Desde que foi criado pela FGV no final dos anos 80, o IGP-M se tornou o indexador dos contratos para 12 milhões de famílias que moram de aluguel no País.
Ainda assim, nem com uma arma na cabeça proprietários e inquilinos conseguem dizer o que tem dentro do índice.
A verdade incômoda: o IGP-M talvez seja um dos piores índices que poderiam ser adotados para reajustar os alugueis.
Commodities como minério de ferro e soja — importantes para o PIB mas desconectados da vida do brasileiro médio — respondem por 13% do peso do índice, mas como ambos dobraram de preço neste ano, contribuíram juntos com 30% da alta recente do índice, que sobe 24,5% nos doze meses até novembro.
A origem do problema remonta à hiperinflação dos anos 80/90. Como a lei proibia indexar os alugueis ao câmbio (a única âncora de valor real numa economia em frequente pandemônio), os donos de imóveis procuraram the next best thing: o índice com maior aderência ao dólar. (Nenhuma lei obriga o uso do IGP-M nos alugueis, mas de lá pra cá ele se tornou amplamente aceito).
Essa convenção, no entanto, pode estar a caminho do museu.
Percebendo o descolamento do índice da realidade econômica dos inquilinos — e tentando evitar uma onda de defaults ou negociações infinitas — o Quinto Andar decidiu há duas semanas trocar o IGP-M pelo IPCA nos alugueis fechados em sua plataforma.
O IGP-M tem um histórico de ineficiência. Por exemplo: toda vez que há uma desvalorização mais aguda do câmbio, o índice descola do valor em que os alugueis acabam sendo reajustados. Com o índice apontando um reajuste fora da realidade, muitos inquilinos partem para a negociação direta com os proprietários, e os acordos acabam ficando mais em linha com o IPC-M, o índice ao consumidor que compõe o IGP-M. (Pior: alguns inquilinos sequer tentam negociar, e alguns proprietários não aceitam propostas, gerando custos e fricção para os dois lados, que acaba com o imóvel vago).
A mudança feita pelo Quinto Andar foi vista como uma boa notícia por Dório Ferman, um dos fundadores do Opportunity. Anos atrás, Dório identificou uma ineficiência em outro índice: o INCC, usado para corrigir os contratos de venda de imóveis durante a obra.
Com 50 anos de experiência em incorporação imobiliária, Dório notou por volta de 2012 que algo estava errado com o INCC. O Brasil ainda vivia o boom econômico deixado pelo anos Lula — mas incorporadoras e construtoras de renome e tradição estavam quebrando, sem motivo aparente.
Ao estudar o assunto com Eduardo Marques, um dos economistas da gestora, Dório viu que o INCC não estava mais refletindo adequadamente os custos da construção civil. Uma mudança silenciosa mas importante havia acontecido nas relações de trabalho do setor, com implicações dramáticas para o índice.
Na composição do INCC, 54% do peso reflete o custo da mão de obra; os outros 46% são o custo do material. Antigamente, todos os funcionários de uma obra eram contratados diretamente pela incorporadora, e tinham seus salários corrigidos pelo dissídio, tipicamente 6% ao ano.
Mas ali por volta de 2012, as incorporadoras já haviam embarcado na onda da terceirização, com um efeito colateral imprevisível; quando o mercado fica muito aquecido, o peão troca de obra, muitas vezes para ganhar o dobro. Esta variação de custo — muito maior que o dissídio — não é capturada pelo INCC.
Com os dados na mão, Dório bateu às portas de vários colegas incorporadores para propor um movimento coletivo pelo aprimoramento do índice.
“A maioria não me deu ouvidos. Teve um que me perguntou ‘qual o interesse do Opportunity nesse assunto?’, e um deles, um dos maiores do País, me disse: ‘Esse INCC é sempre menor que o meu custo, então eu sempre coloco o INCC + 4%, e estou bem assim’,” diz Dório.
Mas um grupo importante lhe deu ouvidos: os técnicos da FGV. A instituição que criou o índice já havia identificado os problemas e estava buscando aperfeiçoá-lo.
Hoje, uma equipe formada pelos professores Vagner Ardeo, Aloisio Campelo Júnior, Andre Braz, e Ana Maria Castelo está trabalhando para aprimorar a metodologia.
“O índice bom é o bem de todos,” Dório disse ao Brazil Journal. “Já um índice ruim é um jogo de perde-perde. Ocasionalmente, um lado ganha e o outro perde — mas depois inverte. O resultado líquido é: todos perdem.”
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