A guerra de bastidores entre Abilio Diniz de um lado e o combo Petros-Previ de outro aumentou a incerteza sobre a composição do próximo conselho da BRF, deixando uma das maiores empresas do País ainda mais à deriva num momento de instabilidade operacional e alavancagem crescente.

Na semana passada, quatro membros da chapa original proposta pelos fundos de pensão pediram que seus nomes fossem removidos da ‘chapa alternativa’ criada por Abilio.  Na ausência de consenso, até o CEO da empresa, José Aurélio Drummond, pediu que seu nome fosse retirado da chapa.  Exacerbando o entra-e-sai, na sexta-feira um acionista histórico da BRF, Luiz Fernando Furlan, indicou dois novos nomes para o conselho: Luiza Helena Trajano e Vicente Falconi.

Ao longo de todo este processo, o mercado tem olhado para a Aberdeen Standard Investments — gestora que é dona de 5% da BRF e acionista de longo prazo em diversas companhias brasileiras — como referência. Na sexta-feira, a Aberdeen pediu a adoção do voto múltiplo, que permite a um acionista eleger membros do conselho separadamente de uma chapa.

Na ausência de uma chapa de consenso proposta pela administração, todos os próximos conselheiros da BRF serão eleitos pelo voto múltiplo, um sistema que dá a maioria do conselho ao bloco que tem mais ações mas também permite que um minoritário relevante eleja um ou mais representantes concentrando todo seu poder de voto naqueles nomes.
 
Peter Taylor, o diretor de investimentos da Aberdeen no Brasil, falou com o Brazil Journal sobre a posição da gestora, o imperativo de mudança no conselho, e o que este episódio ensina sobre a governança em corporações de capital pulverizado.
 
Como a Aberdeen planeja votar na reunião de acionistas da BRF? Quais candidatos vocês apoiarão?

10463 de87409c ec39 0005 0001 0d32bfe49019Vamos votar nos conselheiros indicados pela Petros e pela Previ. Eles montaram uma lista de candidatos bem forte, com formações profissionais variadas e comprometidos em levar a BRF adiante nos próximos anos. O desempenho ruim da BRF tem várias explicações, mas certamente a disfuncionalidade do conselho foi um fator fundamental. A gestão anterior já foi substituída por uma equipe competente, mas até agora não houve nenhuma mudança real no nível do conselho, e isso é um passo importante para que a empresa possa realizar seu valor intrínseco.
 
Embora não haja mais a chapa única que foi divulgada no início, vamos distribuir nossos votos da maneira mais eficaz para apoiar a iniciativa dos fundos de pensão usando o voto múltiplo.
 
Quando a Aberdeen pediu o voto múltiplo na semana passada, teve gente que interpretou isso como uma ruptura de vocês com os fundos de pensão. Por que a Aberdeen pediu o voto múltiplo, afinal?
 
Continuamos totalmente alinhados com esta iniciativa dos fundos de pensão. Nosso pedido de voto múltiplo foi uma medida puramente processual para proteger a integridade do processo de votação e assegurar a máxima clareza para os acionistas — especialmente os investidores estrangeiros mas também investidores locais — que vão votar na assembleia. Sempre achamos que esse processo acabaria em voto múltiplo na assembleia, e depois da indicação de uma chapa concorrente há duas semanas, isso se tornou quase inevitável. 
 
O problema é que o voto múltiplo pode ser solicitado até 48 horas antes da assembléia, quando já é tarde demais para que os investidores estrangeiros — que possuem ADRs e ações locais — votem efetivamente. Ao fazer o pedido na semana passada, a gente antecipou este resultado quase inevitável e trouxemos uma maior transparência ao processo. Em resposta a isso, a companhia já emitiu um boletim de voto revisado e simplificado. Isso deve ajudar a garantir que os acionistas que pretendem apoiar os fundos de pensão, como nós, tenham seus votos processados ​​e contados como esperam.
 
Na sua opinião, qual deve ser o resultado provável dessa assembleia — em termos da capacidade dos fundos de eleger toda a chapa?
 
Acho que é improvável que qualquer uma das partes possa eleger toda a diretoria, mas esse sempre foi nosso cenário base. Com dez assentos disponíveis e um quórum típico de 70% a 80%, cada candidato precisará de aproximadamente 7%-8% dos votos para garantir um lugar no conselho. Dado que haverá pelo menos catorze candidatos para estes dez lugares, este patamar mínimo poderá ser inferior na prática, já que alguns dos votos vão para os quatro candidatos que não serão eleitos. 

