Desde que assumiu a CVC em agosto de 2023, o CEO Fabio Godinho implementou um turnaround na maior operadora de turismo do Brasil apostando em três coisas: um modelo de negócios ‘figital’, produtos exclusivos, e a retomada da abertura de franquias.
Mas o mercado não se emocionou.
“Aumentamos o EBITDA exponencialmente, voltamos a gerar caixa operacional, e a ação hoje está valendo menos do que quando entramos, quando a situação era extremamente delicada,” Godinho disse ao Brazil Journal. “Somos uma das maiores ‘molas comprimidas’ da Bolsa.”
O EBITDA da CVC, que foi de R$ 88 milhões em 2023 (em partes pelos resquícios da pandemia), fechou o ano passado em R$ 340 milhões. A geração de caixa operacional, que tinha sido negativa em R$ 600 milhões em 2023, foi positiva em R$ 180 milhões em 2024.
No ano passado, a empresa abriu 301 franquias, mais que a RD Saúde e a SmartFit, e entrou em cidades onde ainda não operava.
Por fim, a Argentina — que responde por 25% da receita e 15% do EBITDA — voltou recentemente a dar resultado positivo — em parte pelas melhoras macro do Governo Javier Milei, em parte por mudanças micro que a empresa fez.
Mas então, por que o papel não sai do lugar?
“O mercado nos diz que o papel não anda pela taxa de juros,” disse Godinho. “Um juro de 15% ao ano não é viável para a CVC e para ninguém. Não é viável para o País.”
Com R$ 1,2 bilhão de dívida líquida e um modelo de negócios que precisa operar constantemente com a antecipação de recebíveis (já que os pacotes normalmente são vendidos em 12x), o custo do dinheiro tem consumido toda a geração de caixa operacional da companhia.
No ano passado, a CVC teve um free cash flow (a geração operacional menos os juros da dívida) negativo em R$ 82 milhões.
O CFO Felipe Gomes estima que se a Selic estivesse hoje em 10%, esse valor teria sido de R$ 200 milhões positivo.
Considerando a antecipação de recebíveis, a alavancagem da CVC está entre 3x e 3,5x. (Em outubro, a empresa renegociou cerca de R$ 550 milhões em debêntures, reduzindo a taxa de CDI + 7% para CDI + 4,5% e dobrando o duration dos papeis.)
O Itaú BBA, que tem uma recomendação de ‘compra’ para a CVC, disse semana passada que a companhia fez “sólidos progressos” em todas as suas prioridades estratégicas no ano passado. “Enquanto ainda prevemos um bottom line negativo em 2025, acreditamos num forte crescimento de lucros a partir de 2026, com um CAGR de 70% entre 2026 e 2029,” escreveu o time liderado por Victor Rogartis.
O analista disse que este ano marcará o turning point da companhia – provavelmente o último ano de prejuízo e queima de caixa.
Outro fator que pesa sobre a ação é a visão dos céticos de que o turismo caminha inexoravelmente para um modelo 100% digital — favorecendo empresas como a Booking, hoje a maior companhia de turismo do mundo, com um market cap de US$ 186 bilhões.
Godinho discorda – e chama testemunhas.
No mês passado, o CEO da CVC fez uma viagem à China, onde se reuniu com James Liang, o fundador da Trip.com — a maior empresa de turismo da Ásia.
A Trip fatura US$ 170 bilhões e vale US$ 40 bi na Nasdaq.
O modelo de negócios? Mais de 6 mil agências físicas, a maior parte franqueados.
“Nas viagens curtas, mais baratas e com baixa antecedência de decisão, as compras na Trip.com são 100% digitais. Mas para as viagens de férias, mais longas e que precisam de antecedência, a maior parte dos chineses ainda prefere comprar nas lojas físicas, com a assistência do vendedor.”
Enquanto a Selic não cai, a CVC tem buscado formas de melhorar a eficiência de seus vendedores, e está trabalhando para inserir inteligência artificial em seu negócio, tanto no B2B quanto no B2C.
O principal projeto nesse sentido é a criação de uma IA que vai ajudar a aumentar a conversão das vendas, arregimentando informações mais completas sobre cada cliente.
Hoje, metade das vendas das lojas físicas da CVC já vem de leads capturados por meio de campanhas nas redes sociais e na internet e em seguida direcionados para as franquias, onde um funcionário atende o cliente por Whatsapp.
A oferta com AI – prevista para ser lançada ainda este ano – adicionará uma nova camada de dados que vai ajudar no trabalho dos vendedores.
“Quando pegarmos o lead, a AI vai conversar com esse cliente para pegar um monte de informações: se tem pontos na Livelo, se gosta de praia, de montanha, qual o score de crédito… Interpretando esses dados, e cruzando com nosso CRM e outros bancos de dados, ela vai sugerir produtos e montar pacotes para o vendedor trabalhar.”
Outra aposta da CVC é no modelo de consultores — que são ligados às lojas, num modelo semelhante ao usado pelo Boticário – o que vai permitir à companhia entrar em cidades de até 20 mil habitantes.
Quando Godinho assumiu o comando em 2023, a CVC operava apenas em cidades com mais de 100 mil habitantes. Uma das primeiras medidas do novo CEO foi criar um novo formato de franquias, com lojas de 15 a 20 metros quadrados, e entrar em cidades com mais de 20 mil habitantes.
Isso só foi possível também pelo modelo ‘figital’, já que os leads são gerados no digital e repassados para as franquias, o que torna a franquia numa cidadezinha do interior financeiramente sustentável.
Agora, o plano é entrar com o modelo de consultores nas cidades com menos de 20 mil habitantes, onde abrir uma franquia não é viável.
Os consultores serão vendedores autônomos operando em parceria com a franquia mais próxima de sua cidade. Quando fizeram alguma venda, a comissão é dividida com a franquia.
“Esses microempreendedores vão trabalhar remotamente, mas vinculados a uma loja,” disse o CEO. “E isso vai mais que dobrar o potencial de cidades que podemos operar. Com esse modelo, vamos conseguir entrar em mais 3,5 mil municípios.”
A ação da CVC sobe 35% nos últimos 12 meses, e a empresa vale R$ 1,3 bilhão na Bolsa. O papel negocia a 5,7x EV/EBITDA 2025.
Os maiores acionistas da companhia são Gustavo Paulus, com 20% do capital; a Absolute, com 9%; o Opportunity, com 7,5%; e a WHG, com 4,5%.