A lógica e os desafios de uma provável oferta pela SABMiller

Quando a InBev comprou a Anheuser-Busch por US$ 52 bilhões em 2008, a transação que criou a maior cervejaria do mundo em valor de mercado sobrecarregou a empresa com uma dívida monstruosa.

Seus executivos, como sempre, agiram rápido. Em pouco tempo, o time majoritariamente brasileiro comandado por Carlos Brito vendeu partes da nova Anheuser-Busch Inbev (ABI) que nada tinham a ver com cerveja, cortou custos violentamente e começou a pagar os bancos.

Carlos BritoSe na época a dívida da ABI era grande e desengonçada como uma Pepsi de 3 litros (5,6 vezes sua geração de caixa), agora mais parece uma latinha de Skol (duas vezes a geração de caixa no final deste ano).

Para os analistas que acompanham a empresa, essa saúde financeira tem uma implicação óbvia: seis anos depois da histórica fusão que a criou, a ABI já está pronta para sua próxima mega aquisição. É só uma questão de tempo.

Nove entre dez analistas que cobrem o setor dizem que a companhia que mais complementa a ABI é a SABMiller, a segunda maior cervejaria do mundo, com origens na África do Sul.

Parênteses: a estratégia da ABI pode ser independente dos possíveis alvos de aquisição da 3G Capital , o veículo de investimento que, assim como a ABI, é controlado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.

Num relatório que começou a circular essa semana, Robert Ottenstein, analista da ISI, uma corretora em Nova Iorque, estimou em 50% as chances da ABI fazer uma oferta pela SABMiller até o fim de 2015. Ottenstein vê sinais de que a operação pode estar mais perto do que se imagina. Num formulário anual que tem que submeter à SEC americana, a ABI disse ano passado que “no evento de alguma aquisição significativa no futuro, podemos temporariamente diminuir nosso pagamento de dividendos para priorizar a desalavancagem da empresa”. Este ano, o formulário conhecido como 20-F contém a mesma frase, mas sem a expressão “no futuro”.

A análise de Ottenstein merece atenção por um detalhe em seu currículo: antes de trabalhar na ISI, ele era o principal executivo de relações com investidores da ABI.

Ottenstein estima que, para fechar negócio, a ABI terá que pagar um prêmio de cerca de 20% sobre a cotação atual da SAB, e diz que a operação só aconteceria depois da Copa, para não tirar o foco dos executivos da empresa durante o evento.

Se conseguir comprar a SABMiller, que vale US$ 86 bilhões na Bolsa, a ABI ganhará mercados onde hoje é um player pequeno ou simplesmente ausente.

Colocará os dois pés no continente africano (onde hoje não tem nada), na Colômbia (onde herdaria a marca Bavaria, que tem inacreditáveis 98% do mercado) e na Austrália (onde a SAB comprou a Foster’s, marca líder do mercado, em 2011). A complementaridade geográfica é quase mágica.

Nos EUA, onde haveria redundância, os próprios órgãos antitruste obrigariam a ABI a vender ativos. A SABMiller tem 58% da Miller Coors, uma joint venture com a cervejaria canadense Molson, e provavelmente seria forçada a vender esse negócio.

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Comparando o álbum de países da ABI e da SABMiller, as figurinhas duplicatas (além dos EUA) incluem Itália, Rússia e Holanda. Na China, a SAB tem uma JV com o governo na empresa líder de mercado em volume — a marca Snow, uma cerveja muito barata. A ABI provavelmente gostaria de manter o negócio, mas antes tem que combinar com os chineses.

Uma oferta agora aconteceria pouco tempo depois da SABMiller perder seu lendário CEO, Graham Mackay, que morreu no fim do ano passado depois de lutar contra um câncer. Mackay, o homem que transformou a SABMiller na gigante diversificada que é hoje, passou 35 anos na empresa e era reconhecido como um dos melhores CEOs do mundo.

A Ambev provavelmente teria um papel na compra da SAB Miller pela ABI. Para usar menos o seu próprio balanço, a ABI poderia repassar as operações da SAB na América Latina para a Ambev em troca de uma maior participação na empresa. Ottenstein diz que a decisão da Ambev de passar a ter apenas uma classe de ações, tomada no ano passado, pode ter sido uma forma de facilitar essa troca de ações entre a Ambev e a ABI. Ele acha que se a Ambev incorporar o resto da América Latina, ela pode acabar distribuindo mais caixa a seus acionistas, já que seu imposto médio cairia (os impostos nos outros países são menores que no Brasil).

No site da ABI, a empresa diz que seu “sonho” é ser “the best beer company” do mundo (a melhor empresa de cervejas) e Brito costuma repetir em reuniões com analistas que “ainda temos muito que fazer no negócio de cerveja”.

Pelo jeito, a ABI está pronta para tomar outro caminhão de dívida, e começar tudo de novo.