O BNDES tem duas fontes principais de financiamento: o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e o Tesouro Nacional.
Desde o Plano Real, a taxa de juros que remunera os empréstimos do FAT para o BNDES é a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Essa taxa é definida por decreto a cada três meses e, em geral, é fixada abaixo da taxa de juros de captação do Tesouro Nacional — ou seja, é uma taxa totalmente discricionária, ao gosto do governo de plantão.
Como o Tesouro toma dinheiro emprestrado no mercado a uma taxa mais alta (e empresta ao BNDES a uma taxa mais baixa), a diferença entre as duas taxas hoje é bancada por toda a sociedade brasileira, por cada cidadão e empresa que paga imposto. Na hora de fazer a contabilidade do Tesouro, a diferença entre essas taxas aparece na conta de juros do setor público, fazendo com que a dívida pública do Brasil cresça mais rapidamente.
Esse subsídio da sociedade a quem toma empréstimos no BNDES sempre existiu, mas o problema se tornou mais agudo a partir de 2008, quando o Governo Lula fez explodir os empréstimos do Tesouro para os bancos públicos. Essa política, que deveria ter sido temporária, foi prolongada e intensificada até 2014. Para você ter uma ideia, de 2007 a 2014, o saldo dos empréstimos do Tesouro para bancos públicos, em especial o BNDES, passou de R$ 14,15 bilhões para R$ 545,61 bilhões. Isso é um aumento de 40 vezes.
A TLP que estamos propondo começa a vigorar em janeiro de 2018 num nível igual ao da TJLP. A partir dali, ela vai convergindo para o nível da NTN-B, o título do Governo que é corrigido pela inflação. Daqui a cinco anos, a TLP será igual à NTN-B, ou seja, o BNDES estará emprestando a taxas de mercado, e a sociedade não terá que aumentar impostos para bancar o prejuízo que existe hoje e que beneficia, em geral, empresas grandes que poderiam se financiar no mercado.
Quais os benefícios da TLP?
Os benefícios são muitos. Primeiro, aumenta a potência da política monetária, o que significa que a intensidade das flutuações da taxa de juros no futuro serão menores. Explico. Como há uma parcela muito grande do mercado de crédito que paga TJLP, isso torna a política monetária menos eficaz. Ou seja, quando o BC tem que aumentar os juros, a Selic tem que subir muito mais do que poderia sob outras circunstâncias, pois seu efeito é concentrado apenas em parte das operações de crédito.
Com a TLP, a tendência é que os juros sejam menores.
Segundo, a política de subsídios não deve ser regra geral e deve sempre seguir três condições básicas na escolha de projetos subsidiados: projetos que apresentam retorno para a sociedade maior que o retorno privado; o retorno privado é menor que o custo do capital para o investimento; e o retorno esperado para a sociedade é maior que o custo de intervenção.
Terceiro, e mais importante, com a mudança da TJLP para a TLP, gradualmente e ao longo da transição de cinco anos, as condições de empréstimos passarão a ser mais homogêneas para todas as empresas, o que é o desejo de todo mundo, ou seja, que as empresas prosperem pelo mecanismo saudável de competição no mercado e não porque algumas tem acesso a mais crédito subsidiado do que outras.
O presidente do BNDES fez uma crítica à TLP, dizendo que, como ela será igual à NTN-B, ela pode ser uma ‘taxa nervosa’.
É ótimo que um economista do calibre do Paulo Rabello de Castro participe deste debate. Neste caso, temos que fazer duas observações.
Em primeiro lugar, a TLP só vai convergir para o nível da NTN-B daqui a cinco anos, e toda a sociedade brasileira (incluindo o atual Governo) está trabalhando para termos um País muito mais sólido em termos fiscais quando chegarmos lá. Então, tenho que acreditar que isso não será um problema. Com a aprovação da PEC do Teto dos Gastos e da reforma da Previdência, o Brasil terá uma meta de inflação mais baixa, risco de crédito muito melhor e taxas de juros mais baixas em cinco anos. Nesse contexto, é possível que a TLP em cinco anos seja até menor que a TJLP de hoje.
Em segundo lugar, quando o tomador assinar o contrato de empréstimo, a taxa será fixada naquele momento, e não flutuará ao longo do período.
O relator dessa reforma é o deputado Betinho Gomes, do PSDB de Pernambuco. O presidente da comissão é o Lindberg Farias (PT-RJ). Nesta semana terão início diversas audiências públicas, o que vai ser muito bom para o aprofundamento do debate no Congresso.
É importante que as pessoas debatam intensamente a proposta. Isso é a praxe em qualquer democracia. Na visão do governo, que sempre pode ser aperfeiçoada através do debate democrático, a mudança da TJLP para TLP é fundamental para ajudar na queda estrutural dos juros e dar mais transparência a política de subsídios.
