Há pouco mais de um ano, em novembro de 2021, Sarah Scannell entrou em uma livraria e foi fisgada por um enigmático livro publicado originalmente na Inglaterra em 1934.
Mal sabia ela que, graças a um vídeo seu no TikTok, essa história de assassinatos em série – que por quase 80 anos se manteve na obscuridade – acabaria se tornando um improvável best-seller.
A Mandíbula de Caim é uma criação do inglês Edward Powys Mathers – mais conhecido pelo pseudônimo de Torquemada e pelas palavras cruzadas que compunha nos anos 1920 e 1930 para o jornal The Observer.
O livro acaba de chegar ao Brasil pela Intrínseca. Mesmo sem grande divulgação, em menos de um mês já vendeu 140 mil cópias, e o editor Jorge Oakim estima bater 200 mil até a virada do ano.
Um sucesso e tanto, ainda mais para uma obra cujo preço dos direitos de publicação, segundo o editor, passou bem longe de títulos mais disputados de autores famosos internacionalmente.
Na trama, seis pessoas são assassinadas, e o leitor é instigado a descobrir quem cometeu os crimes. O grande enigma proposto por Torquemada, no entanto, não está no enredo, mas na particularidade de que a história, narrada em exatas 100 páginas, foi publicada fora de ordem – e cabe a quem a lê organizar as páginas na sequência correta.
Simples? Bom, a combinação de 100 páginas gera 32 milhões de sequências possíveis. Até hoje, apenas quatro pessoas conseguiram o feito – e a tiktoker Sarah, até o momento, não foi uma delas.
Sarah, que vive em San Francisco, postou no dia 14 de novembro do ano passado um breve clipe em que disse ter descoberto o livro e decidido enfrentar “a quase impossível missão como uma oportunidade para realizar o sonho de toda uma vida, de transformar as paredes de meu quarto em um quadro de assassinatos,” como nos filmes policiais.
O vídeo viralizou. Milhares de pessoas começaram a fazer o mesmo, destacando as páginas do livro e fixando-as nas paredes em busca de solucionar a trama.
Praticamente esquecido, A Mandíbula de Caim havia voltado ao prelo em 2019 quase por obra do acaso. O curador de um museu britânico solucionou o enigma – a terceira pessoa a realizar o feito – e o interesse de algumas pessoas levou à sua republicação pela Unbound, uma editora londrina bancada por crowdfunding.
De acordo com o Guardian, até então só duas pessoas haviam resolvido o puzzle, ainda nos anos 1930. (Na época, elas ganharam um prêmio de 25 libras, algo como US$ 2.000 em valores de hoje.)
Para celebrar a reedição, a Unbound ofereceu 1.000 libras a quem conseguisse resolver o enigma em um ano. Organizou uma disputa e convidou 12 leitores para o desafio.
O único que conseguiu foi o comediante inglês John Finnemore – que disse que por pouco não foi à loucura. Aproveitando a reclusão doméstica forçada pela pandemia, ele tornou-se o quarto leitor a desvendar o mistério.
O salto no interesse pelo livro, contudo, veio no final do ano passado com a postagem de Sarah, que sequer era uma tiktokers mais populares. Hoje, apesar da fama, ela tem pouco mais de 76 mil seguidores – mas seu primeiro post sobre o livro já alcançou 6,6 milhões de views.
A partir daí apareceram dezenas de outras pessoas postando vídeos e fotos nas redes sociais com as páginas do livro pregadas nas paredes do quarto.
Para muitos, a barreira inicial é compreender o sentido de palavras e expressões caídas em desuso. “A parte mais difícil até agora não é o livro ser escrito fora de ordem,” diz Sarah em um de seus vídeos. “Não entendo o que algumas coisas significam, porque não conheço as regras para 1934.”
A edição brasileira, disponível apenas em papel, traz páginas destacáveis. “A grande graça está no caminho para chegar à solução, interagir com outras pessoas,” diz o editor da Intrínseca.
Já se multiplicam nas redes jovens brasileiros com as paredes dos quartos cobertas pelas páginas do mistério. Até o momento, não há notícia de que alguém tenha chegado ao resultado correto.