Faltam algumas semanas para a posse de Jair Bolsonaro. Como montar um governo não é nada fácil, o presidente eleito certamente não está pensando em tirar uns dias de férias antes de assumir. Mas deveria, e uma breve visita à França seria particularmente útil.

Paris tem muitas lições aguardando Bolsonaro — não escondidas nos mais de 100 museus da cidade, e sim escancaradas nas ruas.

Seu colega Emmanuel Macron ganhou uma eleição do nada. Surfou uma onda de intolerância com a velha política, criou um partido e ganhou o pleito num país dividido. Nada parecia capaz de segurá-lo.

Empossado, usou sua enorme confiança para esmagar os partidos políticos, sindicatos e quaisquer adversários ou aliados que pudessem lhe fazer sombra. Começou, então, a colocar “em marcha” o plano reformista que supostamente legitimou sua eleição. Decretou o fim do imposto sobre fortunas como primeira grande reforma do seu governo. Em seguida, avançou com reformas pró-meio ambiente e sinalizou que quer transformar a Previdência francesa, tão quebrada quanto a nossa.

O começo foi animador. Macron se transformou numa estrela global. Até o furioso aperto de mão que deu em Donald Trump virou notícia no mundo todo. Exceto por alguns incidentes envolvendo a truculência de sua segurança ou sua arrogância com o jovem estudante que o chamou de Manu, até outro dia parecia estar tudo bem. Até que ele resolveu decretar um aumento de combustíveis, mais motivado por questões ecológicas do que econômicas, já que o petróleo acabara de sofrer forte queda. Para o governo, preços de combustíveis mais altos levariam a população a privilegiar os transportes públicos. Faltou combinar com os governados.

E assim como Macron se elegeu do nada, do mesmo nada surgiu na França um movimento de protestos — muito semelhante, aliás, ao que aconteceu no Brasil no movimento dos caminhoneiros deste ano ou nos protestos contra Dilma em 2013. Gente trabalhadora, nada ligada a partidos políticos ou sindicatos, gente de direita e esquerda, indo às ruas para demonstrar seu saco cheio. Claro, como não poderia faltar num movimento como esse, surgiram aproveitadores violentos e vândalos. 

Sem lembrar em nada o esfuziante candidato que mudaria o funcionamento da política francesa, Macron se recolheu. Não conseguiu abrir um diálogo com a sociedade para ocupar o vazio de partidos e sindicatos que sua própria eleição criou. Ministros de seu governo não se pronunciaram por semanas. A seus críticos, Macron lembra que está apenas cumprindo o que prometeu na campanha. Mas em questão de dias, a arrogância napoleônica cobrou seu preço.  

Talvez se possam debitar alguns erros na conta da juventude. Eleito aos 39 anos, Macron é quase 20 anos mais novo que a média dos presidentes que chegaram ao poder desde a Revolução Francesa em 1789. O fato é que sua popularidade despencou de quase 70% nos primeiros dias para meros 20%. 

O turismo na França, em forte recuperação desde os atentados do Bataclan, foi novamente colocado em xeque. Estima-se que a economia tenha perdido mais de €50 bilhões desde que o primeiro francês saiu às ruas de colete amarelo, obrigatório nos veículos franceses como nosso kit de primeiros socorros. Macron foi apelidado de ‘Monsieur ISF’, ou ‘Senhor Imposto sobre Fortunas’, numa clara demonstração que o país se ressente de uma concessão feita aos seus amigos e clientes da época em que foi banqueiro do Rothschild. 

Brilhante em muitos aspectos, Macron foi eleito sem as amarras normalmente impostas aos políticos tradicionais, talvez no melhor resultado das loterias políticas dos dias atuais. Usou essa liberdade muito mal — reformismo não funciona sem realismo, muito menos sem diálogo com a sociedade. Resta saber se vai conseguir se reinventar ou se vai cambalear mediocremente até o final do seu governo. Como a França é um país muito rico, certamente aguentará o tranco. 

No Brasil, no entanto, a margem de erro é bem menor. Embora tenham personalidades e histórias bastante diferentes, Macron e Bolsonaro são fenômenos políticos parecidos. Desde a eleição, Bolsonaro formou uma boa equipe e tem mostrado que sabe ouvir e recuar, características básicas de um jogo político bem sucedido. Mas, se passar uns dias em Paris, poderá observar de sua janela que a promessa de renovação, à primeira vista tão poderosa, pode se revelar subitamente vulnerável a políticas mal pensadas e voluntariosas.  Convém prestar atenção.

Ricardo Lacerda é fundador do Banco BR Partners e apaixonado pelo Brasil e pela França.