Alpha Girls (Editora Agir, 288 páginas), da jornalista americana Julian Guthrie, narra a história de quatro executivas do venture capital que, vencendo o sexismo tóxico e superando desprazeres como jantares de trabalho em bares de strip-tease, prosperaram no ‘gold rush’ do Vale do Silício durante os primeiros anos da revolução da internet.
São mulheres que começaram de baixo, lutaram muito e ajudaram a erguer gigantes da tecnologia como Salesforce, McAfee, Hotmail e Facebook.
Repórter do San Francisco Chronicle por duas décadas, Guthrie acompanhou de perto as transformações da nova economia. Ela é autora de How to Make a Spaceship (sem edição no Brasil), de 2017, um livro reportagem sobre a corrida espacial dos investidores privados.
Enquanto viajava pelos Estados Unidos entrevistando engenheiros, empreendedores e financiadores, ela se perguntava: “Onde estão as mulheres?” Sua busca por uma resposta deu origem a Alpha Girls.
As personagens centrais da história são Magdalena Yesil, Mary Jane Elmore, Theresia Gouw e Sonja Hoel – todas “ases da matemática, da engenharia, das finanças, da computação e dos negócios, mas, como as personagens fictícias de Sex and The City, as alpha girls de carne e osso também estavam tentando achar seu caminho no mundo.”
A turca Magdalena Yesil, por exemplo, chegou aos Estados Unidos para estudar em Stanford em 1976. Tinha apenas US$ 43 e nove pulseiras de ouro. Segundo o pai, as joias deveriam ser vendidas apenas se ela tivesse necessidade.
Ela não precisou, mas varava as madrugadas trabalhando no centro de computação da universidade e ganhava alguns dólares a mais ajudando outros estudantes. Sua carreira decolou como sócia da U.S. Venture Partners, onde participou de investimentos em cerca de 30 startups. Magdalena foi uma das fundadoras da Salesforce e hoje comanda a Broadway Angels, uma firma de investimento anjo.
Como tantas outras mulheres nos primórdios do Vale, Magdalena sentiu na pele o sexismo de um negócio dominado pelos homens.
Assim que saiu de Stanford, um de seus primeiros empregos foi na AMD, a fabricante de semicondutores. Em uma conferência de vendas no Havaí, ela esperava ver danças havaianas, mas foi surpreendida no café da manhã com um show de strip-tease. No jantar da noite seguinte, a atração foram garotas que começaram a se despir e protagonizar atos sexuais.
Ela foi reclamar ao chefe, um dos cofundadores da empresa, e ele disse para ela se acalmar. Convidou-a para um jantar com os principais distribuidores da AMD. “Soube que você é uma boa engenheira e sei que eles vão aproveitar a companhia de uma jovem bonita.”
Outra pioneira foi Sonja Hoel, nascida na Virgínia. Primeira mulher a se associar à Menlo Ventures, era ainda uma jovem analista quando ajudou John McAfee a evitar um péssimo negócio.
O programador queria vender o seu software antivírus e havia recebido uma oferta de US$ 20 milhões da Symantec. A Menlo ofereceu uma proposta alternativa em que o fundador permaneceria no controle do negócio. No ano seguinte, a McAfee abriu capital e se tornou uma das gigantes em sua área.
Antes de se firmar como executiva respeitada, Soja precisou servir de babá de um possível cliente, deu tiros em clubes de armas e virou muitas doses de uísque. Tudo para cativar o cliente e fechar o contrato.
Descendente de chineses, Theresia Gouw estudou engenharia na Brown e trabalhou na consultoria Bain & Company antes de se transferir para o mundo do capital de risco no Vale. Estudou administração de empresas em Stanford e fez carreira na Accel Partners, em Palo Alto, a empresa de capital de risco por trás dos primeiros passos de companhias como Facebook, Vox Media e Spotify.
Cercada por machos alpha, Theresia desenvolveu alguns truques para lidar com eles: falava alto para ser ouvida e interrompia os homens com frequência. Seguindo dicas de uma executiva, não tomava notas, para não ser confundida com uma assistente que estivesse lá apenas para essa função.
Mary Jane Elmore completa o quarteto de garotas superpoderosas. Natural de Indiana, estudou matemática e economizou algum dinheiro trabalhando em uma lanchonete – enquanto, claro, driblava cantadas grosseiras. Em 1976, recém-formada, comprou um carro velho e partiu de Kansas City rumo à Califórnia: havia conseguido um emprego na Intel. Anos depois, fez MBA em Stanford e foi uma das primeiras mulheres aceitas como sócia de uma firma de venture capital.
Boa parte dos eventos ocorre em locais ao longo da Sand Hill Road e em suas imediações. Essa é a via que liga Palo Alto, Menlo Park e Woodside, no Vale do Silício, e onde ficam os escritórios dos principais VCs.
Ainda hoje, mais de 80% das empresas de venture capital nunca tiveram mulheres como sócias, e 94% dos sócios investidores dessas firmas são homens. Outro dado impressionante que o livro traz: apenas US$ 2 de cada US$ 100 do dinheiro de venture capital vão para startups fundadas por mulheres.
“Quando as grandes empresas adquirem startups, a força de trabalho de maioria masculina é absorvida por uma empresa de maioria masculina,” escreve Guthrie. “Isso significa que softwares, hardwares, apps e mídias sociais estão sendo criados, financiados e geridos por homens.” E, como observou Melinda Gates, sem maior diversidade “a tecnologia não se diversificará”.
Acostumada a entrevistar grandes executivas e executivas, Guthrie diz que os homens tendem a ser mais sinceros ao falar de seus erros e defeitos – talvez como uma maneira de criarem uma maior empatia com o público e se revelarem mais humanos.
As mulheres, entretanto, são relutantes a falar de insucessos e vulnerabilidade, no que diz respeito tanto ao trabalho quanto à vida pessoal.
Por quê?
A autora sugere que elas construíram as suas carreiras sendo “fortes e inabaláveis, usando seus terninhos de Teflon e seguindo as regras estabelecidas pelos homens”.