No início deste ano, o CFO da Via Varejo, Felipe Negrão, fazia um curso de dois meses em Harvard quando um dos professores apresentou o case da Airfox, uma startup de meios de pagamento. A ficha caiu na hora. “Era exatamente o que a gente estava procurando”, diz Negrão. “No dia seguinte, adicionei o Victor Santos no LinkedIn e logo marcamos um encontro”.

A conexão acabou virando um negócio.

Hoje cedo, a Via Varejo anunciou uma parceria com a Airfox – e planos de construir um ecossistema de pagamentos semelhante ao Alipay. O acordo inclui uma opção de compra de 80% do capital da startup, que pode ser exercida nos próximos três anos.

Por enquanto, a Airfox oferece uma carteira digital (wallet) por meio de um aplicativo, com diversas funcionalidades. O app permite a transferência de dinheiro para outros usuários, o pagamento de contas e serviços como a Netflix, e a recarga de transporte público e créditos de celular. A empresa não cobra taxas; ganha dinheiro em cima de comissões pagas pelos parceiros da wallet, como as operadoras de telecom.  

Na parceria com a Via Varejo, a Airfox desenvolverá um sistema para o pagamento digital dos carnês das lojas da rede; além de uma solução de pagamento por ‘QR code’ (que começará a ser aceita em algumas unidades, como piloto, nos próximos seis meses). Em troca, a Via Varejo usará suas quase mil lojas para ajudar a Airfox a ganhar escala no Brasil.

Fundada no fim de 2015 pelo brasileiro Victor Santos e pela coreana Sara Choi – dois ex-funcionários do Google na Califórnia – a Airfox surgiu focada no segmento B2B (ela criava carteiras virtuais ‘private label’ para operadoras de telecom, que a ofereciam para seus clientes).

No início deste ano, ela redesenhou seu modelo de negócios e tomou a decisão de se voltar para o consumidor final, focando quase inteiramente no mercado brasileiro.

Até o momento, a plataforma conquistou 10 mil usuários por aqui. Mas, com o início da parceria com a Via Varejo, a expectativa é de um crescimento exponencial: as duas empresas falam em chegar a mais de 10 milhões de usuários nos próximos doze meses. A Via Varejo tem 6 milhões de clientes que utilizam carnês para fazer suas compras, dois milhões dos quais não tem acesso a crédito bancário. O sistema da Airfox vai derrubar dramaticamente os custos de processamento e exponencializar a capacidade da companhia de gerir seu CRM.

“Queremos transformar a Airfox no Alipay do Brasil”, diz Santos. “É um negócio que pode ficar maior do que a própria Via Varejo”, complementa Negrão.

Na prática, a ideia é que, quando um consumidor for pedir um carnê nas Casas Bahia, os vendedores ofereçam, como primeira opção, o carnê digital – para isso, o consumidor terá que se cadastrar na plataforma da Airfox, trazendo milhões de novos usuários.  

Mas os planos da Airfox vão além da parceria anunciada hoje: em paralelo ao desenvolvimento do sistema da Via Varejo, a empresa vai começar a credenciar outras varejistas – grandes e pequenas – para aceitarem seu sistema de pagamento móvel.

“No nosso sistema a transação não passa pelas adquirentes, por nenhum intermediário, então elimina a MDR [merchant discount rate, a taxa que vai para o adquirente, a bandeira e o banco emissor]. Nossa ideia é cobrar uma taxa menor de 1% nas transações e ainda dar um ‘cashback’ para o consumidor que usar, como incentivo”, diz Santos.

A fintech planeja ainda, nos próximos seis a doze meses, começar a oferecer empréstimos para os usuários da plataforma (em um primeiro momento com capital próprio, mas depois num modelo peer-to-peer). A ideia, segundo Santos, é mirar nas classes C e D, onde boa parte da população ainda é desbancarizada.

Desde sua fundação, a Airfox já captou mais de US$ 16 milhões em duas rodadas de investimento – a primeira delas com o Techstars, um fundo americano de venture capital.

O interesse da Via Varejo pelo segmento de meios de pagamento não vem de hoje. A empresa vinha desde o ano passado estudando a possibilidade de entrar nesse mercado com o lançamento de uma carteira virtual. A dúvida, debatida em reuniões do board, era se o movimento deveria ser feito com uma solução desenvolvida internamente, externamente, ou com uma parceria com opção de compra.

Depois de optar pela última alternativa, a empresa começou a conversar com diversas companhias desse mercado. No início do ano, quando Negrão conheceu a Airfox em sua aula em Harvard, a decisão já havia sido tomada: a Via Varejo tinha escolhido uma empresa brasileira e estava com o acordo de parceria quase fechado. Se Negrão tivesse faltado àquela aula, talvez tudo fosse diferente.