5x EBITDA que passamos de guidance.
Mas depois que a alavancagem cair para 2,5x EBITDA, a ideia é voltar a pensar em aquisições?
Caindo para 2,5x EBITDA ou menos, a gente vai começar a pensar nos próximos passos e em outras aquisições. Aí é outro momento e outro projeto.
Essa empresa teve três fases. A fase pré-IPO, que foi a fase zero, na qual crescemos muito organicamente. A fase um, pós-IPO, em que crescemos aceleradamente e ganhamos mercado e nos tornamos referência.
E agora vem a fase dois, que é a fase de olhar para dentro, para o crescimento orgânico. Depois disso vai vir a fase três, mas para isso vamos estar muito bem posicionados para seguir com o crescimento.
Você disse que o foco da empresa hoje é desalavancar e chegar a 2,5x EBITDA em 12 meses. Como vocês vão chegar nessa meta?
Fizemos um trabalho com uma das quatro maiores companhias de auditoria, que calculou onde temos eficiências tributárias. A companhia cresceu muito por M&As, então tem a geração de ágio. Temos um potencial de aproveitamento de R$ 1,8 bi de ágio fazendo uma reorganização societária. A gente também alavancou na holding, e isso trouxe uma ineficiência tributária. Temos outros R$ 600 milhões de prejuízos fiscais que podem ser aproveitados.
Além disso, fizemos um levantamento da venda de ativos ociosos, que trariam um caixa imediato. Estamos negociando com três grandes companhias de aluguel para vendermos uma grande parte de nossa frota e depois alugá-las de volta. Isso levantaria dinheiro de imediato.
A gente também contratou a Visagio, que está fazendo todo um trabalho de automação e de ganho de eficiência com redução de custos. Como compramos muitas empresas, existe muita redundância em vários lugares, em TI, no administrativo, no RH… Com todo esse trabalho vamos conseguir dar uma boa enxugada, levando tudo isso para o centro de serviços compartilhados.
Quais outras medidas vocês vão tomar?
Temos empresas no Nordeste, em Manaus, no Sul, no Centro-Oeste, e existem incentivos estaduais e federais que não aproveitamos hoje. Todo mundo já está com essa meta. Para cada empresa nessas regiões, vamos atrás dos incentivos, para trazer mais margem.
Tem também duas fábricas de reciclagem que já construímos, uma no Chile e outra em Recife, que vão trazer uma geração de caixa grande para a empresa.
A fábrica no Chile deve faturar US$ 32 milhões nos próximos cinco anos, com um EBITDA de US$ 19 milhões. Já a do Recife, que pega o reciclável e faz a pré-forma das garrafinhas com plástico reciclável, vai inaugurar em julho e em cinco anos a previsão de faturamento é de R$ 750 milhões com R$ 190 milhões de EBITDA. Tudo isso vai entrar sem ter nenhum capex novo.
Fora isso, temos cinco grandes contratos já em negociação final com multinacionais químicas, alimentícias e de fertilizantes. São contratos de ‘take or pay’, em que o cliente garante a compra e entra investindo, pra gente não ter que fazer o capex.
Mas como funcionam esses contratos? Vocês não vão ter que fazer nenhum capex para essas fábricas?
Vou dar um exemplo: o fabricante de equipamentos entra com um percentual, o cliente entra com um percentual, e a gente entra com o know how e com a captação dos insumos. Porque, na prática, a Ambipar tem acesso a muitos resíduos plásticos que são a matéria-prima para a indústria de transformação. Como temos essa facilidade de captação e uma capilaridade grande, desenhamos esse projeto junto com eles para poder fazer o contrato de ‘take or pay’, onde eu garanto a matéria-prima e ele investe no equipamento.
E você teria zero de capex nesses projetos?
O capex é bem mínimo, muito baixinho… E para um negócio que vai gerar muito caixa. Esses cinco projetos em negociação são na casa dos bilhões.
E qual deve ser o impacto de todas essas medidas nos números de vocês?
Com tudo isso que estou falando, esperamos crescer 10% a receita este ano e também estamos estimando uma melhora grande da margem EBITDA. Hoje fazemos 30% de margem EBITDA e estamos estimando que em 12 meses ela suba para 33%.
Você falou de venda de ativos. Tem algum desinvestimento que vocês poderiam fazer?
De desinvestimento não tem nada. O que tem é venda de ativos como máquinas e caminhões. Em vez de ter o caminhão, a gente vai passar a alugar.
E quanto vocês acham que isso pode gerar de caixa?
Acredito que podemos vender grande parte destes ativos em um ano, o que levantaria cerca de R$ 600 milhões. Mas isto é apenas uma medida que vamos tomar. Eu quero que as pessoas entendam o conjunto da obra, o conjunto de medidas que estamos tomando.
