Vivendo uma tempestade perfeita há mais de três anos, a Natura&Co finalmente tem a perspectiva de começar o ano novo com um horizonte mais limpo.
A companhia começa 2026 com uma operação simplificada, focada em Brasil e América Latina, depois dos desinvestimentos massivos iniciados em 2022 na gestão de Fabio Barbosa.
Depois de vender a Aesop e a The Body Shop em 2023, este ano a Natura conseguiu (finalmente) se livrar da Avon International, que reunia as operações da marca em mais de 30 países, sangrava o caixa e mostrou-se um grande erro estratégico. Agora, a Natura está voltando a ser o que era antes do plano de se tornar uma multimarcas global.

“Apesar de a Avon, uma marca complicada, continuar nos negócios da AL, agora ela responde por 20%-25% da receita da Natura. Virou apenas um detalhe”, disse um gestor comprado na ação. “A marca Natura segue forte, ganhando share. Como as distrações da gestão acabaram, na cotação atual essa ação é uma oportunidade de compra, já que a companhia voltou às suas raízes.”
Por raízes, o mercado quer dizer uma empresa com bom crescimento, geradora de caixa e pagadora de dividendos.
A Natura vale hoje R$ 10,8 bilhões na Bolsa, cerca de 8x o lucro, enquanto peers globais estão entre 15-20x. A empresa vale praticamente metade do que valia antes da compra da Avon em 2019, porque o mercado ainda quer ver para crer numa melhora na execução.
“É um cenário mais limpo, sem dúvidas. Mas eles têm muito a fazer. A marca Natura não cresceu no terceiro trimestre; a Avon hispana tem questões de integração. Então, me parece que ainda tem um turnaround a ser feito nas operações que ficaram,” disse um gestor cético com a companhia. “Eles vão precisar entregar uns 3 ou 4 trimestres de resultados sólidos antes de o mercado voltar a comprar a tese.”
“Acredito que a maioria dos investidores concorda que a Natura vale mais do que o preço de tela. Eles ainda discutem quanto mais e qual será o momento de entrada no papel,” o CEO João Paulo Ferreira, no posto desde março e na Natura desde 2009, disse ao Brazil Journal. “Nós estamos muito confiantes. Vamos entrar em 2026 leves, focados em crescer, inovar e gerar diferenciação. Tenho certeza de que vai ser um ano mais simples.”
No buyside, quem ainda não está confortável com o investimento em Natura cita o fato do acordo de acionistas, que venceria em fevereiro, estar sendo postergado por períodos curtos: maio; em seguida, agosto; e depois outubro, quando foi estendido para março de 2026.
O acordo reúne cinco famílias que controlam a empresa com 38,8% das ações; as três mais conhecidas e com maior exposição são os fundadores Luiz Seabra, Guilherme Leal e Pedro Passos; além das famílias Pinotti e Mattos, que eram donas de empresas adquiridas pela Natura no início da formação do grupo.
“Por que essas prorrogações curtas, quais são as dúvidas? O que eles estão querendo decidir ou modificar e não querem fazer agora? Tem algo relevante a acontecer nesse acordo? Alguém pode sair ou entrar?,” questiona um analista. “A Natura pode ser vendida?”
Segundo o CEO da Natura, os acionistas fundadores querem se manter no controle. “As burocracias em torno desse acordo são de outra natureza. Não tem nada a ver com mudar a estrutura societária. Os fundadores sempre reforçam o interesse em manter suas posições,” disse o CEO.
Para o analista de uma gestora, faz sentido que, no meio de tanta turbulência, os controladores estejam esperando um cenário um pouco mais estável. “Eles vão tomar uma decisão para os próximos 5-10 anos. Entendo que queiram ter uma foto mais nítida da companhia,” disse.
Março de 2026 – quando vence o acordo de acionistas – coincide com o closing da venda da Avon International, que ainda aguarda as aprovações regulatórias e tem “earn-outs e pagamentos contingentes em determinadas condições específicas após o fechamento” num valor limitado a £ 60 milhões, conforme o fato relevante de setembro. “Não há nenhuma notícia no horizonte que mereça qualquer preocupação em relação ao closing da Avon International,” disse João Paulo.
A marca Avon continua a ser outra preocupação dos investidores. A empresa não abre os dados, mas os analistas estimam que, no Brasil e na América Latina, a marca ainda roda com margens baixas, nos single digits; enquanto a Natura segue mais forte, próxima aos 20%. (Para 2026, a Natura&Co prepara um relançamento da marca Avon.)
