A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida, escreveu Oscar Wilde.

Que o diga Rupert Murdoch, o visionário australiano que ao longo de sete décadas ergueu um dos maiores impérios de mídia de toda a história – incluindo o Wall Street Journal, a Fox News, o Times de Londres e o New York Post.

Aos 93 anos, Murdoch agora está travando uma batalha legal contra três de seus filhos para assegurar que seu filho homem mais velho, Lachlan, seja seu sucessor no controle dos negócios e mantenha a orientação editorial conservadora dos canais e publicações do grupo.

É um drama da vida real que tem paralelos na disputa entre as irmãs de Rei Lear e nas guerras fratricidas de Succession, a deliciosamente sombria série da HBO sobre Logan Roy, um titã da mídia que os roteiristas criaram à imagem e semelhança de Murdoch. 

Em jogo, uma fortuna de quase US$ 20 bilhões – além de uma descomunal alavancagem empresarial e política.

Segundo o New York Times, Murdoch abriu secretamente um processo no ano passado, buscando alterar os termos do trust familiar.

O empresário escolheu Lachlan, de 52 anos, como sucessor. Caberá a ele manter a atual linha editorial.

“Atualmente, o trust transfere o controle dos negócios da família para os quatro filhos mais velhos quando Murdoch morrer,” diz o NYT. “Mas Murdoch está argumentando na Justiça que só dando poderes a Lachlan para liderar a companhia – sem interferência de seus irmãos mais moderados politicamente – conseguirá preservar a inclinação editorial conservadora e dessa maneira proteger o seu valor comercial para todos os herdeiros.”

Ainda segundo o NYT, os irmãos James, de 51 anos, Elisabeth, 55, e Prudence, 66, foram pegos de surpresa pela ação e pelo desejo do pai de reescrever o que deveria ser, supostamente, um trust inviolável.

Apesar de divergências pregressas, os três teriam agora unido forças para revidar o movimento do pai e do irmão mais velho, que se alinhou a Murdoch.

O processo corre em Nevada, a sede do trust onde estão as ações dos controladores da News Corp e da Fox Corp.

Lachlan é atualmente o chairman da News Corp, o conglomerado dono de jornais como o WSJ e o britânico Sun, e é também o chair e CEO da Fox Corp.

O trust tem atualmente oito votos: quatro controlados por Murdoch e outros quatro destes quatro filhos – frutos de seus dois primeiros casamentos.

As filhas mais novas, Chloe e Grace, do terceiro matrimônio de Murdoch, não têm direito a voto. Mas todos os seus filhos possuem participações idênticas no capital do trust.

O empresário argumenta que a “falta de consenso” entre os irmãos “impactaria a direção estratégica das duas companhias, incluindo uma potencial reorientação da política editorial e de conteúdo.”

Murdoch deseja que o primogênito tenha controle “exclusivo” e “permanente” sobre os destinos dos negócios, de acordo com documentos confidenciais aos quais o NYT teve acesso.

O empresário está em seu quinto casamento. No mês passado, casou-se com a bióloga russa Elena Zhukova, de 67 anos. Nenhum dos três filhos com os quais trava a disputa nos tribunais foi à cerimônia.

Murdoch teria batizado sua ação legal de Project Harmony, porque seria uma maneira de evitar uma disputa familiar quando ele morresse. “Mas o efeito foi o oposto,” diz o NYT.

O trust foi criado há 25 anos. De uns anos para cá, começaram a ficar evidentes as divergências políticas e empresariais entre Murdoch e seus herdeiros. James e Elisabeth já travaram batalhas pelo poder, e acabaram se afastando para cuidar de outros negócios.

Entre 2015 e 2019, Lachlan e James chegaram a dividir o comando operacional das empresas, mas os anos de Donald Trump na Casa Branca azedaram a relação entre os irmãos. James não aceitou o tratamento editorial favorável concedido pela Fox, o canal de notícias de maior audiência nos EUA, ao então presidente.

O patriarca e Lachlan consideraram as preocupações exageradas, ainda mais diante dos bons números da audiência. Mas o trumpismo da Fox acabou resultando em um prejuízo considerável.

No ano passado, o canal precisou pagar quase US$ 800 milhões para encerrar uma ação movida pela Dominion, uma fornecedora de equipamentos de votação eletrônica. A Fox havia dado amplo espaço a alegações de que a Dominion estaria envolvida em uma conspiração para fraudar as eleições de 2020.

O julgamento que vai decidir se Murdoch está agindo em boa-fé deve começar em setembro.