Do IPO até aqui a estratégia de vocês foi de crescimento rápido, e a empresa foi estruturada para isso. Agora que a estratégia mudou e o foco é a reestruturação, como vocês estão adaptando a companhia para este novo momento, do ponto de vista das lideranças, por exemplo?
A gente aumentou recentemente os conselheiros independentes, contratamos consultorias para fazer estudos de mercado e estudos tributários.
Contratamos a Visagio para fazer toda a parte de mapeamento, para implementar mais rápido a parte de sistemas e avaliar a parte de duplicação de funções. Estamos adaptando dessa forma. E com reunião dia sim dia sim com todo mundo, com os heads de cada vertical.
Do ponto de vista de pessoas também temos estruturado bastante o time e feito algumas mudanças. Porque uma coisa é faturar os R$ 500 milhões de antes do IPO, e outra é faturar os R$ 5 bi de hoje. As próprias aquisições trazem muita gente boa.
De todas as medidas que você comentou, qual vai contribuir mais para a desalavancagem?
É tudo. Mas o importante é o conjunto da obra, de todas as ações. O tributário é parte disso, e é uma iniciativa de médio e longo prazo. Hoje, para você ter uma ideia, nossa carga tributária está em torno de 40%. Os investidores pegam muito no nosso pé por isso, e eles estão certos, porque nossa carga deveria ser no máximo 25%. Porque temos muito faturamento lá fora, onde o imposto é menor.
E por que o imposto é alto hoje?
Porque a gente não aproveita o ágio. Tem empresas que temos que fazer a incorporação. Tem a alavancagem da holding também. Tem todo esse trabalho que vamos começar a fazer agora com mais celeridade.
E vocês acham que conseguem baixar para os 25%?
A meta é essa. Mas nessa parte tributária, tem o ágio e o prejuízo fiscal, que é um trabalho de longo prazo, porque no prejuízo fiscal você tem a limitação dos 30% e o ágio você tem que fazer a incorporação reversa aproveitando em 60 meses.
Mas vamos fazer e, inclusive, criamos um incentivo de longo prazo para todos os heads que estão à frente disso. Quanto mais rápido eles fizerem, mais dinheiro eles colocam no bolso.
Mas isso você acha que vai começar a aparecer quando no balanço?
A partir do quarto tri, e com mais força no ano que vem.
O mercado tem especulado que no aumento de capital do ano passado você teria se financiado junto a bancos para colocar os seus R$ 560 milhões. Teve isso, ou o dinheiro era todo seu?
Já tive que responder umas dez vezes isso. Não teve nada disso. Foi dinheiro da família mesmo. Não teve nada de financiamento.
Com a Bolsa com tantos ativos baratos e menos endividados, por que um investidor deveria investir na Ambipar? Como você convenceria um fundo a colocar dinheiro na empresa?
Por que a Ambipar de fato cuida do meio ambiente. Num momento em que fica cada vez mais claro que temos que nos preocupar com o meio ambiente, nós cuidamos deste assunto há 30 anos, e nosso plano é ser a maior do mundo. Temos contratos de longo prazo com nossos clientes e 25% da nossa receita é em moeda forte. E provamos nossa resiliência crescendo em todas as crises.
Nesse nosso mercado de reciclagem de resíduos industriais e pós-consumo, que é praticamente virgem, e com tudo que fizemos nesses últimos quatro anos, nosso crescimento vai ser maior ainda organicamente.
Você pensa em fazer outro follow-on para ajudar na desalavancagem?
Não vou fazer. Não tem a menor necessidade. O preço da ação está ridiculamente baixo. Isso está totalmente descartado. A desalavancagem vai vir dessas ações que eu expliquei.
E também não vou fazer OPA, mesmo estando barato. Porque o mercado de capitais abriu um portão tão grande pra gente que não queremos sair nem agora nem nunca.
No primeiro tri, vocês divulgaram que tiveram um custo de R$ 135 milhões para a emissão do green bond de US$ 750 mi que vocês levantaram, e ainda tiveram que pagar R$ 51 milhões em multas para pré-pagar as debêntures. O mercado avaliou esse custo como muito alto. Que avaliação você faz?
Se você avaliar o NPV deste liability management, ele é marginalmente positivo, considerando o duration e o custo menor. Saímos de 3,3 anos para 6 anos de duration, e o custo saiu de CDI + 3,2% para aproximadamente CDI + 2%.
No segundo tri, ainda haverá multas a pagar relacionadas a novos pré-pagamentos?
Sim. Será um volume menor, porque já pré-pagamos as primeiras dívidas onde de fato tínhamos um custo de captação maior. Agora vai ser menor e depois acabou. A partir do terceiro tri, o liability management já foi feito, e a companhia vai crescer organicamente, clean, com todas as dívidas reperfiladas.
No terceiro tri já deve ter uma geração de caixa livre positiva na estimativa de vocês?
Esperamos que a partir do quarto tri a empresa já apresente geração de caixa livre.