“Muitas mentes brilhantes já tentaram revitalizar a Avon nas últimas décadas, sem sucesso. Acredito que esta seja a última tentativa deles,” disse um gestor.
Segundo João Paulo, depois da integração das operações de Natura e Avon no Brasil e América Latina, a marca Avon é rentável e tem um peso relativo menor do que já teve no negócio. Assim, não haveria prejuízo nenhum em mantê-la.
“É uma marca com um awareness incrível, segue respeitada aos 139 anos, com uma reputação enorme e ajuda a Natura a entrar em mais lares,” disse João Paulo, que planeja relançar a Avon simplificando ainda mais seu portfólio para ganhar assertividade. A Avon tem preços inferiores aos produtos Natura.
Para um gestor que está estudando a companhia, o que vai sobrar da Avon, “uma marca cansada”, serão os poucos produtos da marca “que ainda dão realmente dinheiro”.
“Mas até chegar nesse portfólio, ainda vai levar 1-2 anos para se livrar do resto. E só depois disso veremos a Natura de antigamente, com bons produtos, talvez crescendo menos do que antes, mas mais eficiente,” disse um gestor.
A Natura comprou a Avon em 2019, querendo capturar as sinergias da marca na América Latina, mas só concretizou a integração das operações este ano, com a conclusão dos processos no México em maio, e na Argentina em julho.
“Faz seis anos que a Natura comprou a Avon e é inacreditável que ainda estejamos falando de integração,” disse um analista do sellside. O assunto ainda é central, e continuou a poluir o resultado do terceiro tri, quando a receita da marca Avon caiu 17% no Brasil e 42% na América Latina.
“No processo de integração, há efeitos que vou chamar de autoimpostos, com mudanças necessárias que levam, num primeiro momento, à redução temporária de receitas. Mas em um período médio de seis meses, as receitas se recuperam com maior rentabilidade, como já vimos no Brasil, Chile, Peru e na Colômbia,” disse o CEO.
Para um analista, o impacto negativo da integração de México e Argentina foi mais forte que o esperado, e o mercado aguarda o resultado do quarto tri para ter mais clareza sobre a performance desses dois países, cujas integrações foram feitas com mais rapidez do que nas outras praças.
A próxima divulgação de resultados também vai definir se a luz para a marca Natura é verde, amarela ou vermelha. No terceiro trimestre, a receita da marca, surpreendentemente, não cresceu: recuou 0,2% no Brasil, em tese pelo cenário macro desaquecido, e contraiu 12% nos mercados hispânicos, impactada pela valorização do real.
Segundo um analista do sellside, o primeiro semestre foi muito forte para o consumo discricionário no Brasil, mas a partir de julho houve uma desaceleração – e higiene e cosméticos não foram exceção.
“Esse segmento sempre foi mais resiliente do que a média, mas desta vez foi tão impactado quanto vestuário, calçados ou supermercados,” disse. “A questão é que vestuário e bebidas, por exemplo, conseguiram colocar a culpa no tempo mais frio deste ano. Cosmético não tem esse tipo de desculpa, porque não é tão volátil. Mas não foi um tema só da Natura; outras empresas de consumo de beleza também desaceleraram.”
O gestor comprado no papel disse que o baixo crescimento da marca Natura não lhe tira o sono. “Acho que é uma discussão de curto prazo.”
João Paulo diz que a marca sempre foi saudável e tem alta geração de caixa, mesmo nos últimos anos mais difíceis para o grupo. “Ela ganha market share há 8 anos. Ano passado, teve o maior share no Brasil dos últimos 10 anos. Os indicadores de saúde mostram a marca super saudável, atrativa e desejada. Por isso mesmo a nossa decisão de voltar às raízes.”
João Paulo disse que compreende o desejo do mercado por resultados mais previsíveis e frustração pelo tempo que as coisas levam para acontecer, mas que é preciso colocar as coisas em perspectiva.
“Nós levamos 10 anos construindo um negócio, que simplificamos em três. Ainda há alguns últimos passos pendentes, mas estamos caminhando em linha com o que foi prometido. Acho que esse é um motivo para acreditarem em nós,” disse o CEO.
“Estamos voltando às nossas raízes como líderes no mercado latino-americano de beleza, e muito mais experientes. Apesar das flutuações trimestrais, prometemos e estamos muito confiantes de que vamos expandir a rentabilidade de 2024 para 2025. Os últimos três anos já têm sido progressivamente melhores.”






