Quem assiste às performances do atual ministro da Educação nas mídias sociais pode ser induzido a acreditar que só agora, no Governo Bolsonaro, a pasta tem sido motivo de preocupação da sociedade. 
 
Tendo em vista o caráter ideológico de algumas decisões do ministério em 2019, é tentador imaginar que pela primeira vez na história do Brasil existe dirigismo ideológico numa área tão sensível para o país. 
 
Em “Capanema, a história do ministro da Educação que atraiu intelectuais, tentou controlar o poder e sobreviveu à Era Vargas” (Ed. Record, 2019), Fabio Silvestre Cardoso conta por que Gustavo Capanema (1900 – 1985) não apenas já era alvo de críticas severas ao longo da sua gestão, como também foi o titular que deu ao cargo o status e a relevância que possui hoje.

Capanema foi o ministro que mais tempo que ficou à frente do ministério da Educação: 11 anos. Quando assumiu, em 1934, o nome completo da pasta era Ministério da Educação e Saúde Pública. Sua chegada ao cargo foi, digamos, agridoce: na verdade, Capanema desejava ser Interventor de Minas Gerais, posição que ocupava interinamente em 1933, mas foi vetado graças ao gênio político de Getúlio Vargas, que, enganando os adversários e confundindo os aliados, optou por Benedito Valladares – segundo alguns, dando origem ao chiste: “mas será o Benedito?”

Seja como for, Capanema fez da Educação e Saúde uma pasta com luz própria – o que não era pouco num governo que se igualava ao proverbial ninho de cobras. O ministério de Capanema se notabilizou por ser uma versão brasileira do “the best and the brightest” dos anos Kennedy, incluindo nomes como Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Candido Portinari, Heitor Villa Lobos, e uns tais Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.

Costa e Niemeyer, aliás, foram os responsáveis pelo verdadeiro cartão-postal do ministério da Educação: o Palácio Capanema, um triunfo da arquitetura modernista mundial, plantado no caótico centro do Rio de Janeiro e agora em processo de reforma. O marco arquitetônico, no entanto, só existe porque Capanema manobrou para que o projeto vencedor fosse o modernista. Os detalhes estão apresentados no livro, mas é interessante observar como o critério adotado foi político, ainda que cercado de prerrogativas legais.

 
Foi o fascínio com este homem — capaz de atrair a nata inteectual do País para cooperar com a burocracia — que fez Fabio Silvestre Cardoso se dedicar a este projeto. Fabio, que ensina jornalismo na Anhembi Morumbi, é um profissional com uma rica bagagem cultural e meu sucessor no Podcast Rio Bravo, o mais longevo podcast de negócios do Brasil, onde semanalmente entrevista gente interessante. 
Se é correto afirmar que Capanema foi dos melhores de sua geração enquanto ministro, Fabio nota que ele só resistiu no cargo porque soube ser um animal político hábil. Foi assim que sobreviveu ao Estado Novo (1937-1945), só deixando o ministério no apagar das luzes do governo Vargas. 
 
Depois, se reinventou.  Ingressou no PSD, onde viveu outra vida como parlamentar e foi o fiel da balança em momentos decisivos da vida política nacional. Sempre tentou ficar próximo ao Poder.

Seu instinto de sobrevivência fez com que superasse inúmeras crises, como os idos de agosto que antecederam o suicídio de Vargas (1954); a luta pela posse de Juscelino (1955); a renúncia de Jânio (1961); e o golpe militar (1964). A propósito do dia que durou 21 anos, Capanema fez uma das escolhas mais difíceis de sua trajetória, segundo registro de Carlos Castello Branco no velho Jornal do Brasil: “Se a deposição do Jango é o caos, então viva o caos”.  

Para além de ser nosso ministro da Educação mais longevo, Capanema é o caso exemplar de que a política cobra um preço alto e tem consequências inesperadas. Só isso já deveria servir de conselho para não se abrir guarda-chuvas em lugares fechados.

Convite:  O lançamento de “Capanema” será nesta terça-feira, dia 11, na Livraria da Vila. (Rua Fradique Coutinho, 915)

 
Na foto acima, Capanema com Getúlio, foto do acervo do CPDOC/FGV.