Quando decidiu investir para criar a CNN Brasil, Rubens Menin botou quase tudo no business plan: o investimento no equipamento importado, o custo do talento e o aluguel de satélites.
Ficou de fora: o piti de um bispo poderoso, incomodado em perder um de seus funcionários para a concorrência.
Desde que a CNN Brasil anunciou a contratação do apresentador Reinaldo Gottino, Edir Macedo colocou a Record para atacar a MRV, a empresa de engenharia que Menin fundou há 40 anos e na qual fez sua fortuna.
Em apenas 10 dias, a Record publicou três matérias “denunciando” a MRV. Vista pelas lentes do bispo, a MRV é uma empresa satânica, que apoia o trabalho escravo, constrói prédios em terrenos contaminados e entrega apartamentos de baixa qualidade.
Pessoas próximas a Menin dizem que a Record está descumprindo um acordo de cavalheiros firmado entre Douglas Tavolaro, o ex-chefe do jornalismo da Record e agora CEO da CNN Brasil, e executivos da Record. Pelo acordo, a CNN poderia atrair talentos da Record em negociações de mercado.
Segundo o jornalista Mauricio Stycer, que acompanha o mundo da televisão no UOL, “nos meses seguintes à saída de Tavolaro, a CNN Brasil contratou vários profissionais da Record, mas todos para cargos de chefia e bastidores. Gottino foi o primeiro que apresentava um programa na emissora – e não um qualquer, mas um dos maiores sucessos do canal, o Balanço Geral.”
Numa das matérias, a Record tentou colar a imagem de Menin à de Lula.
“A construtora foi uma das maiores beneficiadas do programa Minha Casa Minha Vida, que foi criado em 2009, na gestão do ex-presidente Lula, que aparece nesta foto segurando a camiseta do Atlético-MG, patrocinado pela MRV, do empresário Rubens Menin,” disse o repórter.
Ironicamente, além do Atlético, a MRV patrocinou os filmes “Nada a Perder” 1 e 2, que contam a história do próprio Macedo, fundador da Igreja Universal e dono da Record.
A reação da Record ilustra os riscos assumidos por Menin ao se aventurar no setor de mídia — ainda que a maioria dos observadores achasse que o risco estava na relação que a CNN viesse a estabalecer com o Governo, e não com outra emissora.
O episódio também ilustra o destempero de um concessionário de TV aberta usando o veículo para uma retaliação explícita a uma empresa privada pelo que é, na essência, uma mera discordância comercial.
“Não é a primeira vez que a Record usa o jornalismo para atacar adversários da empresa,” Stycer, o crítico de TV, disse ao Brazil Journal. “No campo da religião, já atacaram o Bispo Valdemiro Santiago, um dissidente da Universal que criou sua própria igreja. E nos negócios já atacaram a Globo, que é concorrente, várias vezes. Agora, fazer isso por causa da perda de um profissional, o que é tão comum no mercado, parece muito estranho.”
Procurada pela Record para dar sua versão dos fatos na terceira reportagem, a MRV não mediu palavras:
“Sobre os questionamentos para esta e outras ‘reportagens’, a MRV esclarece ao telespectador da RecordTV que são uma represália de baixo nível da direção da emissora à contratação do apresentador Reinaldo Gottino pela CNN Brasil,” dizia a nota da MRV. “Trata-se de um atentado contra a marca do Jornalismo da Record e um desrespeito a seus profissionais. Solicitamos a veiculação da resposta acima na íntegra, conforme previsto na lei federal Nº 13.188, de 11 de novembro de 2015.”
A Record ignorou a nota.
Para a MRV, a boa notícia é que os telespectadores do Jornal da Record estão perdendo a fé.
Segundo dados do Kantar Ibope em São Paulo, depois de começar o ano com uma audiência entre 8 e 9 pontos entre janeiro e abril, o telejornal caiu para 7 pontos em maio e junho, 6,6 em julho e 5,6 em agosto. No final de agosto, o programa não aparecia sequer entre os dez mais assistidos da emissora.
Na Bolsa, a MRV não acusou o golpe. As ações sobem 70% nos últimos 12 meses e 47% desde o início do ano.