Minha geração de administradores – incluindo empresários, gestores públicos, políticos e quaisquer pessoas atentas aos rumos do País – teve boa parte de seu aprendizado prático através das páginas da Gazeta Mercantil. 

Claro que líamos também tantos outros jornais e revistas, mas o título que por anos permaneceu sem concorrência, e foi vital para o dia a dia desta tropa criadora de riquezas, foi sem dúvida a “Gazeta”.

Quanta informação primordial, quantos “furos”, quantas explicações do que parecia hermético, quanto acesso às fontes, e ainda, quanta educação econômica e financeira nos chegaram através de suas edições, entregues em mãos e nas bancas sempre após o “terceiro” horário, já que não possuía gráfica própria. 

Recordo-me de períodos em que parecia que o dia não poderia começar antes da Gazeta informar. E durante um bom tempo, ao contrário do que lhe pedia o Banco Central, foi ela o canal de comunicação dos câmbios diários da moeda americana.

Muitos dos leitores aqui do Brazil Journal, que preenche com obstinação e tenacidade a posterior ausência das notícias frescas do mundo das empresas, acompanharam a ascensão e queda do diário (diário de 5 dias, diga-se, já que respeitava os fins de semana), e embora seja da natureza da mídia uma morte lenta, vive na memória de todos a importância e o poder que a Gazeta teve, o atributo da informação focada, e a criação, com seus prêmios, de benchmarks de condução dos negócios. 

A imprensa tem mudado muito, até demais.

Sinal de gerações menos atentas à profundidade, de fidelidades pouco afeitas aos conteúdos, do fenômeno da facilidade inconsequente, dos bits e bites movendo-se livre e instantaneamente, olhos pregados nos monitores e mentes prontas menos para reter, e mais para disparar informações, num desequilíbrio penoso entre qualidade e quantidade.  

Esta imprensa, que indiscutivelmente sustenta nossa frágil democracia e a liberdade, continua tão fundamental como sempre, mas sofre as dores de sua dura missão enquanto atravessa um vale da morte em busca de novos modelos. 

Por isso também, conhecer a história da Gazeta faz diferença, o que Célia de Gouvêa Franco faz agora com Gazeta Mercantil – A trajetória do maior jornal de economia do país (Editora Contexto, 167 páginas, publicado com o apoio do Núcleo Celso Pinto de Jornalismo do Insper).

Célia viveu de dentro esta aventura. Desde cedo esteve na redação, dividiu seu talento com os monstros sagrados do jornalismo, casou-se com um deles, o querido Celso Pinto, talvez o mais gabaritado profissional da área econômica que já tivemos. 

Juntos, e mais um grupo de ex-colegas e a sociedade entre os grupos Globo e Folha, fundaram em 2000 o jornal Valor Econômico, um projeto bem-sucedido e seguindo com grande qualidade, herdeiro honrado, mas que jamais tirará da história aquele que o precedeu.

A Gazeta, que saiu de um simples boletim informativo da corretora da conservadora família Levy, recebeu em sua redação profissionais de esquerda quando a clivagem ainda era um traço de caráter, introduziu as matérias assinadas, exigiu compromissos inegociáveis de evidências e dados confiáveis, e fez-se um canal de comunicação com os governos. 

Sempre provando sua independência, entre outros feitos encampou o famoso Manifesto do Grupo dos 8, um ato referencial de posicionamento do empresariado consciente contra a ditadura. 

Sempre teve os melhores talentos e divulgou as melhores práticas – mas paradoxalmente, também cometeu os maiores e mais básicos erros de gestão, provavelmente um fracasso anunciado desde o primeiro momento em que suas receitas foram desviadas para outras empresas do grupo e para projetos insustentáveis, quando não irresponsáveis.

Luiz Fernando Levy foi um personagem e tanto. Um sonhador que desejava ter o monopólio de porta-voz da elite econômica e financeira, obstinado na idealização de um projeto de desenvolvimento nacional. Construiu seu papel na história do jornalismo, deixou o legado de um título único, e em sua queda arrastou consigo muitas famílias. 

A leitura sobre a vida deste periódico é uma aula de jornalismo, esforços, talentos, erros banais, destruição de valor e reputação, teimosia, um final incompetente e uma herança terrível de dívidas, em especial com aqueles que o construíram e dele dependiam.

Fruto de uma família industrial, eu sabia da importância de equilibrar o chão de fábrica com a sofisticação da informação diária e o conhecimento do mundo, e aprendi muito com a leitura da Gazeta, inclusive em meus anos heróicos na presidência da Fiesp e na transição do governo FHC para o Lula I. 

Até hoje tenho em minha sala o bico de pena com que me brindaram em uma de tantas entrevistas da época. Foi um prêmio ter sido eternizado naqueles traços tão delicados. 

Célia fez um notável trabalho de pesquisa. Honrou colegas, respeitou certa distância emocional, e dividiu os capítulos numa ordem que facilita o entendimento e a jornada da Gazeta, entregando um relato histórico importante para o registro e o entendimento de sua época. 

Os leitores terão momentos de prazer e saudosismo. 

Horacio Lafer Piva é presidente do conselho de administração da Klabin.