A Toscana tem algo que vibra diferente no coração de quem ama vinho.
Não apenas pela paisagem, com suas colinas douradas, ciprestes alinhados e vilarejos idílicos, mas também pelo que emociona: o que sai da terra e o que fica depois de cada 0gole. Para quem ama vinho, talvez não exista lugar mais generoso.
A beleza da Toscana está na sua diversidade. Não existe uma só Toscana, são muitas. Entre elas, o Chianti Clássico, com seus vinhos gastronômicos; o Sul, com os Sangioveses profundos e estruturados de Montepulciano e Montalcino; e a costa, onde Bolgheri e Castagneto Carducci desafiam a tradição com castas bordalesas de primeira qualidade.
Ao longo dos anos, fui conhecendo essas diferentes Toscanas. Não em uma viagem só, mas em visitas espaçadas, construídas com calma, passando por vinícolas, conversando com produtores, provando safras que dizem muito sobre o tempo e o lugar.
Construí um mapa afetivo feito de terroirs, filosofias e pessoas que acreditam no tempo como ingrediente essencial do vinho. Acredito que o mais interessante é cada um descobrir a sua própria Toscana. Mas como sempre me pedem dicas, compartilho aqui algumas regiões e vinhos que, para mim, traduzem esse território tão plural e servem como um ótimo ponto de partida para explorá-lo.
Chianti Clássico – nas cercanias de Florença e Siena:
Aqui é onde a viagem pode começar.
-Castello di Ama (Gaiole in Chianti) – obras de arte contemporânea se integram aos jardins e adegas. É dessa casa que vêm os mais incríveis Chiantis, sem contar com um Merlot in purezza de tirar o fôlego, o Vigna L’Apparita.
-Fontodi (Panzano in Chianti) – Sangiovese com alma moderna, preciso e expressivo. Seu Flaccianello, 100% Sangiovese, é grandioso. Esse tinto, safra 2020, foi o melhor dentre mais de 100 que provei recentemente no Encontro Mistral.
-Antinori nel Chianti Classico (Bargino) – um templo da vitivinicultura contemporânea, que impressiona pela arquitetura, experiência e estrutura: restaurantes, salas de degustação e uma loja com toda oferta da família Antinori. A menos de 6 km dali está a icônica Tenuta Tignanello, berço do Tignanello e do Solaia, talvez o Cabernet Sauvignon mais emblemático da Itália.
-Castellare di Castellina e Rocca delle Macìe (Castellina in Chianti) – dois clássicos que mostram a força e a versatilidade da denominação.
-Fattoria di Fèlsina (Castelnuovo Berardenga) – Sangioveses extraordinários, repletos de identidade e longevos. Seu Chianti Classico Riserva Rancia é muito especial.
Toscana Costa – onde o vinho encontra o mar:
É na costa que a Toscana mostra sua face mais inquieta.
-Camarcanda (Castagneto Carducci) – projeto da família Gaja, do Piemonte, onde o horizonte entra no vinho. As castas Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Merlot são as que dominam os grandes vinhos dessa casa, projetada pelo arquiteto Giovanni Bó.
-Le Macchiole (Bolgheri) – precisão bordalesa com espírito indomável. Tem Syrah, Cabernet Franc e Merlot, sempre puros, e que estão entre os melhores da Itália. Simplesmente adoro o Paleo Rosso, Cabernet Franc 100% desde a safra 2001.
-Sassicaia / Tenuta San Guido (Bolgheri) – ícone absoluto, origem da revolução dos “Super Toscanos”.
-Guado al Tasso (Bolgheri) – potência e sofisticação sob a chancela da Antinori. O Guado al Tasso 2019 é extraordinário.
Montalcino – a terra dos Brunellos:
Aqui, a casta Sangiovese atinge seu auge de complexidade e profundidade.
-Soldera – mais que uma vinícola, uma filosofia. Vinhos de contemplação.
-Ciacci Piccolomini d’Aragona – tradição e equilíbrio, com Brunellos sedutores. O Riserva Santa Caterina d’Oro está entre os melhores de todos.
-Fuligni – clássico, refinado, com uma elegância que se sente antes do primeiro gole.
Não para por aí: ainda há outras regiões a serem exploradas, como Montepulciano, Cortona, Maremma, entre outras.
Mas a Toscana não vive só de vinhos. Ela pulsa nos almoços demorados em pequenas vilas, como Castagneto Carducci, onde o mar encontra a taça.
Está nos jantares nas colinas de Castellina ou Greve, onde o Chianti revela sua vocação para ser ao mesmo tempo rústico e refinado. É nesses encontros, muitas vezes despretensiosos, que o vinho encontra sua forma mais generosa: servido com naturalidade, sem afetação, como quem não precisa provar nada.
Na Toscana, o vinho é mais do que uma bebida, é território, linguagem e cultura. É uma região feita por pessoas que acreditam em ciclos longos e respeitam o que não se pode controlar.
O vinho talvez não seja o caminho para a felicidade. Mas, na Toscana, ele chega perigosamente perto.
Luiz Gastão Bolonhez é especialista em vinhos. Compartilha suas experiências no Instagram e é curador de vinhos nos leilões da Blombô.