Com a morte inesperada de seu marido, a francesa Barbe-Nicole Clicquot-Ponsardin (1777-1866) viu-se viúva aos 27 anos, no interior da França, com uma filha para criar, um vinhedo para administrar e uma vinícola em dificuldades financeiras.
Detalhe: e tendo o sogro, os demais donos de vinhedos da região e os funcionários todos contra ela.
O caminho mais fácil seria aceitar a proposta de venda do vinhedo – feita por um herdeiro de Claude Moët, que mais tarde formaria a maison Möet & Chandon – e procurar abrigo com a família.
Mas ao invés disso, Barbe-Nicole assumiu os negócios, criou técnicas que revolucionaram o champanhe, e quando faleceu, aos 89 anos, tinha construído um império, que hoje pertence à Moët Hennessy, a divisão de bebidas de luxo da LVMH.
Demorou mais de 200 anos, mas essa história de empreendedorismo inebriante agora chegou ao cinema. O filme A viúva Clicquot, a mulher que formou um império, do diretor Thomas Napper, chegou essa semana aos cinemas, tendo Haley Bennett no papel principal e baseado no livro homônimo de Tilar J. Mazzeo.
O universo do champanhe, com seus vinhedos, adegas e muitas taças, é o cenário para um roteiro que conta uma história de amor, a de Barbe-Nicole com seu marido François; da paixão do casal pela bebida, com seus aromas e sabores, e do empreendedorismo feminino. No início do século 19 e em pleno domínio de Napoleão, não era permitido a uma mulher ter seu próprio negócio – daí o pioneirismo da personagem principal e a relevância que este tema vai adquirindo ao longo da narrativa.
No roteiro, o vinho espumante (e isso pode decepcionar a plateia dos enófilos) é um coadjuvante, mas que se destaca também pela beleza das imagens nos vinhedos e na vinícola.
Na história real, madame Clicquot deixou importantes legados para o mundo das borbulhas e não apenas para o champanhe, que é o vinho espumante elaborado na região de Champanhe, ao norte de Paris. É dela o desenvolvimento das técnicas de remuage e dégorgement, que permitem tirar as leveduras da garrafa e acabar com a turbidez dos champanhes – uma descoberta que, aliás, abriu muito mercado para estes vinhos.
Até então, as leveduras e o que restou delas após o término da segunda fermentação não eram removidas das garrafas, deixando o champanhe com sedimentos e turvo.
Também é mérito da viúva a criação do champanhe rosé e a decisão de colocar o rótulo laranja nas garrafas.
Durante o filme, há cenas de Barbe-Nicole fazendo testes para um vinho rosé. Há também diversas referências à cor laranja para identificar as garrafas, e foi por esta cor que o champanhe Clicquot se tornou conhecido mundialmente.
Mas estas ações não ficam claras, apesar de estarem presentes na narrativa. Ou seja: um conhecedor dos meandros de como elaborar um champanhe entende essas mensagens, mas um leigo não terá nenhuma ideia da importância de Barbe-Nicole para os champanhes.
Na prática, estas informações não tiram o mérito do filme, muito pelo contrário. E por não ser um documentário, mas um romance, podem até ampliar a quantidade de gente interessada em conhecer a história – algo semelhante a outro filme que tem o vinho como fio condutor de uma narrativa.
Sideways – entre umas e outras é a saga de uma despedida de solteiro, mas acabou tendo uma importância enorme na elaboração de vinhos tintos com as uvas pinot noir e merlot. Depois do filme, de 2004, a produção de pinot noir aumentou vertiginosamente, principalmente nos chamados países do Novo Mundo, enquanto a merlot perdeu espaço e prestígio.
Há, na história dos champanhes, outras viúvas bem importantes que vieram depois da viúva Clicquot.
Louise Pommery (1819-1890) criou o champanhe brut em uma época em que a bebida tinha um paladar bem mais doce, e Lily Bollinger (1899-1977) conquistou o mercado norte-americano para estes vinhos com borbulhas.
São personagens perfeitos para um próximo filme.