 
Mesmo assim, esperamos que os indicados dos fundos de pensão formem uma maioria confortável do conselho, porque juntos nós temos aproximadamente 27% da companhia e o apoio de inúmeros investidores institucionais nacionais e estrangeiros. 
 
O processo de votação que precede uma assembleia é muito burocrático, muito complicado?
 
Infelizmente, a complexidade da ‘cadeia de voto’ é sempre subestimada. Os prazos para quem vai votar são muito curtos. Por exemplo, o prazo para a votação com o boletim de voto à distância é nesta quinta-feira (dia 19), e a maioria dos investidores estrangeiros enfrenta prazos iminentes. A coisa é ruim para os investidores locais também: até mesmo os acionistas locais que votam usando o boletim de voto têm que votar até 19 de abril. As mudanças que a companhia fez no boletim de voto são muito bem-vindas, mas alguns investidores globais já podem ter votado no boletim original e esses votos podem agora ser invalidados. Esperamos que eles agora reenviem seus votos e que todos os votos cheguem à assembleia.
 
Qual é a sua expectativa para o próximo conselho?
 
Em qualquer cenário provável, essa assembleia deve marcar uma melhoria significativa na dinâmica atual do conselho. Algumas pessoas estão preocupadas com o fato de que haverá conselheiros eleitos por facções diferentes, o que, obviamente, é o objetivo do voto múltiplo. Mas não vejo razão nenhuma para os membros no novo conselho não trabalharem juntos de maneira eficaz. Todos os candidatos indicados até o momento são profissionais respeitados, alinhados no desejo de maximizar o valor da BRF, independentemente de quem os tenha indicado.
 
O que te surpreendeu nesse processo todo?
 
Houve um certo nível de barulho desnecessário; a indicação pelo conselho atual de um chapa inviável há duas semanas causou confusão.  Mas agora o cenário está claro: a assembleia da semana que vem elegerá um conselho majoritariamente novo. Nesse sentido, nosso objetivo mais básico já foi alcançado.
 
Esse episódio ensina alguma coisa sobre a governança de empresas de capital pulverizado?
 
Essa renovação do conselho é uma questão de responsabilidade para com os acionistas. Em uma empresa de capital pulverizado, é justo e razoável que haja uma renovação do conselho depois de um longo período de desempenho operacional abaixo do esperado. Um dos desafios da BRF é que, embora não haja um acionista controlador, tampouco é uma corporação de capital pulverizado de verdade. Vários acionistas minoritários ainda desempenham um papel ativo no conselho e, até recentemente, no corpo executivo. Na prática, essas situações ‘híbridas’ entre controle definido e capital pulverizado representam alguns dos desafios de governança mais frequentes hoje em dia.
 
O fato de os fundos de pensão eventualmente terem um papel proporcional à sua participação na empresa é algo bem-vindo e talvez já devesse ter acontecido antes. Em muitos mercados — tanto mercados desenvolvidos como os EUA e mercados emergentes como o Chile — os fundos de pensão são os principais defensores de uma melhor governança corporativa. É claro que, no passado, nem todos os fundos de pensão no Brasil desempenharam esse papel positivo e, de fato, o atual ‘chairman’ merece crédito por ter protegido a empresa de influências negativas. No entanto, o que estamos testemunhando aqui é o papel de ‘stewardship’ dos fundos de pensão como guardiões das empresas nas quais eles investem, em beneficio de todos os acionistas.
 
Na sexta-feira, um dos acionistas da BRF, Luiz Fernando Furlan — que permaneceu mudo durante todo esse processo — sugeriu dois outros nomes para o conselho. Isso é útil?
 
Candidatos adicionais com credibilidade são sempre bem-vindos e só reforçam a nossa visão positiva sobre o futuro conselho. Mas temo que esta intervenção tardia cause mais confusão. Da mesma forma, a indicação pelo conselho da tal ‘chapa alternativa’ com Luiz Furlan como ‘chairman’ há duas semanas pode ter sido bem intencionada, mas só serviu para causar confusão e acabou sendo uma farsa, pois ficou claro que muitos dos indicados não haviam dado permissão para ser incluídos neste chapa.