Na maior transação privada envolvendo uma fintech brasileira, a Visa anunciou hoje à noite que está comprando a Pismo por US$ 1 bilhão, reconhecendo o status global de uma tecnologia brasileira usada por gigantes como o Citi e o Itaú.
A venda para a gigante de pagamentos fecha uma trajetória de sete anos em que a Pismo cresceu com apenas duas rodadas de capital, atraindo acionistas como a Redpoint eVentures, o Softbank, Amazon, o Itaú e a B3.
Outros investidores da fintech incluem a Accel Partners, Headline Ventures e Falabella Ventures.
O grande mérito da Pismo foi desenvolver uma tecnologia de processamento de transações alavancando o que há de melhor e mais moderno em tecnologia de nuvem.
A solução permite que grandes instituições financeiras possam rodar sistemas pesados na nuvem, migrando de datacenters e mainframes – o que reduz os custos e dá mais agilidade para os bancos.
“De forma simplista, a Pismo permite que qualquer um monte um Nubank rápido, com o mesmo grau de sofisticação, na nuvem e com a tecnologia mais moderna,” disse um investidor que conhece bem a empresa.
Os grandes bancos de varejo tipicamente têm que escolher entre a Pismo, a Fidelity Information Services ou a Dock (outra startup brasileira). Outros desenvolvem dentro de casa, como foi o caso do Nubank.
O BTG, por exemplo, processa os pagamentos de seus cartões de varejo com a Pismo. E o Citi anunciou há duas semanas um acordo global para usar a solução de conta corrente da startup.
A plataforma da Pismo processa cerca de US$ 40 bilhões em transações anualmente, e roda quase 80 milhões de contas e mais de 40 milhões de cartões emitidos.
A fintech tem operações na América Latina, Estados Unidos e Europa, além de ter clientes na Índia, Ásia e Austrália.
O anúncio de hoje foi cercado de sigilo, com a Visa pedindo aos investidores da startup que não comentassem a transação. A Visa e os fundadores só se manifestaram por um press release.
Segundo uma fonte a par do assunto, a bandeira americana ainda vai pagar um earnout não revelado a alguns dos fundadores.
A transação reconhece a inovação trazida pelos quatro fundadores da empresa – Ricardo Josua, Daniela Binatti, Juliana Binatti e Marcelo Parise – e os transforma em multimilionários.
Pessoas que conhecem bem os fundadores descrevem um time que tem uma combinação única, ainda que com personalidades bem diferentes.
Daniela é uma menina que saiu da quebrada da Zona Leste de São Paulo, fez curso técnico, entrou na Conductor como estagiária e virou CTO da empresa. Rala muito, não é muito nerd, mas é mais curiosa e exigente, e pensa muito na estratégia, na arquitetura.
Ricardo já é mais nerd e introspectivo, mas conhece os detalhes dos sistemas de pagamentos como ninguém.
Marcelo, casado com Daniela, é um cara mais bonachão, feliz e relaxado, que faz a gestão dos times de tecnologia – “um cara legal de conviver”, segundo uma pessoa com trânsito na empresa.
Já Juliana – irmã de Daniela – é a pessoa de produto que gosta de ficar arrumando tudo, deixando a user experience sempre redonda.
“Todo mundo lá é bem nerd e todo mundo é mão na massa do ponto de vista da tecnologia, mas a Dani é que fez a mágica da arquitetura, conseguindo colocar o banco na nuvem,” disse um investidor na companhia.
O valuation de saída marca um retorno de 4x em comparação à Série B levantada em outubro de 2021, quando a startup levantou US$ 108 milhões. (O Brazil Journal não conseguiu determinar o valuation da Série A).
Antes de acertar a mão com a Pismo, os fundadores haviam criado a Conductor, depois renomeada Dock e que basicamente opera no mesmo mercado.
Foi um começo humilde. A Conductor nasceu dentro de uma operação de call center que pertencia ao pai de Ricardo. Em seguida, os fundadores trouxeram a TMG, que vendeu sua participação para a Riverwood. Ricardo foi o primeiro a sair, seguido de Daniela.
Depois que saiu da Conductor, Dani passou dois anos estudando o que havia de mais sofisticado no mercado mundial, e resolveu criar uma processadora de pagamentos usando essas tecnologias. A ideia lhe ocorreu quando estava em Pismo Beach, na Califórnia.
“Ela é bizarramente sofisticada. A Dani está sempre estudando, vendo o que acontece no mundo. Eles criaram uma tecnologia sofisticada a nível global,” diz outro investidor.
Mas, como acontece nas melhores famílias, nem tudo foram flores. Em 2019, a empresa quase quebrou, quando os US$ 900 mil do seed levantados três anos antes começaram a acabar. Daniela e Marcelo tiveram que vender o único carro do casal para garantir que o negócio continuasse de pé.
Para a Visa, a transação faz parte da estratégia de ir além do negócio de bandeira de cartões, posicionando-se como uma empresa de tecnologia – e defendendo seu negócio das disrupções trazidas por fintechs como a Pismo.
Há pouco mais de um ano, a Visa já havia feito outro investimento com essa mesma visão, pagando US$ 2,15 bilhões pela Tink, uma startup europeia de open banking. Em 2021, a gigante americana também tentou comprar a Plaid – outra fintech de open banking dos EUA – pagando mais de US$ 5 bi, mas a transação esbarrou em restrições regulatórias.
Além da Visa, a Pismo recebeu uma oferta da Mastercard, que também está buscando se reposicionar no mercado como uma empresa de tech.
Por seu tamanho simbólico, o cheque de US$ 1 bilhão da Visa talvez ajude a reenergizar o ecossistema de venture capital brasileiro num momento de escassez de capital e valuations deprimidos.
Curiosamente, a Pismo é uma empresa completamente diferente das que os VCs normalmente têm como modelo de sucesso.
“É uma empresa com um core tecnológico muito pesado e que consegue competir de igual para igual globalmente,” disse Rodrigo Baer, sócio da Upload Ventures e que liderou o investimento na Pismo quando era sócio da Redpoint eVentures. “Dez anos atrás o Brasil não tinha profundidade de talent pool para isso – e agora estamos começando a ter.”
Para Rodrigo, muitos founders que já fizeram empresas no Brasil agora querem criar empresas globais.
“Por exemplo, o Alessio Alionço primeiro montou a Acessozero (vendida ao portal Apontador), mas depois fez a Pipefy direto lá fora. Os caras da PagarMe depois fizeram a Brex na Califórnia – ou seja, na segunda empresa, muitos founders já querem ir pras cabeças.”
A Goldman Sachs e Wilson Sonsini assessoraram a Pismo. Pinheiro Neto assessorou em questões da lei brasileira.
A Visa trabalhou com o Skadden e o Mattos Filho.