O Marco do Saneamento já liberou dezenas de bilhões de reais em investimento privado – mas o Governo Lula está preocupado em proteger as empresas estatais do setor.

O Presidente deve assinar hoje dois decretos que mexem em pontos importantes do Marco do Saneamento — e podem atrasar o investimento privado, que vinha ganhando tração no setor nos últimos anos. 

Na prática, os dois decretos permitem que estatais ineficientes continuem operando por mais tempo, prejudicando a expansão das empresas privadas. 

As principais mudanças são a prorrogação do prazo para a chamada regionalização até dezembro de 2025 e a garantia de que as estatais continuem tendo acesso a recursos federais também até esse prazo.  

Os decretos também permitem que as estatais operem em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões sem a necessidade de licitação, e criam novos critérios e prazos para as estatais comprovarem sua capacidade financeira. 

Outra mudança: os decretos removem o limite de 25% da receita para a contratação de PPPs, abrindo espaço para mais contratos desse tipo.

“Parece que o governo quer que o crescimento do saneamento seja feito via PPPs e não por meio de empresas completamente privadas,” disse um analista. “O crescimento eventualmente vai vir, mas provavelmente num ritmo muito mais lento e por meio de estatais ineficientes.”

A extensão do prazo para a regionalização dos serviços é uma forma do Governo dar mais tempo para os Estados se adequarem.

O Marco Legal definiu que as estatais precisam operar de forma regionalizada para garantir que elas não foquem apenas nos municípios mais rentáveis, deixando os municípios menos atrativos em segundo plano.

Segundo a regra anterior, o prazo para a regionalização vencia no dia 31 de março. Caso o prestador do serviço não tivesse feito a mudança, ele estaria impedido de receber recursos federais e poderia ter seu contrato encerrado. Segundo o Governo, há mais de 2 mil municípios que ainda não estão regionalizados e que agora terão mais prazo para se adequar.

“Basicamente, o governo está querendo regularizar contratos precários,” disse um executivo do setor. “Querem evitar que contratos que não estavam enquadrados nas regras anteriores do Marco vençam automaticamente e entrem imediatamente num processo de licitação.” 

Para este executivo, as mudanças não revertem os ganhos do Marco Legal, mas impactam no ritmo dos investimentos dos players privados. 

“Algumas cidades que já teriam que ir agora para um processo de licitação, vão conseguir continuar operando por mais dois anos, o que atrasa os investimentos privados,” disse ele. 

Segundo o Governo, a nova metodologia de comprovação de capacidade financeira também vai permitir que prestadores de serviços de saneamento de 351 municípios consigam continuar operando. Prestadores de outros 762 municípios — que já haviam se desenquadrado pela metodologia anterior — também vão poder se regularizar novamente, evitando a suspensão dos serviços. 

O executivo do setor nota que a retirada do limite de 25% da receita para ser gasto em contratos de PPPs deve ser positiva para as empresas privadas, porque abre um outro caminho para os players privados participarem do setor.

Em relação aos processos de privatização de estatais como Sabesp e Copasa, os dois decretos “tem impacto zero”, disse ele. 

“Não vejo os dois decretos necessariamente como um ataque ao Marco Legal. O que tem é uma visão do Governo de proteger as empresas estatais, mesmo que elas sejam ineficientes.”