A Ashmore é uma gestora especializada em emergentes e está – adivinha! – otimista com esses mercados.
A tese da casa é de que a nova geopolítica mundial e as mudanças em curso nos Estados Unidos devem alterar a maneira como as pessoas investem, levando a uma realocação de recursos para os emergentes – um movimento que está só no começo.
“Quem ignorar essas placas tectônicas se mexendo provavelmente vai perder a maior história macro da nossa geração – com exceção da inteligência artificial,” Gustavo Medeiros, o estrategista-chefe de macro global, disse ao Brazil Journal.
Entre as principais posições da Ashmore – que gere US$ 46 bilhões e investe em emergentes desde 1992 –, estão ações na Argentina, no Brasil e no México.
Abaixo os principais trechos da conversa.
Qual é o seu cenário para investimentos?
A nova geopolítica internacional deveria provocar uma grande mudança na maneira como as pessoas investem. Esse estímulo fiscal que a Alemanha passou, por exemplo, é um game changer. É uma mudança histórica que vemos raras vezes na nossa carreira.
Os Estados Unidos devem passar por uma consolidação fiscal, enquanto a Alemanha, China e outros países que têm algum espaço no orçamento tendem a ir na direção oposta – espero que não o Brasil.
Quem ignorar essas placas tectônicas se mexendo provavelmente vai perder a maior história macro da nossa geração – com exceção da inteligência artificial.
Os Estados Unidos têm suas fortalezas, claro, mas passou a existir uma divisão de forças ao redor do mundo que não vimos na última década.
Como os mercados emergentes se beneficiam disso? Se os EUA têm problemas…
O principal vetor que me deixa confortável com os mercados emergentes no médio e longo prazo tem a ver com os EUA. É o fato de o excepcionalismo americano da última década ter sido financiado principalmente pela política fiscal pró-cíclica.
A revolução do shale oil também ajudou, mas o que realmente fez diferença foram os estímulos fiscais, que geraram uma forte expansão dos lucros das empresas. Foi um movimento artificial, mas ocorreu. E não há mais espaço para isso agora.
As mudanças que estão ocorrendo devem enfraquecer o dólar, o que altera o lucro por ação de forma comparativa. Nos últimos dez anos, os lucros foram excepcionais nos EUA, e isso levou a um dólar mais forte, o que aumentou o impacto.
Vários investidores que tinham o S&P sem nenhum hedge de câmbio agora começam a se proteger. Não estão vendendo ações de forma importante ainda. Estão comprando um pouco menos ou deixando de aplicar nos EUA para aplicar no resto do mundo. Mas esse movimento pode se acentuar.
A Bolsa americana recebeu um total de US$ 1,3 trilhão na última década, enquanto houve um fluxo de apenas US$ 300 bilhões para ações internacionais, segundo o BofA.
Outro dado, compilado pela Ashmore, mostra que houve um grande fluxo de investidores privados para os EUA (gráfico abaixo). A relação entre investimentos privados e de governos e bancos centrais, que era de cerca de uma vez e meia, aumentou para cinco vezes.
Ou seja, a exposição aos ativos americanos está muito, muito alta. Se os EUA tiverem menos fluxo na margem, o preço das ações tende a convergir.
Já os mercados emergentes estão na outra ponta disso. Claro que há problemas, mas vemos fundamentos melhorando.
O que a Ashmore está comprando nos mercados emergentes?
Aumentamos o beta (exposição a risco) da maioria dos fundos nos últimos dois meses, principalmente os de ações e renda fixa em moeda local.
Entre as nossas maiores posições em bolsa, estão ações de empresas de semicondutores na Coreia do Sul e em Taiwan, e um pouco na Malásia.
A cadeia de semicondutores é o epicentro da inteligência artificial. Não vemos a comoditização como um problema: quanto maior, mais elevada será a adoção de IA pelas empresas.
Também gostamos de América Latina, especialmente Argentina, Brasil e México.
Por quê?
Nossa principal posição na região é bolsa mexicana. Se o governo Trump for muito agressivo na parte de tarifária, o México se beneficia. Os EUA não podem tirar o México do USMCA (acordo comercial entre EUA, México e Canadá). Se fizer isso, acaba com o setor de manufatura americano.
Além disso, Claudia Sheinbaum está sendo pragmática e conseguindo manobrar pressões domésticas. Está tentando consertar a Pemex, que tem um problema tão grande quanto a Petrobrás tinha em 2014, 2015.
Na Argentina, Javier Milei, basicamente, entendeu que o problema do país desde 1948 é um déficit fiscal impagável. Consertou isso de uma vez, então a economia e o sistema privado argentino estão entrando no eixo.
Como as empresas argentinas não são alavancadas, o potencial é grande. Nosso foco está em ações de bancos e energia O valuation parece alto, mas é porque está baseado nos resultados do passado. Os múltiplos ainda não capturaram essa mudança estrutural.
No caso do Brasil, vemos uma economia resiliente a despeito da taxa de juros absurda. As empresas vêm conseguindo entregar resultado apesar do ambiente complicado.
Existe muito barulho fiscal, mas o mercado já incorporou isso e está olhando para a próxima eleição. Há uma chance de a centro-direita ganhar e mudar a política econômica. É cedo para se posicionar de forma relevante levando isso em conta, mas precisa estar no radar.
Com um cenário fiscal não tão ruim, uma mudança favorável no Banco Central, o Real ancorado e um valuation baixo, o Brasil continua barato demais para ser ignorado. O País também está longe de todas essas questões geopolíticas, o que ajuda.
Estamos posicionados em juros locais e overweight no real. O total return do real é muito forte. O carrego é quase 10% e a parte fiscal já está precificada. Além disso, existe um potencial de valorização por conta da política monetária e se tivermos uma transição política para a centro-direita.
Como está o fluxo de recursos para a Ashmore? Vocês já voltaram a captar?
Nossos fluxos foram bem negativos até 2022, depois começaram a se estabilizar. Continuam negativos, mas com um grau de outflow menor. Acho que estamos chegando perto do primeiro trimestre de entrada líquida de recursos.
Existe um lag entre a performance dos mercados e a decisão do nosso investidor, que geralmente compra para manter por três a cinco anos. Ele costuma demorar para ter conforto ao tomar uma decisão, mas, quando decide, tende a se manter no mercado por prazos mais longos.