O Governo sempre vai poder conceder subsídios mas, com a aprovação da TLP, esses subsídios serão explícitos, e o seu custo, mais claro, como exige a sociedade.
Outro projeto estrutural muito relevante que já está no Congresso é o que muda a governança das agências reguladoras. As agências hoje são reféns dos ministérios a que estão subordinadas. O Brasil está careca de reclamar da falta de infraestrutura, e me parece que esse PL cria condições para resolver boa parte do problema.
Esse PL das agências reguladoras foi aprovado no Senado, em dezembro de 2016, e hoje está na Câmara dos Deputados. O projeto é importante, mas há ainda um debate porque alguns parlamentares têm levantado a preocupação legítima de que, talvez, alguns pontos do projeto estejam excessivamente duros, como a exigência de uma quarentena prévia antes de alguém ser indicado como diretor de uma agência reguladora.
Mas o projeto inova em vários pontos e todos tem acenado positivamente com as mudanças principais que estão lá. Primeiro, seguindo a mesma linha da nova lei de governança das estatais, a nova lei fará uma série de exigências de qualificação para alguém ser indicado para diretor de uma agência reguladora. Hoje, essas exigências não existem.
Segundo, as agência reguladoras, que hoje são subordinadas aos ministérios que fiscalizam, passariam a ser unidades orçamentárias independentes vinculadas, do ponto de vista orçamentário, diretamente ao Ministério do Planejamento. Isso aumenta de fato a independência das agências.
Terceiro: no passado, tivemos problemas da falta de quórum de diretores de algumas agência reguladoras para a tomada de decisão. Com essa proposta em tramitação na Câmara se cria a figura do ‘diretor substituto’ que vem de uma lista tríplice de funcionários da própria agência reguladora. Em caso de vacância, imediatamente assume o diretor substituto até que um novo seja indicado pelo Governo e aprovado pelo Senado Federal.
Por fim, cada regulação nova terá que passar por uma análise de impacto regulatório. As agências reguladoras deverão analisar o impacto das suas decisões o que será muito bom para o trabalho das agências e para a legitimidade de suas decisões perante à sociedade.
Como o atraso na reforma da previdência pode afetar a despesa no curto prazo?
A equipe econômica sempre destacou que a reforma da previdência é essencial para o equilíbrio das contas públicas no médio e longo prazo e que, sem essa reforma, ficaria impossível cumprir o Novo Regime Fiscal ao longo do tempo. Não apenas isso, seria necessário um forte aumento da carga tributária para pagar aposentadorias e pensões.
A reforma da previdência vai beneficiar do ponto de vista fiscal muito mais os próximos governos do que este governo, porque a economia maior vem no médio e longo prazo. Todos os candidatos a presidente em 2018 deveriam apoiar essa reforma.
Além do nosso gasto com previdência (13% do PIB) ser excessivamente elevado para o percentual de pessoas idosas na população brasileira — o que chamamos de razão de dependência — essa relação vai triplicar ao longo dos próximos 40-45 anos. Não há como ter contas públicas equilibradas no médio e longo prazos sem uma ampla reforma da previdência.
Mas há algum risco de não-cumprimento do Novo Regime Fiscal, que estabelece que a despesa primária (a despesa não-financeira) do governo central deve crescer de acordo com a inflação do ano anterior?
Não há risco. Do lado da despesa de curto prazo, o governo vem fazendo o dever de casa. Neste ano até maio, a despesa primária do governo central teve queda real de 1,1% e o governo fez um corte no orçamento de R$ 42 bilhões no inicio do ano. Esse corte foi tão forte que a ideia é que, com a recuperação da receita, parte desse contingenciamento seja liberado.
Para o ano, o Tesouro projeta crescimento real “zero” da despesa primária, apesar da forte queda da inflação. E, para o biênio 2017-2018, as projeções do governo são de uma queda da despesa primária de 1 ponto de percentagem do PIB em relação ao ano de 2016, a primeira queda seguida por dois anos desde o início dos anos 90. Ademais, neste ano, o valor real das despesas discricionárias voltará ao valor de 2010.
Ou seja: por qualquer que seja o critério, o governo está controlando o máximo que pode a sua despesa de curto prazo. No entanto, no médio e longo prazo, o desafio maior agora passar a ser o controle das despesas obrigatórias (pessoal, subsídios, previdência, etc.).
Por fim, o maior desafio agora vem da arrecadação para o cumprimento da meta do primário. A economia já entrou em trajetória de recuperação. O que é ainda incerto é a velocidade de recuperação e também como esse crescimento aparecerá na recuperação da receita, pois, num primeiro momento da saída da recessão, as empresas tem muito crédito acumulado para abater do imposto devido, o que atrasa um pouco o crescimento da receita.
Estamos monitorando com cuidado todos os cenários e, se necessário, adotaremos as medidas necessárias adicionais para garantir o cumprimento tanto da despesa pelo Novo Regime Fiscal bem como a meta do primário.