A Tesla está considerando fazer uma oferta pela Sigma Lithium, uma empresa listada na Nasdaq que produz um pré-químico de lítio premium no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.
A Bloomberg reportou o interesse da montadora na sexta-feira à tarde, fazendo o papel da Sigma disparar 17% no pregão de ontem. A agência disse que a Sigma Lithium – que vale US$ 3 bilhões – “é uma das várias opções de mineração que a Tesla está explorando.”
Uma eventual oferta da Tesla fatalmente atrairia ofertas de outras montadoras, como a chinesa BYD, e de grandes mineradoras – mas segundo analistas, este não parece ser o melhor timing para uma venda. A Sigma Lithium está a poucas semanas de fazer seu primeiro embarque de carga, o que pode reprecificar a empresa.
Uma venda da Sigma para um grande player de carros elétricos seria a coroação da tese de investimento da gestora de private equity A10 Investimentos, co-fundada pelos brasileiros Marcelo Paiva e Ana Cabral – uma banqueira veterana que trabalhou duas décadas em bancos como Merrill Lynch, Goldman Sachs e Credit Suisse.
A Sigma produz um concentrado de lítio utilizado na fabricação dos catodos de baterias para carros elétricos. A empresa deve começar sua produção comercial em abril. Quando estiver a 100% da capacidade (em 2024), ela deve ser a quarta produtora mundial de lítio – inserindo o Brasil numa das cadeias de fornecimento mais críticas da economia global.
Para que o carro elétrico tenha a mesma performance e autonomia de um veículo a combustão, a bateria precisa de um insumo muito purificado que apenas cinco players globais – incluindo a Sigma – conseguem produzir nas especificações da indústria.
“São condições muito rígidas porque, se o insumo não tiver a pureza necessária, a bateria explode e aí você acaba com a indústria,” Ana disse ao Brazil Journal numa entrevista meses atrás.
A tecnologia da Sigma quebra o oligopólio do hidróxido de lítio de alta pureza formado por cinco grandes empresas, que hoje fornecem o lítio que vai nos catodos de alta performance.
O processo produtivo da Sigma é totalmente digital e greentech: a mineração é feita a seco, sem barragens de rejeito, e reutiliza 100% da água captada no Rio Jequitinhonha.
A butique de private equity de impacto investiu na Sigma em 2016, quando seu A10 Fund comprou o controle da empresa, que era uma subsidiária da Magnesita. Dois anos depois, a Sigma foi listada na Bolsa de Toronto, e Ana, que já tinha familiaridade com o setor desde que trabalhou na privatização da Vale em 1997, tornou-se co-CEO; Paiva, seu sócio na A10, foi para o conselho.
Dado seu grau de pureza, o produto da Sigma gera uma economia de custos de 20% a 30% no custo da bateria.
“É um número alto numa cadeia que está tentando diminuir o custo da bateria para que esse carro fique cada vez mais popular,” dsse Ana. O lítio responde por 10% do custo da bateria – que é 40% do custo do carro elétrico – e é negociado hoje a US$ 7.800/ton no mercado spot.
Os concorrentes da Sigma incluem a australiana Pilbara Minerals, que vale US$ 12 bilhões na Bolsa, e a canadense Allkem, que vale US$ 8 bilhões.
Desde o IPO em Toronto, em 2018, a ação da Sigma foi de aproximadamente US$ 0,30 para US$ 30. Em 2021, a empresa se listou também na Nasdaq.
No total, os investidores colocaram até agora quase R$ 2 bilhões na empresa, entre rodadas privadas e captações na Bolsa.
Desde que surgiu, a Sigma também demonstrou preocupação com seu papel social.
A região da mina compreende duas cidades – Araçuaí e Itinga – com um IDH (índice de desenvolvimento humano) próximo ao de Bangladesh. A situação local, de extrema pobreza, sempre foi levada em consideração no projeto.
Antes da Sigma chegar à região, os habitantes da região tinham que procurar trabalho em outras cidades. Agora, como a Sigma prioriza a população local na hora de contratar, as pessoas estão querendo voltar – 75% da mão-de-obra da empresa é da região, a maior parte, pessoas que voltaram a morar com suas famílias.
Além disso, na decisão de viabilidade da planta, s Sigma optou por não explorar 25% das reservas para preservar um córrego temporário que só existe durante três meses do ano, mas que era fundamental para os moradores da região, disse Ana.
Olhando agora, parece que o caminho da Sigma foi fácil.
“A foto hoje é bonita, mas no início parecia um filme de terror,” disse Richard Gerdau Johannpeter, que investiu na empresa logo depois da listagem no Canadá e cuida da Gerval, o family office da família gaúcha.
Para Richard, a Sigma chegou até aqui por ter um bom ativo e um time que não se deixou abater em momentos muito difíceis. “Eu investi por conta desse time de executivos, que se complementa e se mostrou muito resiliente até aqui – em particular a energia da Ana, que tem um dia que dura 48 horas,” disse Richard.
A A10 investiu na mina meses depois da queda da barragem da Vale, em Mariana, quando os ativos relacionados à mineração estavam “radioativos”. “Nenhum investidor chegava perto, ainda mais no early stage. Ninguém via a oportunidade de fazer mineração de forma sustentável, do jeito certo.”
Além disso, ‘ESG’ e ‘carro elétrico’ na época ainda eram conceitos novos demais no mercado de capitais. Além do desinteresse dos investidores, entre 2018 e 2020 houve o maior bear market da história do lítio. Algumas empresas quebraram. Em seguida veio a pandemia, que acabou sendo um divisor de águas para a empresa.
Em dezembro de 2019, a A10 teve que emprestar US$ 7 milhões para a Sigma. Um ano depois, a demanda pelo carro elétrico explodiu, com o aumento do interesse do consumidor europeu no pós-pandemia. No final de 2020, de cada cinco carros vendidos, um era elétrico — e o setor não estava preparado para absorver toda a demanda. “Houve uma destruição de oferta por excesso de demanda e a indústria ainda está tentando ajustar isso, o que deve levar uns três anos,” disse Ana.
Apesar dos desafios, a A 10 conseguiu atrair um grupo de investidores que estão com a empresa desde o início: JGP; ACE Capital; Nucleo Capital; CQS; Citrino; Julius Baer, BlackRock, bem como grandes family offices da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes, que têm aumentado sua participação.
A A10 ainda tem 48% do negócio – além da Sigma, a butique investe na Mitra, uma empresa no Vale do Silício fundada por um ex-executivo da Tesla.
Para Tiago Cunha, sócio da ACE Capital e também investidor da Sigma, a empresa está entregando o que prometeu.
“A Ana veio do mercado e sabe a importância disso. Ela tem um engajamento e dedicação ao negócio em todos os aspectos e também com os investidores. Eu queria que existisse uma ‘Ana’ em todas empresas em que invisto,” disse Tiago.