No ano passado, depois de várias visitas à Califórnia, Fred Trajano e quatro executivos do Magazine Luiza  fizeram uma imersão de alguns dias nas empresas de inteligência artificial do Vale do Silício, visitando nomes como Nvidia, OpenAI, Meta e Google. 

Junto com Fred estavam Caio Gomes, o ‘chief AI officer’ do Magalu e um ex-Nubank, AWS e Unico; e Jörg Friedmann, o ex-diretor de RI do Nubank e atual CEO do MagaluPay. 

Ao final da visita, os executivos bateram o martelo: escolheram os modelos que usariam para criar a primeira experiência ‘end to end’ de um varejista com inteligência artificial dentro do Whatsapp.

O produto foi lançado há um mês e, segundo a companhia, os resultados são animadores. Fred disse ao Brazil Journal que a venda pelo Whatsapp – conversacional e contextualizada – está convertendo três vezes mais que o aplicativo do Magalu. E o NPS do canal (a principal métrica de satisfação do cliente) está em 90, em comparação aos 78 do Magalu como um todo.

Frederico Trajano

No “AI commerce” do Magalu, a companhia está usando o número de Whatsapp de seu avatar virtual – a ‘Lu do Magalu’ – para criar uma jornada de compra conversacional que começa e termina dentro do app de mensagens.

Se um cliente quer comprar um tênis, por exemplo, ele pode mandar mensagem para a Lu no Whatsapp dizendo o tipo de tênis que quer, e pedindo ajuda para comparar os modelos. 

Em seguida, a Lu vai consultar os diversos agentes de AI em que está plugada para conseguir dar a melhor sugestão para o cliente e fazer buscas específicas que ele peça. (Há agentes específicos para cada função: do comparador de preços ao que faz o small talk.)

Na hora de fechar a compra, o sistema puxa as informações do perfil do cliente (com base no número de celular) e o pagamento é feito direto no Whatsapp, sem precisar abrir o app do Magalu. 

O AI commerce “tem o potencial de ser um Prime para a gente,” disse Fred, em referência à assinatura premium da Amazon. “Eles fizeram o Prime para aumentar a lealdade e frequência de compra dos consumidores. Acredito que o AI commerce pode gerar o mesmo efeito para nós.”

O CEO disse que os dados iniciais sugerem que o unit economics do AI commerce é melhor que o das vendas feitas pelo aplicativo – mas ainda depende de algumas premissas se comprovarem.

No seu aplicativo tradicional, o Magalu precisa gastar muito com mídia e publicidade para conseguir atrair o cliente. “Se conseguirmos fazer a venda do AI commerce ser mais orgânica, sem precisar gastar tanto com mídia, isso vai melhorar muito o unit economics,” disse ele.

Mas o AI commerce também traz custos relevantes. O Magalu paga à Meta, a dona do Whatsapp, por cada mensagem enviada. (Se o cliente enviar a primeira mensagem e fizer a compra em até 24 horas, este custo não é cobrado).

Há ainda o custo que a empresa tem com a infraestrutura para rodar seus modelos e com os chamados tokens dos LLMs. Cada vez que a empresa faz uma requisição a um dos agentes de AI que rodam em modelos fechados (como o da Gemini) é cobrado um valor por isso. Nos modelos open source, que também estão sendo usados, não há o custo por tokens, apenas o da infraestrutura. 

O projeto do Magalu é inédito no mundo. 

Conrado Leister, o country manager da Meta no Brasil, disse ao Brazil Journal que há diversos outros varejistas que já fazem a venda ‘end to end’ no Whatsapp, “mas da forma como eles estão fazendo, com LLMs, vários agentes de AI e entregas sofisticadas com Pix e voz, não tem nada parecido,” disse o executivo. 

Para Conrado, “o uso de AI dentro das plataformas de mensageria é uma tendência que vem crescendo, porque o impacto é muito grande, com uma conversão alta. Não acredito que isso vai ser uma exclusividade do Magalu, mas o projeto deles é o primeiro que vimos no mundo, e já está performando muito bem.”

O ineditismo global tem a ver em parte com a relevância que o Whatsapp tem no Brasil, algo que não acontece em todos os países. Conrado disse que os mercados onde o Whatsapp tem maior penetração na população são Brasil, Índia, México e alguns mercados da Ásia. 

“Mas temos países onde é o Facebook Messenger que é muito forte, ou onde o Instagram Direct é o principal. E nesses mercados os projetos vão surgir em cima desses canais.”

A criação do AI commerce do Magalu vem num momento em que a companhia está finalizando o que o CEO chama de seu ‘ciclo de ecossistema’. 

Neste ciclo, o Magalu fez diversas aquisições, como a Kabum, Netshoes e Época, diversificando sua receita para além do varejo de eletroeletrônicos. A empresa também comprou operadores logísticos (para desenvolver sua própria solução de entregas) e fintechs, para criar o MagaluPay

Agora, a empresa pretende tangibilizar esse ecossistema numa loja flagship que está prestes a abrir no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, no mesmo espaço que abrigava a Livraria Cultura. A loja, que vai abrir as portas na terça que vem, terá espaços dedicados a cada uma das marcas do Magalu. 

A aposta do Magalu na AI também vem num momento de recuperação operacional da companhia. 

A margem EBITDA, que chegou a bater em 5% em 2023, subiu para cerca de 8% este ano. As despesas financeiras caíram pela metade, em parte graças à capitalização de R$ 1,25 bilhão liderada pela família Trajano. Por fim, as empresas adquiridas começaram a dar lucro.

“A Netshoes está dando lucro pela primeira vez. A Kabum também. E o MagaluPay está entregando um ROE ‘nível Itaú’ este ano,” disse o CEO. 

Desde o início do ano a ação sobe 75%, mas, segundo Fred, “muito em cima do fechamento dos juros. A melhora operacional ainda não está refletida no preço.”