O massacre da escola Sandy Hook, em Newtown, Connecticut, ocorreu em 14 de dezembro de 2012. No dia seguinte, Robbie Parker – pai de Emilie, uma das 20 crianças assassinadas – resolveu fazer um pronunciamento público para homenagear a filha.
Sem jeito, Parker sorriu ao tomar seu lugar diante dos repórteres, desculpando-se por não estar acostumado a falar em público. Foi um sorriso nervoso, constrangido, de poucos segundos – mas o suficiente para deflagrar mais de uma década de difamação e xingamentos na internet.
Alex Jones, o dono e a maior estrela do site sensacionalista InfoWars, orquestrou esse linchamento moral em uma campanha obscena que acusava Parker e outros pais de forjar a morte dos próprios filhos. Este caso extremo de mistificação e conspiracionismo é dissecado em The Truth vs. Alex Jones, um excelente documentário da HBO disponível na plataforma Max.
Jones aproveitou a cena para insuflar a teoria conspiratória que já havia aventado poucas horas depois do massacre: fora tudo uma encenação, uma farsa montada para roubar dos americanos o sagrado direito de portar armas de fogo.
O sorriso de Parker, seguido de uma fala compungida sobre a filha, supostamente provava que ele era um ator representando um papel a serviço do deep state.
Mestre do conspiracionismo, Alex Jones começou sua carreira em programas de rádio e TV em Austin nos anos 90. Com seu estilo bombástico, muito rapidamente conquistou fama nacional – consolidada em 2001, já à frente do InfoWars, quando espalhou que o governo havia arquitetado os ataques terroristas de 11 de setembro.
Jones desenvolveu um modelo de negócio eficiente: seus programas de notícias (falsas) vendem suplementos e medicamentos que serviriam para combater intoxicações misteriosas que só existem nas teorias conspiratórias divulgadas pelo próprio Jones.
Dirigido pelo britânico Dan Reed, The Truth vs. Alex Jones pode ser duro de assistir. São devastadores os depoimentos dos pais falando dos últimos momentos com seus filhos, na manhã do atentado. O horror em Sandy Hook é reconstituído pela narração sóbria de Daniel Jewiss, um investigador da polícia de Connecticut que trabalhou no caso.
Ele narra, passo a passo, a ação do homem que entrou atirando na porta de vidro da escola e, seis minutos mais tarde, matou-se com um tiro na cabeça – depois de assassinar seis educadoras e 20 crianças com idades entre seis e sete anos.
Com melancólica dignidade, Jewiss faz questão de nomear todos os 26 mortos.
O luto inominável dos pais foi conspurcado por Alex Jones. Embora absurdas, suas mentiras sobre um falso massacre armado pelo governo convenceram milhões de crentes. Nas redes sociais, pais que ainda enfrentavam o luto pela morte brutal de seus filhos sofreram ataques sórdidos.
Parker e sua mulher, Alissa, montaram uma página em memória de Emily, cujos posts logo foram inundados por mensagens odiosas e até por ameaças. Sem a mínima noção de realidade ou de decência, os conspiracionistas diziam que Emilie ainda estava viva – ou que na verdade nunca havia existido.
Em 2018, os pais revolveram dar um basta. Neil e Scarlett Heslin, que perderam o filho Jesse no massacre, abriram um processo por difamação e danos emocionais contra Jones em uma corte no Texas (a sede do InfoWars fica nesse estado). Pouco meses depois, outras seis famílias entraram com um processo conjunto, em bases similares, no estado de Connecticut.
O documentário apresenta depoimentos prestados por Jones ao longo dos dois processos. No Texas, sua atitude foi errática: às vezes parecia acuado, respondendo com evasivas às perguntas mais difíceis; em algumas ocasiões, porém, buscou se mostrar conciliatório. Na corte em Connecticut, Jones foi mais desafiador, apresentando-se como um dissidente que o establishment tentava calar.
Derrotado nos dois processos, Jones foi condenado a pagar mais de um bilhão de dólares em indenizações aos pais. Não pagou até hoje. Sua empresa, a Free Speech Systems, declarou falência.
Jones e seu InfoWars estão alinhados com a alt-right americana. Espalham mentiras sobre vacinas, negam a vitória de Joe Biden em 2020 e apoiam Vladimir Putin em sua guerra contra a Ucrânia.
O documentário mostra um trecho de uma entrevista muito amigável de Donald Trump ao apresentador do InfoWars, mas não se aprofunda nas convicções ideológicas de Jones. Tampouco entra no debate sobre liberdade de expressão, que na verdade tem menos importância no caso do que Jones quer fazer crer – ele não foi processado por suas ideias políticas, mas por difamar de forma covarde pessoas que sofreram uma perda inimaginável.
O que The Truth vs Alex Jones demonstra é a extensão do dano que a mentalidade conspiratória pode causar – e a assustadora popularidade que ela conquista.