Na corrida pelos melhores e mais populares conteúdos, os estúdios lançam plataformas de streaming, as plataformas viram estúdios e as empresas de tecnologia tentam ser as duas coisas ao mesmo tempo.

Na indústria de games, o deal mais representativo acaba de acontecer: a compra da Activision Blizzard pela Microsoft.

Mas a empresa referência no universo dos games, com 20 dos 25 jogos de consoles mais vendidos na história, continua independente. Dona de franquias icônicas de videogame como Super Mario Bros, Zelda, Pokémon e Donkey Kong, a Nintendo é a mais tradicional empresa japonesa de jogos e entretenimento desde sua fundação, em 1889.

Seus 100 primeiros anos foram focados no mundo físico, claro, com destaque para jogos de cartas e tabuleiros. Entretanto, foi com o lançamento do NES (Nintendo Entertainment System), o dispositivo que surfou a onda dos videogames na década de 80, que a empresa ganhou projeção global, assim como muitas de suas marcas e franquias. Ao todo, foram mais de 60 milhões de consoles NES vendidos no mundo todo, até ele parar de ser fabricado em 1996.

De lá para cá, a empresa passou por diversos ciclos de consoles: GameBoy, N64, Wii, Wii U e Nintendo Switch. Cada um teve um grau diferente de sucesso, trazendo uma volatilidade aos resultados da Nintendo que sempre deixou os analistas receosos quanto à solidez do modelo de negócio.

Desde sempre, os personagens mais famosos da Nintendo estão disponíveis apenas em seus próprios consoles. Por isso, o modelo de negócio da empresa é dependente demais do sucesso da plataforma da vez.

O Nintendo Wii, por exemplo, fez as vendas saltarem de um patamar de US$ 4 bilhões em 2006 para US$ 18 bi em 2009. No entanto, a competição com novas gerações de consoles, como o Playstation 3 da Sony e o Xbox 360 da Microsoft, impactou o sucesso de sua plataforma seguinte: lançado em 2012, o Nintendo Wii U não decolou, e a receita da empresa acabou voltando para os US$ 4,5 bi em meados de 2015.

Em 2017, a empresa trouxe o conceito do Nintendo Switch: um videogame híbrido (console + portátil), que apresentou novas tecnologias e novas formas de jogar. Mesmo com a concorrência dos jogos de celulares, mais baratos e com menos tecnologia embarcada, o Switch tem sido um sucesso: mais de 90 milhões de unidades já foram vendidas até novembro do ano passado, muito perto do principal sucesso da Nintendo, o Wii (o 4º console mais vendido da história, com mais de 100 milhões de unidades).

Graças ao Switch, as vendas da Nintendo subiram para US$ 15 bi em 2021.

Para a reduzir a dependência de seus videogames, a Nintendo tem buscado uma combinação de ciclos mais longos de seus consoles e formas alternativas de explorar sua propriedade intelectual (‘IP’), principalmente a partir de 2018, quando um novo CEO assumiu a liderança – apenas o sexto em sua história de mais de 130 anos.

Sob o comando de Shuntaro Furukawa, a Nintendo iniciou um movimento maior de monetização de seu conteúdo. Destaque para os contratos de licenciamento com a LEGO; o acordo para criação da ‘Super Nintendo World’, dentro do parque da Universal no Japão (de propriedade da Comcast) e o lançamento do “Super Mario Bros: The Movie”, em parceria com a Illumination Studios (também da Universal).

Embora deva acontecer de forma lenta, até pelo conservadorismo de uma empresa que, dentre outras características, tem cerca de 25% de seu valor de mercado em caixa, a Nintendo tem tudo para se beneficiar cada vez mais da monetização dos seus próprios conteúdos.

Grandes empresas estão buscando acesso a franquias e estúdios, seja através de licenciamentos ou de aquisições — a compra da Bethesda Softworks pela Microsoft; a da Zynga (FarmVille) pela Take-Two; e a da Supercell (Clash of Clans) pela Tencent.

A oportunidade aqui é que o mercado não está precificando o valor estratégico das franquias da Nintendo – e menos ainda sua capacidade de gerenciar uma transição de plataforma (especulada para meados de 2023/2024). Essa percepção negativa é reforçada por fatores como o gargalo atual na cadeia de suprimentos de semicondutores, peça essencial na fabricação de consoles.

Nós pensamos diferente.

Exatamente como as empresas de mídia vêm monetizando suas propriedades intelectuais, entendemos que a atual gestão da Nintendo focará cada vez mais em usar seus personagens para se alavancar em outras áreas (filmes, parques, brinquedos, etc).

Da mesma forma, iniciativas como seu serviço de assinatura (Nintendo Switch Online, com mais de 32 milhões de membros) devem trazer maior estabilidade aos resultados nos próximos anos, mesmo considerando mudanças de plataforma. Basta que a empresa mantenha a mesma arquitetura do Switch nas próximas gerações.

A Nintendo negocia hoje a 16,5x o lucro esperado para o próximo ano (vs. média de 21x nos últimos 3 anos). Tirando da conta o caixa substancial da empresa, o múltiplo cai para 12,5x, tornando a relação risco-retorno ainda mais atrativa, principalmente para investidores de longo prazo.

É impossível prever quem será o vencedor da próxima geração dos consoles. Mas certamente as franquias icônicas da Nintendo continuarão gerando caixa por muito tempo, dentro e fora das telas de videogame.

Daniel Martins é co-fundador da GeoCapital, uma gestora especializada em ações globais. 

Pedro Bertelli é sócio e Yong Cho é analista na mesma gestora.