Na mais recente compra de uma marca tradicional americana por um grupo brasileiro —depois das aquisições da Anheuser-Busch, Heinz, Kraft e Burger King — a Natura está comprando a Avon, numa aposta que cria a quarta maior empresa de beleza do mundo.

A transação, que cria um gigante com faturamento de mais de US$ 10 bilhões, une duas empresas fortemente complementares na América Latina — mas também aumenta o risco de execução na Natura, que ainda está integrando a compra da The Body Shop, feita há pouco menos de dois anos.

A aquisição será paga na forma de uma troca de ações: os acionistas da Natura ficarão com 76% da empresa resultante e os da Avon, com os 24% restantes.  A nova empresa, NATURA & Co, continuará no Novo Mercado mas também terá um ADR listado na NYSE.

O mercado — que trabalhou o dia inteiro com os contornos básicos da transação, adiantadas de manhã pelo Financial Times e pelo The Wall Street Journal — aprovou a diluição de um quarto da participação na Natura para incorporar uma das marcas de cosméticos mais icônicas do mundo, fundada há 130 anos. 

As ações da Natura subiram mais de 9% no pregão da B3, antes da confirmação dos detalhes, que veio no final do dia. Desde abril, quando as conversas entre as duas partes se aprofundaram, o papel já sobe mais de 40%.

No Brasil, as operações se encaixam.

A Avon é forte em maquiagem, onde a Natura tem pouca participação. Enquanto a Natura atende principalmente o público A e B, a Avon é mais forte no público B- e C, onde o Boticário — seu principal concorrente — é mais forte. 

Há ainda uma forte relação nos canais de venda: as revendedoras que vendem Natura com frequência são as mesmas que distribuem Avon.  Nesse sentido, a revitalização que a Natura vem implementando na sua base pode ajudar a turbinar a operação da Avon. 

Sob o comando do ex-VP comercial João Paulo Ferreira, a Natura mudou sua relação com as consultoras, segmentando-as em categorias de acordo com a produtividade — e remunerando-as de acordo. 

Além disso, a companhia está focando na digitalização do seu canal de vendas, incentivando, entre outras iniciativas, que as consultoras vendam via redes sociais, mirando um público mais jovem.

A compra da Avon deve amenizar também um grande problema na Natura: a ociosidade das fábricas. Hoje, estima-se de que de 30% a 40% da capacidade fabril da companhia não seja utilizada — e poderá atender a produção da Avon, após feitos alguns ajustes. 

Em fato relevante, a Natura estima que a transação deve gerar sinergias anuais entre US$ 150 milhões e US$ 250 milhões.

Da receita total de US$ 5 bi da Avon, a América Latina respondeu por US$ 2,2 bi — e é a operação que mais contribuiu para o resultado operacional. Brasil e México são os principais mercados da companhia. 

O principal risco está no restante das operações, distribuídas em 50 países – que, em sua grande maioria, dão prejuízo operacional. (A operação dos Estados Unidos, Canadá e Porto Rico, considerada a mais problemática, já tinha sido separada em uma empresa de capital fechado e ficou fora do negócio. Foi vendida para a coreana LG Household & Health no fim de abril.)

“Se eles fechassem essas operações em outros países, eu ficaria mais confortável”, diz um gestor que vendeu recentemente os papéis da Natura depois da disparada recente. “A operação fora de Latam é um caso mais de turnaround e pode ter contribuição negativa para o resultado”. 

A emissão de ADRs também deve dar um alcance mais global para a Natura, que sempre teve uma base acionária dominada por investidores estrangeiros — e agora poderá atrair investidores que não têm mandato para comprar ações no mercado local.

Nas contas de um analista, considerando o piso do guidance de sinergias e uma redução marginal no custo da dívida, a empresa combinada estaria negociando a 16 vezes o lucro estimado para 2020 — contra um patamar de 28 a 30 vezes de players globais, como a Esteé Lauder e a L’oreal. 

Há ainda especulações no mercado de que a nova holding possa mudar seu domicílio tributário para países com menor tributação que o Brasil: o Reino Unido, onde estão baseadas The Body Shop e a própria Avon, aparece como o principal destino potencial.