No primeiro pregão depois da vitória de Lula na eleição presidencial, quase todos os papéis do Ibovespa se valorizaram – mas o mercado puniu Petrobras e Banco do Brasil, que tiveram quedas expressivas.
As direções diametralmente opostas sugerem que os investidores – principalmente os internacionais – apostam que a economia deve melhorar com Lula, mas também acreditam que a gestão das estatais vai piorar, seja por ineficiência, corrupção ou por um foco maior na função social do que nos resultados.
A ação do Banco do Brasil caiu 4,6%; Petrobras ON recuou 7%, e a PN, 8,5%
Para começo de conversa, com a eleição de Lula saem da mesa opcionalidades como a privatização da Petrobras ou a venda de subsidiárias do Banco do Brasil.
Além disso, segundo um gestor, a chance de essas empresas serem aparelhadas e utilizadas para políticas públicas “aumenta muito”, enquanto os escândalos de corrupção envolvendo as estatais e os partidos que apoiavam o Governo ainda estão na memória do País.
Mas desde que o Governo Dilma quase quebrou a Petrobras e a Eletrobras, o arcabouço regulatório que governa essas empresas melhorou dramaticamente.
A Lei das Estatais, sancionada em 2016 no Governo Temer como uma resposta aos escândalos, estabeleceu os procedimentos de escolha e o perfil das pessoas que podem ocupar cargos nessas empresas, buscando afastar políticos e outros que não tenham experiência no ramo de atuação das empresas.
Mas para setores do mercado, nem a lei é suficiente.
“Se até num governo liberal como o de Bolsonaro houve flexibilizações e ruídos no cumprimento dessa lei, imagine a preocupação do mercado com a volta do PT e já ouvindo as declarações recentes do presidente eleito,” disse Geraldo Affonso Ferreira, um conselheiro independente especializado em governança.
Em março de 2021, irritado com um plano de fechamento de agências, o Presidente Bolsonaro trocou o comando do Banco do Brasil, indicando um novo CEO sem submeter o nome ao conselho. A interferência provocou a renúncia de conselheiros e diretores.
No caso da Petrobras, incomodado com a alta dos preços da gasolina, Bolsonaro trocou o comando três vezes. Na última vez, em meados deste ano, a experiência do CEO no setor foi questionada, e dois conselheiros foram levados para a assembleia e eleitos com o voto do controlador apesar de não terem sido aprovados pelo comitê de elegibilidade da empresa.
Depois desse último episódio, a AMEC – associação de investidores no mercado de capitais – denunciou o surgimento de um “ativismo às avessas” praticado pelo acionista controlador de estatais listadas, que “enfraquece de controles construídos como resposta a episódios vexatórios na última década”.
Em caso recente, escreveu a Amec “vimos a permissão de que nomes vetados por regras internas da companhia, com amparo da Lei das Estatais e da Lei das SAs, fossem eleitos em assembleia de acionistas por construções jurídicas baseadas em pareceres e decisões discricionárias, criando precedente que pode ser utilizado em contextos inimagináveis daqui em diante.”
Para Raphael Manhães Martins, sócio do Faoro Advogados, apesar de a Lei das Estatais ser um avanço, não é possível dizer que ela blinda as empresas de interferência política.
“A lei criou alguns controles, mas a fragilidade da Petrobras no governo do Bolsonaro já demonstrou as suas fraquezas. As estatais seguem indefesas à luz da vontade política de intervir,“ disse ele.
Segundo Raphael, o controlador não resiste à vontade de intervir também porque a estrutura de governança criada é “opinativa” – ou seja, as próprias empresas criam comitês de nomeação e elegibilidade, que devem emitir parecer sobre os indicados pelo Governo. Em outras palavras, nada impede que os nomes indicados atendam os pré-requisitos da lei e ainda assim estejam alinhadas com governos pouco éticos.
Para um gestor, apesar de a lei ter criado barreiras elevadas para essas nomeações, a criatividade de quem tem a caneta na mão é ilimitada. “Não tenho capacidade especulativa suficiente para saber se a lei será eficaz para blindar essas empresas. Determinadas pessoas podem passar por cima de qualquer coisa.”
Para Helio Magalhães — o ex-chairman do BB que renunciou ao conselho após a interferência do governo – pior do que as flexibilizações recentes foram as discussões sobre fazer alterações na lei via Medida Provisória para flexibilizar os controles inseridos nas regras.
“Mas eu não acho que Lula vai buscar esse tipo de mudança na lei e muito menos logo no começo do governo, ainda mais com essa mancha que o PT carrega de corrupção nas estatais,” disse Helio.
Outro especialista no assunto disse ao Brazil Journal que mais do que cumprir ou não a lei atual, o pior dos mundos seria uma alteração na lei por conveniência.
De qualquer forma, o primeiro teste de como Lula pretende tratar as estatais deve estar próximo.
Ontem à tarde, por exemplo, a Agência Estado reportou que o senador Jean-Paul Prates (PT-RN) é cotado para assumir como CEO da Petrobras.
Ocorre que a Lei das Estatais veda a indicação para o conselho e diretoria dessas empresas, entre outros, de dirigentes estatutários de partido político e de titular de mandato no Poder Legislativo, ainda que licenciado do cargo. Além disso, também não permite a indicação de pessoa que participou da estrutura decisória de partido político nos últimos 36 meses.
Tanto o BB quanto a Petrobras acumulam altas significativas no ano: até a sexta-feira antes das eleições, o Banco do Brasil, que vem entregando uma forte melhora em seu ROE, avançava 45%. Já a Petrobras, graças aos preços do petróleo e aos dividendos, acumulava alta de 68% na ON e de 70% na PN.
Pode ser que a queda de ontem nos papéis seja, em parte, realização de lucro; ainda assim, o mercado deve esperar os nomes que comandarão essas empresas antes de aumentar posições.
“O Lula pode até pensar em repetir o script dos governos anteriores, mas desta vez, com o País polarizado como está, qualquer deslize vai levar a uma CPI da Petrobras ou do Banco do Brasil. A oposição vai estar salivando,” disse um gestor. “Eu acho que ele já tem problemas demais pra resolver.”