Nelson Ferreira, Mikael Djanian e Tiago Berni

Depois dos anúncios da política tarifária do governo americano, o barulho de portas sendo fechadas pôde ser ouvido por todo o globo. E se o mundo fecha as portas do comércio, a saída para as empresas brasileiras deve ser proativamente abrir novos acessos. Com perfil geopoliticamente mais neutro, o Brasil desponta como parceiro confiável e competitivo neste momento em que novas alianças e relações comerciais estão sendo firmadas.

Ainda é difícil prever como ou quando o cenário se resolverá. Parece seguro afirmar, contudo, que o distanciamento da relação comercial entre China e Estados Unidos pode aproximar as duas potências do Brasil. Mais do que isso. Além das oportunidades de curto prazo, há uma abertura para aproveitar o redesenho do mapa do comércio global e se inserir de uma nova forma nas cadeias de produção.

Ocupando novos espaços

Espaços vazios não ficam desocupados por muito tempo. É preciso fazer uma leitura ágil do cenário, sem se precipitar nos prognósticos. Os acordos bilaterais que devem apontar com mais certeza os impactos para cada setor ainda estão sendo estabelecidos. Por ora, articulando o retrato das relações comerciais entre Estados Unidos e China e as capacidades produtivas brasileiras, é possível identificar onde as primeiras movimentações serão sentidas.

O Brasil tem potencial de aumentar suas exportações para a China em até 12,5 bilhões de dólares. Nesta cesta estão produtos como soja, carne bovina, petróleo, cereais e algodão – todos com alta recente nas exportações. A depender dos próximos capítulos das negociações pós-trégua, essa tendência deve acelerar, ampliando ainda mais o comércio entre os países, que cresceu 13% ao ano entre 2017 e 2024. Uma possível consequência indesejada é a pressão na inflação de alimentos decorrente da menor disponibilidade desses produtos no mercado doméstico.

Já para os Estados Unidos, o potencial para as exportações brasileiras é menor, de até 1,1 bilhão de dólares, com destaque para artigos de madeira, produtos químicos orgânicos e calçados.

‘Made in China’ ou ‘USA’?

Seja pela interrupção das trocas comerciais entre as potências ou pela perda de competitividade dos produtos devido às elevadas tarifas, há agora um excedente de produção que esses países vão encaminhar para outros destinos. Considerando os produtos que a China mais exporta para os EUA, aparelhos telefônicos, computadores, brinquedos e equipamentos esportivos podem entrar de forma expressiva no Brasil. Da mesma forma, insumos químicos, que hoje se destacam nas exportações dos EUA para a China, podem ser redirecionados para cá.

O impacto dessa possível onda de importados é incerto e varia entre setores e subprodutos. Para ilustrar essa diferença, a McKinsey comparou o custo de produção local com o custo de importação de três produtos com volume significativo de exportação da China para os Estados Unidos.

A bobina de aço laminada a quente (HRC) importada é mais barata do que a produzida aqui (custo de importação 7% mais baixo, em média); já veículos elétricos e vestuário de algodão de produção nacional são mais competitivos (custo de importação 21% e 28% mais alto, respectivamente), o que tem levado marcas internacionais a estabelecer manufatura no Brasil, especialmente no caso de veículos. É importante ressaltar que o nosso nível de competitividade varia de acordo com mudanças na taxa de câmbio.

Das cadeias globais às redes regionais

As crises recentes vêm expondo a fragilidade das longas e integradas cadeias de suprimentos globais. À medida que elas são desafiadas, a busca por alternativas menos vulneráveis se intensifica. Daí surge o conceito de glocalização, que não abandona a perspectiva global, mas integra os benefícios de produzir localmente (ou em localidades próximas) para atender os mercados locais.

As empresas brasileiras, historicamente tímidas em produção internacional, têm agora a oportunidade de expandir sua capacidade produtiva para mercados em franca ascensão econômica, como a Índia, com taxa de crescimento do PIB da ordem de 6,5% ao ano na última década. Ou o Sudeste Asiático, também com crescimento expressivo no mesmo período devido ao aumento da industrialização, da urbanização e da expansão de serviços. Ou, mais perto, países da América Central que, juntamente com o México, são destinos de nearshoring para manufaturas destinadas aos Estados Unidos.

Ao combinar expertise industrial com inserção local, o Brasil poderá ganhar protagonismo em um mundo cada vez mais descentralizado.

Não espere a bonança

Sem previsão de tempo firme num horizonte próximo, ficar parado não é uma estratégia. Os riscos e as oportunidades que se apresentam exigem que as empresas sejam proativas na adaptação ao novo cenário. São dois os horizontes à vista.

No curto prazo, iniciativas de otimização devem ser priorizadas. As empresas podem criar centros de comando para revisar operações de transporte, otimizar o portfólio, reavaliar a estratégia de precificação e engajar fornecedores para evitar atrasos. No médio prazo, o foco precisa ser mais estratégico, e as ações devem incluir revisão do footprint de produção para se aproximar dos mercados finais e otimização da cadeia de suprimentos, com priorização de fornecedores locais ou de regiões com tarifas mais baixas.

O mundo está no limiar de uma nova ordem comercial. Em vez de esperar respostas, é tempo de estabelecer novas rotas. É possível que nada volte a ser como antes; o importante é estar preparado para o que virá depois.

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Nelson Ferreira é sócio sênior da McKinsey em São Paulo e líder global da prática de Agricultura.

Mikael Djanian é sócio da McKinsey em São Paulo e líder da prática de sustentabilidade na América Latina.

Tiago Berni é sócio associado da McKinsey em Belo Horizonte e líder da prática de Mineração e Metais no Brasil.

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