Pelo menos no papel, a MP que autoriza a participação de até 100% de capital estrangeiro em companhias aéreas brasileiras — aprovada esta semana pelo Congresso — poderia mudar muita coisa.
O novo marco legal atrairia novas empresas, elevando a concorrência em benefício do consumidor num mercado conhecido por ser um oligopólio em qualquer lugar do mundo.
A MP seria uma ótima notícia — não fossem duas alterações incluídas no texto. A primeira envolve a proibição de cobrança por bagagem despachada. A segunda, negociada com o Governo e foco de um futuro decreto, obriga que as novas empresas estrangeiras operem com pelo menos 5% de seus voos em rotas regionais.
Há hoje um enorme ruído sobre os reais efeitos da cobrança da bagagem despachada, aprovada por resolução da ANAC ainda no Governo Temer.
A questão relevante não é se os preços cairiam para TODOS os passageiros, mas sim o quanto aqueles que não usam o serviço de transporte de bagagem passaram a pagar a menos do que aqueles que fazem uso — evitando, assim, subsídios cruzados entre grupos de passageiros distintos.
Deputados e senadores deveriam olhar para os condicionantes de demanda e de oferta neste mercado: como esperar que os preços médios tivessem caído quando todas as variáveis pelo lado de oferta caminharam no sentido contrário?
Por exemplo, o combustível de aviação e o leasing de aeronaves — que juntos representam em torno de 70% dos custos operacionais das empresas e são precificados em dólar — subiram muito mais do que os preços médios das passagens aéreas, o que, por si só, já desqualifica qualquer argumento de que a medida da ANAC não surtiu o efeito esperado. (Isso sem falar das tarifas aeroportuárias e dos salários, cujos valores são ajustados todo ano.) Mais recentemente, a situação da Avianca também reduziu a oferta de assentos disponíveis, com nítido impacto sobre preços.
Se o objetivo é reduzir de fato os preços das passagens, a primeira medida deve ser ampliar a infraestrutura aeroportuária, como já vem sendo feito, além de privatizar a Infraero. Com essas medidas, ampliaríamos a capacidade de voos no médio e longo prazo.
Uma medida complementar seria atrair novas empresas para o mercado doméstico. Mas isso depende da volta do crescimento econômico, pelo lado da demanda, e da adoção de um ambiente regulatório adequado ao modelo de negócio utilizado pelas empresas estrangeiras.
E é neste ponto que Congresso e Executivo erraram duplamente esta semana.
Hoje, a oferta do serviço de transporte aéreo com a opção de venda do serviço em partes ou em pacotes é uma realidade no mundo, permitindo a que passageiros escolham se querem pagar menos ao não despachar bagagem. Este modelo permite às empresas gerenciar melhor seus custos e sua oferta de serviços.
Se a empresa não sabe previamente quem levará mais bagagem e, portanto, qual o espaço da aeronave pode ser vendido para o transporte de carga ou quanto terá que colocar a mais de combustível, ela preferirá assumir que todos levarão o máximo permitido e cobrará mais de todos os passageiros.
Este será o resultado mais direto da limitação imposta pelo Congresso. Mas o pior desta limitação será o afastamento do nosso mercado das companhias de baixo custo, as que mais beneficiariam os consumidores de menor renda.
A outra alteração feita na MP — a obrigação de operar rotas regionais — também é bastante problemática por dificultar ainda mais a vida das novas empresas. Isto porque as rotas mais rentáveis já estão nas mãos das empresas que já operam, e não há como entrar nesses mercados sem a obtenção de novos slots (direitos de pouso e decolagem).
Não há nem novos slots a serem dados (devido à limitação da infraestrutura) nem perspectivas de mudanças na regra de alocação de slots que venha a favorecer as novas empresas.
Assim, impor uma atuação em rotas não rentáveis só implicará elevar o custo e o risco das novas companhias, desestimulando sua entrada no mercado. Se o objetivo for desenvolver a aviação regional, há uma série de outras medidas que poderiam ser implementadas, sem afetar negativamente as perspectivas de concorrência futura no setor.
Passagens mais baratas e aviação regional não podem ser impostas por lei. Tudo que o Congresso pode e deve fazer é criar as condições e os incentivos adequados para que a concorrência aconteça. Tentar o outro caminho pode até parecer popular, mas é um tiro no pé do consumidor-eleitor.
Cleveland Prates Teixeira é ex-conselheiro do CADE, coordenador do Curso de Regulação de Mercados da Fipe e professor de Microeconomia da FGV-Law.